Em matéria de educação, cada cabeça sua sentença




Isto, em matéria de educação, cada cabeça, sua sentença. Ainda a propósito do meu texto anterior, sobre erros de Português, sobre aprender e ensinar, quero aqui dar nota de uma opinião que parece ser popular. Numa das minhas últimas viagens de autocarro fiquei sentada ao lado de uma senhora muito faladora que ao longo do trajecto me foi dando nota dos seus achados no feed do Facebook. 

Talvez fosse uma mãe que, no primeiro dia de aulas a Directora de Turma recebeu, conjuntamente com  outros encarregados de educação, e alunos,  num agrupamento. Muitos sorrisos, expectativa no ar, enfim, reunião de abertura de ano lectivo. Entre vários assuntos, a Directora falou do programa a levar a cabo, dos trabalhos a fazer, escritos, uns, outros, leituras. Tudo decorria dentro da normalidade até que a Directora, não sem antes afirmar a incondicional disponibilidade dos professores da escola para apoiar e ajudar os alunos, se lembra de lhes pedir que evitassem recorrer a batota, em especial, parece, no tocava a leitura de obras. É que os professores tinham meios de saber se eles tinham, de facto, lido os livros. 

Ora, esta senhora escrevia agora no Facebook, indignada. Entendia que o filho, aluno, tinha sido alvo de uma injustiça. Isto era colocar uma pressão terrível sobre os pobres alunos que desta maneira já começavam o ano lectivo com este rótulo criminoso de "batoteiros", quando deviam ser considerados inocentes até prova em contrário. Era também inadmissível que além da leitura do livro ainda lhes fosse pedido que provassem que tinham lido o livro.  Em conclusão: os professores não passavam de um bando de criaturas ardilosas que usavam estratégias mesquinhas - possivelmente uma série de questões, grelhas para preencher com dados extraídos da obra, etc - capazes de detectar se as criancinhas, ou jovens, tinham mesmo feito o que lhes era pedido. 

Talvez esta senhora que assim escrevia seja advogada uma vez que nos veio lembrar que a presunção de inocência vale para todos até prova em contrário, é um direito. Só que a presunção de inocência vale para quem é acusado de alguma coisa e a Directora não estava, se bem percebi, claro, a acusar ninguém de fazer batota. Estava a lançar um alerta, pedindo que os alunos não recorressem à batota. Sabemos que actualmente não se pode dar um puxão de orelhas aos alunos. Os castigos corporais são coisa do passado e ainda bem. (Uma única vez uma professora deu-me um puxão de orelhas, na Escola Preparatória André Soares. Não sei se me estava portar mal, se não tinha feito os "deveres". Cheguei a casa com a orelha ainda vermelha e quente. Até hoje detesto puxões de orelhas.) Pelos vistos também não se pode pedir às crianças para  não procederem de forma errada, mesmo que tal apelo se destine a evitar um comportamento que acarreta um prejuízo que é só delas, que não contribui para o fomento de hábitos de estudo nem para a formação do seu carácter a longo prazo. Melhor também desistir de pedir ajuda aos pais para reforçar o comportamento correcto junto das crianças pois solicitar que as criancinhas não façam "batota" é muita pressão para os meninos e meninas aguentarem e faz estalar a indignação as mamãs e papás que vão logo para o Facebook descarregar a metralha e buscar suporte moral junto do seu séquito de seguidores. 

A tentação da batota está inscrita no ADN da maioria dos alunos desde o início da escola, e até das escolas, desde que foi inventado esse tal ranking, uma coisa que também não existia no tempo em que fui estudante. É uma normal anormalidade. É algo expectável o que não quer dizer que deva ser admissível. Há batotas e batotas. E há também a batata quente. A batata quente são os problemas que os professores tentam segurar nas mãos até que não aquentam mais a queimadura e largam. Por este andar, não podemos censurar que os professores se cansem e deixem de se preocupar, queiram abandonar a profissão ou comecem a ignorar os problemas para evitar serem queimados. A meu ver, os professores é que são injustiçados. Do tempo em que podiam tudo para o tempo em que pouco ou nada podem, foi um piscar de olhos. Do tempo em que davam puxões de orelhas para o tempo em que são molestados, física e moralmente, por criancinhas e jovens, intocáveis, e encarregados de educação foi um suspiro. Eles é que são sempre culpados até prova em contrário, não os meninos e as meninas, ou os papás e as mamãs.

Os alunos, que todos queremos que não sejam agentes passivos e antes motores do seu processo de educação, que têm motivado projectos sem fim de reestruturação de salas de aula e de métodos de ensino, quando confrontados com a leitura de um livrito - e muitos professores dão-lhes liberdade de escolha para elegerem o favorito -, sabendo nós, acho que concordamos todos nisso, que a prática da leitura é essencial, escusam-se à tarefa sempre que o conseguirem. Serão todos, podemos generalizar? Não, mas serão certamente muitos pois já ouvi muitas histórias deste teor. Os malandrecos leem resumos que encontraram na internet ou feitos por colegas, ou veem o filme que adaptou a obra, se existir um,  e chegado o momento da verdade, apresentam-se na sala, aos colegas e ao professor, para fazer a apresentação oral da obra, uns balbuciando as sinopses da obra e pouco mais, outros com o discurso bem ensaiado mas uma vez questionados sobre qualquer coisita mais já metem os pés pelas mãos, denunciando a batota.

Este tipo de façanha é recorrente e deve ter levado essa Directora de Turma a mencionar o problema na abertura do ano lectivo daquela escola. Isto já era assim quando eu era e fui estudante. Fiz resumos de livros, emprestei resumos, mas já não estávamos no 1º ciclo de estudos, no 6º ou no 7º ano de escolaridade, anos em que a leitura ainda está em consolidação, e a apresentação pública de um livro é ainda um desafio bem útil. Os pais, em vez de darem ouvidos aos professores e de conversarem com os filhos no sentido de reforçarem a ideia de que devem cumprir o solicitado e ler os livros, vão para o Facebook queixar-se dos professores ardilosos quando estes mais não estão do que a fazer o seu trabalho. A miudagem que não sabe o bem que lhe fazia ler um par de livros por dia, e que faz de tudo para não estar sentada numa mesa durante meia hora a ler um livro, ainda encontra o amparo das mamãs e papás que transformam os professores em carrascos dos seus filhotinhos inocentes. Bom, não se espantem estas mamãs e papás se os putos crescerem e um dia aparecerem na TV a dizer que "Vão haver" novidades!

Ora, o que eu vejo aqui é apenas mais um exemplo da constante desautorização da figura do professor e também um afloramento o processo de fragilização dos alunos que o professor que corrigia exames de 12º ano também referiu. Mas, de acordo com o que relatou a minha colega de viagem,  devo fazer parte da minoria pois a maioria dos comentários deixados dava razão à escriba queixosa.

Hoje em dia as pessoas estão sempre prontas a reclamar por direitos, sentem-se ofendidas por dá cá aquela palha, defendem os filhos em quem tombou uma pena de ave na cabeça, mas esquecem frequentemente que também existem deveres. Qualquer estatuto do aluno os contém. Creio que no início do ano lectivo os alunos são convidados a ler esse estatuto, os pais também. Mas, lá está, deve ser uma tortura ler meia dúzia de parágrafos. Não me espantava se após a leitura do estatuto fossem para o Facebook desabafar que estão a acusar os piquenos de preguiça, o que seria demasiada pressão para os meninos e meninas suportarem. Tornou-se estranhamente difícil entender que seguir as orientações dos professores é um dever do aluno, que ESTUDAR é o seu dever. Não é para TRAPACEAR professores, colegas e processo de aprendizagem que os alunos se matriculam numa escola. Ou é? 

Comentários