Tempo que foge, de Ricardo Gondim

 

Tempo que foge é um texto retirado do site do autor Ricardo Godim. Corre na internet, envolvendo este texto e outros, e vários autores, uma das maiores confusões sobre autoria que já vi. O certo é que este texto é de Ricardo Gondim. Mas... e os outros? Que me desculpe quem jura que são de A ou B, mas eu ainda não consegui entender entre tantas afirmações, partilhas, e argumentações quem foi o autor desses textos curtos. São também são de Gondim?! Se não são, foram escritos por quem?

10.5.2008

Tempo que foge!
Ricardo Gondim

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não vou mais a workshops onde se ensina como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos parlamentares e regimentos internos. Não gosto de assembléias ordinárias em que as organizações procuram se proteger e perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, onde “tiramos fatos à limpo”. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário do coral.

Já não tenho tempo para debater vírgulas, detalhes gramaticais sutis, ou sobre as diferentes traduções da Bíblia. Não quero ficar explicando porque gosto da Nova Versão Internacional das Escrituras, só porque há um grupo que a considera herética. Minha resposta será curta e delicada: – Gosto, e ponto final! Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: “As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos”. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.

Já não tenho tempo para ficar dando explicação aos medianos se estou ou não perdendo a fé, porque admiro a poesia do Chico Buarque e do Vinicius de Moraes; a voz da Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis, Thomas Mann, Ernest Hemingway e José Lins do Rego.

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”; não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja andar humildemente com Deus. Caminhar perto dessas pessoas nunca será perda de tempo.

Soli Deo Gloria.

Fonte

Na internet circula ainda um poema mias curto que parece ter sido inspirado pelo poema Tempo que foge, mas onde a bacia de jabuticabas foi substituida por uma bacia de cerejas. 

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.

Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas...
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são imaturos.

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.

’As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos,
quero a essência,
minha alma tem pressa…

Sem muitas cerejas na bacia,
quero viver ao lado de gente humana,
muito humana;
que sabe rir de seus tropeços,
não se encanta com triunfos,
não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,

O essencial faz a vida valer a pena.


E para mim, basta o essencial!"

Esta versão aparece, muitas vezes, como sendo da autoria de Mário Coelho Pinto de Andrade, um autor angolano e com o título O valioso tempo dos maduros. Várias vozes referem o seguinte. A cereja é uma fruta comum em Portugal, não a jabuticaba. Muitos textos referem "bacia de jabuticabas", talvez porque esta é uma fruta popular no Brasil. O texto teria sido adaptado ao sabor brasileiro, mas o seu autor é o angolano, mais próximo da cultura portuguesa em todos os aspectos.

Quando em vez de "cerejas" aparece "jabuticabas" o nome que mais aparece como sendo o seu autor parece ser Mário Andrade, o autor seria então o modernista brasileiro. Seria uma fácil confusão nascida também da abreviação do nome do autor angolano. É facto, escrito por alguém conhecedor da obra do brasileiro, que este poema não consta dos seus livros. Mas não pude, eu mesmo comprovar isso.

Quém é este Mário Coelho Pinto de Andrade?

O arquivo da sua obra pode ser encontrado aqui.

Mario Pinto de Andrade

(1928-1990)

Nasceu em Ngolungo Alto (Angola). – 1929/1947: Estudos primário e secundário em Angola. – 1948: Viaja para Portugal; matricula-se no curso de Filologia Clássica da Faculdade de Letras de Lisboa. – 1949/52: Juntamente com Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Francisco José Tenreiro e Alda Espírito Santo, na Casa dos Estudantes do Império, no Clube Marítimo e no Centro de Estudos Africanos promove atividades culturais visando a redescoberta de África. – 1953: Com Francisco José Tenreiro organiza o Caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa. – 1954:

Vai viver em Paris. – 1955: Redactor da revista Présence Africaine, é também o responsável pela organização do I Congresso de Escritores e Artistas Negros; acabará por se formar em Sociologia, na Sorbonne. – 1960: Com a prisão de Agostinho Neto pela PIDE, Mário assume a presidência do recém fundado MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA (MPLA); Mário como presidente e Viriato da Cruz como secretário-geral transferem a direcção do MPLA de Luanda para Conakry. – 1961: Após a independência do Congo Belga, Mário e Viriato transferem a direcção do MPLA para Leopoldville. – 1962: Mário entrega a presidência do MPLA a Agostinho Neto, que acabara de fugir de Portugal. – 1965/67: Mário coordena a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP). – 1973: É mandatado pelo Comitê de Coordenação Político-Militar do MPLA, para organizar os textos políticos de Amílcar Cabral. – 1974: Mário, com o seu irmão Joaquim funda a “Revolta Activa”, corrente que se opõe à liderança de Agostinho Neto no MPLA, exigindo a democratização do regime; os dois irmãos Pinto de Andrade e outros militantes são muito perseguidos e têm que abandonar Angola. – 1976/8:

Após a independência de Angola, Mário exila-se na Guiné-Bissau e ocupa o cargo de coordenador-geral do Conselho Nacional de Cultura. – 1978/80: Mário é o Ministro da Informação e Cultura da Guiné-Bissau. – 1980: Golpe de “Nino” Vieira na Guiné; Mário desloca-se para Cabo Verde. – Anos 80: Mário colabora na “História Geral da África” – 1990: A 26 de Agosto Mário falece em Londres.

Fonte: http://www.vidaslusofonas.pt/mario_pinto_andrade.htm


Na postagem seguinte, ouça Ivan Lima e Abujamra declamar uma outra versão curta onde a referência às frutas e mais versos  foram omitidos!

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