"Na internet, a autoria se dissolve e se transforma."


Numa reportagem da Globo, realizada em 2011, sobre esta confusão de autorias em torno do nome e textos de Ricardo Gondim, que vou continuar a relatar, diz-se uma verdade, que, parece estar aí para a eternidade: "Não adianta escrever o texto e depois assinar. O que cai na rede vira quase de domínio público. Na internet, a autoria se dissolve e se transforma. As palavras de um viram as palavras de todos." Senão, vejamos o que tem acontecido, e continua a suceder. Como descobri esta confusão? Um amigo inglês partilhou, anteontem, no Facebook a tradução do poema aqui declamado sem sequer mencionar o seu título, e por alguma razão eu não fiquei convencida que fosse do modernista brasileiro Mário de Andrade, que assinava o escrito. Reparem que esta versão já é diferente da "versão curta" que publiquei na postagem anterior. 


Ivan Lima declama O valioso tempo dos maduros
A autoria é atribuída a Mário de Andrade. 


António Abujamra, neste vídeo, também declama o mesmo texto. 
Agora o título é o Tempo de que foge. 
A atribuição da autoria é feita a Ricardo Gondim.

Contei meus anos e descobri que tenho menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro. Então, já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero reuniões em que desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos cobiçando o lugar de quem eles admiram.
Já não tenho tempo para conversas inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas idosas, mas ainda imaturas.
Detesto pessoas que não debatem conteúdos, mas apenas rótulos!
Quero viver ao lado de gente que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade.
Quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.
Apenas o essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!

A confusão é grande. Desde 2011, pelo menos, data em que Gondim refere o sucedido no seu blogue, que estes textos, títulos e vários autores se confundem pela internet fora. Quem são os envolvidos?

Mário (Coelho Pinto de) Andrade - (1928/1990), foi um ensaísta e activista angolano. No blogue Tudo sobre Angola um texto vasto elucida-nos sobre a este nacionalista que" travava a sua luta pela independência “com uma caneta e não com um fuzil”.

Mário de Andrade - (1893-1945), foi um poeta, escritor, crítico literário, musicólogo, estudioso da cultura popular, ensaísta, um dos pioneiros na poesia modernista brasileira. O seu poema Pauliceia Desvairada marca o início da poesia modernista no Brasil. É o autor do famoso Macunaíma. A confusão entre os dois nomes, a do poeta brasileiro e do angolano, entendo que tenha sido fácil de acontecer e de se difundir pela internet.

Rubem Alves - Também o pastor Rubens Alves tem sido nomeado como o autor deste poema, tendo até esclarecido que ele não é de sua autoria.

Ricardo Gondim
- É pastor e presidente da Igreja Evangélica Betesda, sediada em São Paulo, e também do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos, na  internet. Uma grande parte da internet clama que a autoria do poema é dele. O próprio afirma que o poema é dele. E é mesmo.

Sobre este imbróglio, Gondim refere no seu site, a 17.12.2009: 
Querem roubar e ainda me chamam de ladrão, Ricardo Gondim

Escrevi “O Tempo que Foge”. Alguém o fez circular como de um Autor Anônimo. Depois, disseram que era de Mário de Andrade. Agora, por último, me acusam de tê-lo roubado de Rubem Alves. Insisto, o texto é meu. Eu o escrevi no meu computador, na privacidade de meu ambiente de trabalho e está publicado no meu livro “Creio, mas tenho Dúvidas”, Editora Ultimato. Recebi um e-mail cobrando explicações. Circulo o conteúdo do mesmo na esperança de que seja feita justiça."

Autor de diversas obras, Gondim publicou em 2007 pela Editora Ultimato Ltda, de Viçosa/MG, o livro Eu creio, mas tenho dúvidas - A graça de Deus e nossas frágeis certezas; as páginas 102 a103, contêm o  poema Tempo que foge. Isso é um facto. Quanto ao resto, não sei o que pensar. Talvez algum dos meus leitores me possa dar mais pistas. 

Todos devíamos manter ou atribuir a autoria do que partilhamos na internet, seja uma frase, um poema, um texto, uma foto.  Muitos desvalorizam esse cuidado e alguns fazem ainda pior porque fazem plágio deliberado de ideias, textos, fotos, pinturas, etc, seja por preguiça, para poupar tempo ou para obter vantagens, seja elas quais forem, alteram textos e manipulam fotos, julgando que estão dentro da lei, que tudo o que acham na internet é deles para usar e abusar. Citando a Globo: "Na internet, a autoria se dissolve e se transforma. As palavras de um viram as palavras de todos." É um problema que não tem fim à vista. Os autores melindram-se, com razão, embora alguns já nem tenham energia para se aborrecer. Os que reagem nem sempre conseguem a reposição da verdade ou a reparação do mal feito. Quase sempre se perde tempo nestas ingratas andanças, muitas vezes os contactos com quem procedeu de forma errada, mesmo sem o saber, são desagradáveis. Acaba-se por ter de dar explicações legais que as pessoas não querem ouvir embora o senso comum pudesse bastar para se conduzirem de forma recta. nem assim as pessoas se convencem de que agiram de forma errada. Por fim em situações extremas, embora raras, acaba-se no tribunal.

“DESCOBRI QUE TEREI menos tempo para viver daqui pra frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicentemente, mas percebendo que faltavam poucas, passou a roer o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sortes.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não vou mais a workshops onde se ensina como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com propostas de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos parlamentares e regimentos internos. Não gosto de assembleias ordinárias em que as organizações procuram se proteger e se perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas. Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, para “tirar a limpo”. Detesto fazer acareações de desafetos que brigam pelo majestoso cargo de secretário do coral.

Já não tenho tempo para debater vírgulas, detalhes gramaticais sutis, ou as diferentes traduções da Bíblia. Não quero ficar explicando porque gosto da Nova Versão Internacional das Escrituras, só porque há um grupo que a considera herética. Gosto e ponto final! Lembrei-me de Mário de Andrade que afirmou: “As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos”. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.

Já não tenho tempo para ficar explicando se estou ou não perdendo a fé, porque admiro a poesia de Chico Buarque e de Vinícius de Moraes; a voz de Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis, de Thomas Mann, de Ernest Hemingway e de José Lins do Rego.

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”, não foge da sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja andar humildemente com Deus. Caminhar perto dessa pessoas nunca será perda de tempo.”

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