Oito argumentos contra Conan Osiris e Telemóveis



E aconteceu o previsto e anunciado: Conan Osiris venceu o Festival da Canção, mas a discussão não pára. Entretive-me, mas não muito, em algumas trocas de ideias sobre o fenómeno e aqui vos dou conhecimento dos argumentos mais comuns com que me deparei por parte daqueles que detestam Conan Osiris e a canção Telemóveis! Argumentos de peso.

1. A letra da canção é uma boa merda, não entendo nada, parece ter sido escrita por um puto de 10 anos.

O grande John Lennon escreveu uma canção intitulada Eu sou a morsa. Claro que estava sob o efeito de drogas. No video do Youtube, circula acompanhada de imagens extraídas do filme dos Beatles, onde estes aparecem vestidos de animais bem felpudos e de máscaras. Um pequeno excerto da letra para vossa elucidação: Creme de cor amarela/ Pingando dos olhos de um cachorro morto/ Crabalocker (intraduzível!) esposa de peixe/ Freiras pornográficas/ Ena, você foi uma miúda marota/deixou suas calcinhas caídas/ Eu sou o homem-ovo/ Eles são o homem-ovo/ Eu sou a morsa/ Boom boom trabaaalho.  Esta não conta: a culpa era do LSD. Certo. Dou-vos razão. E esta, já pode ser? Tu dizes sim, eu digo não/ Tu dizes para e eu digo vai vai vai, oh não/ Tu dizes adeus, e eu digo Olá/Olá Olá/ Eu não sei porque tu dizes adeus, eu digo /olá/Olá Olá/ Eu não sei porque tu dizs adeus, eu digo/olá.

No território da música pop podemos encontrar letras do mais elementar e simples ao mais hermético e complexo: é o vale tudo. Mais: as letras das canções não têm necessariamente de ser poemas ou conter poesia, e muitas não o são, nem no pop, nem no rock nem em muitos outros casos. Não é apenas porque as palavras surgem empilhadas umas em cima das outras que são um poemas ou poéticas. A ninguém lembrará dizer que Atirei o pau no gato/ mas o gato não morreu/dona chica adimirou-se/do berro, do berro que o gato deu/atirei o pau no gato/mas o gato não morreu/ dona chica adimirou-se/do berro, do berro que o gato deu/miauuu! é um poesia. A palavra poema deriva do verbo grego poein, que significa "fazer, criar, compor". O poema é uma composição. Coisa diferente é a poesia, que é uma estética, um sentimento. E também existem poemas em prosa, bem como poemas que aliam elementos visuais à linguagem verbal, nem todo o poema segue as regras da métrica ou rimas. E um poema ou um texto em prosa podem conter poesia ou não. É uma complicação? Sim e não. Diz Ricardo Reis:  "Um poema é a projecção de uma ideia em palavras através da emoção." Simplificando: existem diferenças entre um poema e uma letra de canção. Um poema pode viver de várias formas: da sua declamação, da sua construção gráfica no papel, em certos casos muito específica. O poema obedece ao ritmo musical das palavras. Uma letra de canção apresenta muitas vezes um refrão, versos repetidos que nos soam bem ao ouvido mas que, quando lidos, nos parecem, quase sempre excessivos. A letra da canção obedece à harmonia e à melodia. A discussão tem barbas. Vinicius de Morais não encontrava diferenças especiais entre poemas e letras, já Chico Buarque não gostava de ser apelidado de poeta.

Também me impressiona como é que tantas pessoas que até exibem licenciaturas e tudo o mais não conseguem destrinçar uma mensagem tão simples como a de Telemóveis, queixando-se de não entender. O que a mim me parece é que, como a letra  é simples dizem que não a entendem, se fosse complicada de entender, tinham entendido tudo, para mostrar sabedoria. São as mesmas que, ou também não entendem o conteúdo das letras das canções em inglês que ouvem no carro, e que adoram, ou entendem e aprovam. Ora,  muitas delas são meras banalidades, nem importa se um ponto acima se dois abaixo de Telemóveis. E outras incluem conteúdo explícito. Mas nada disso incomoda muito até ser português e ir ao Festival da Canção.

Nos anos 80 foi quando apareceu aquela infame etiqueta branca e preta do Parental Advisory Explicit Content chapada no plástico dos CD que comprávamos em discotecas. E nós, jovens, achámos uma indecência, uma forma de censura. A pop actual que mais trepa pelos tops está cheia de conteúdo explícito, havendo até versões explícitas e não explícitas para agradar a todos os gostos e servir todas as ocasiões. Isso a mim não me incomoda nada. Umas vezes aprovo, outras, em especial se a música for bera, não aprovo. Há uma apreciação a fazer, depende do todo -letra, música, artista -, caso a caso.  Mas a música não é só catarse, diversão, é também um elemento de socialização e temas como violência, drogas, álcool, sexo, estereótipos de todo o género vulgarizaram-se e são depois repetidas tanto por criancinhas de 8 anos - o que pode levantar algum busilis aos educadores - como por velhinhos de 88! Não sei se é uma normalidade anormal, ou uma anormalidade normal, fruto dos novos tempos.  

E são também cantadas por  adultos acriançados. Lembro-me perfeitamente de  passarem carros por mim na av. 25 de Abril, nas noites de verão, com o som a estourar pelas janelas e com os ocupantes a berrar desenfreadamente: "Girl, you got an ass like I never seen, ow / And the ride / I say the ride is so smooth, you must be a Limousine". Esta canção é Little Red Corvette, do Prince, e, obviamente, não é acerca de carros. Não estou a censurar o Prince, obviamente, que fique claro, ao relembrar esta história. Apenas estou a querer dizer que quem critica o Conan Osiris, é muitas vezes quem ouve e cantarola Prince, 50 Cent, Missy Elliot, a lista é longa, e que não se sente incomodado com isso, ou que vai para a discoteca dançar a Mafiosa que tem esta letra profunda e inspiradora: Eu 'tô bem/ Tu também 'tá bem/ Todo mundo aqui 'tá bem/ J'suis avec mon mec 'tá tudo bem/ Eu 'tô bem/ Tu também 'tá bem/Todo mundo aqui 'tá bem/ J'suis avec mon mec 'tá tudo bem/ É mafiosa, é mafiosa/ É mafiosa salto novo e bolsa nova/É mafiosa, é mafiosa/ Com a mafiosa não brinca com seu homem/ Então faz eu me apaixonar/ Vem comigo nesse samba/ Vamos ver se vai rolar, meu bem.

2. Tem nome de desenho animado, que raio de nome é aquele?

Pelos comentários que li, o pessoal só agora despertou, subitamente, para o universo ridículo de nomes caricatos de grupos e artistas da música pop e rock. Sem pensar muito lembro Meat Loaf -  rolo de carne; Frankie goes to Hollywood - O Frankie vai a Hollywood. Lady GagaAvicii. The who. Garbage? Ou Agir, filho de Paulo de Carvalho, que levou ao Festival da Canção a mais tarde célebre E depois do adeus, por ter sido o sinal escolhido para o arranque da revolução de 1974. Ora, Agir não quis seguir as clássicas pisadas do pai nem no estilo de música nem no que à escolha do nome artístico competia. Mas, lá está: não foi ao Festival da Canção e por isso ninguém fala nisso. E porque não recordar aquele tempo em que o mundo chamou Prince de "O Artista Antigamente Conhecido Como Prince"? Muito inconveniente, nem um acrónimo para facilitar a vida aos fãs e aos locutores de rádio! Mas Prince já era nesta altura um Deus da música e podia fazer tudo que as massas rendiam-se-lhe. Ah! Algumas das pessoas que criticam o nome disparatado de Conan Osiris dão nome de gente aos cães, e isso não é mesmo nada tonto.

3. A máscara e os artefactos de metal, a roupa esquisita, as sapatilhas, o bailarino,  é tudo muito esquisito.

O Conan parece uma avestruz, o Conan faz propaganda à cutelaria nacional e às sapatilhas Nike, o Conan Mãos de Tesoura, o Conan parece um tolinho, o bailarino parece epiléptico. David Bowie, Lady Gaga, Alice Cooper, Michael Jackson,  Marylin Manson, Prince, Iggy Pop, Madonna: nada esquisitos em palco, nada mesmo. Claro que todos se recordaram de António Variações, que à época só não suscitou tão rápida celeuma porque não havia internet. Nem sei como é que a malta se aguentava sem poder partilhar estes desabafos com o mundo! E os Blasted Mechanism que dizem "fazer música de seres de outro mundo"?  Imagina se tivessem convidado estes extraterrestres para o Festival da Canção! O que me parece é que as pessoas deixaram de ver o festival da Canção em 1980 porque, dizem, era uma grande seca, agora voltaram a ver e queriam que o Festival continuasse a ser igual ao que era em 1980. Foram os tempos da Dina, da Alexandra e do António Sala, da Lara Li, da Helena Isabel, do Duo Sarabanda...das cintilantes Doce!

Aqui vai um argumento de peso: a mudança, sim, tudo muda. Nos anos 80 todos recordamos o furor que fez a MTV(a Music Television)  e o Video killed the radio star. As estrelas da radio adaptaram-se mas a MTV, como eu a conheci, morreu. Era apenas videos e concertos, era música, todo o dia: era a televisão da música. E era o máximo. A MTV transformou-se,  inventou formatos, como o Unplugged, e quem é que ficou indiferente aos Nirvana? Vieram depois animações como Beavis, shows e mais shows, um dos que me agradou chamava-se Pimp my car, o que querem, curtia aquelas transformações excêntricas. Pouco depois seria o meu divórcio com a TV, que consumo agora a conta-gotas, mas os shows continuaram: hoje é Catfish, por exemplo. Para onde foram as estrelas da MTV, os videos? Foram parar ao Youtube, é aí que agora vamos para ver/ouvir/descobrir música,  e não à MTV. A MTV mudou porque se vendeu. Quis fazer dinheiro e os videos não eram negócio. A RTP apenas tem vindo a actualizar o figurino do Festival da Canção convidando compositores ditos "alternativos", possivelmente acompanhando as tendências internacionais e assim cativando novos públicos para um Festival que estava caduco. "O que foi não volta a ser/mesmo que muito se queira", lá cantam os Xutos e Pontapés.

4. Hoje qualquer um faz música com um computador e um software, queria ver era o que ele conseguia fazer com instrumentos a sério! 

Se é assim tão simples, avante, força, vai nessa. Experimenta. Não é o que apetece mesmo dizer? Aqui está o link para download. Agora faz. Até 2004 eu não sabia a diferença entre raster e desenho vetorial. Nunca tinha mexido num software de criação gráfica. Tudo o que até aí tinha feito dependia de papel e tintas. Decidi-me a aprender e depois até fiz um curso e estágios com designers. Mas antes disso comecei sozinha, no meu computador, com o software e a ajuda dos internautas. Os que mais apoio me deram, os mais pacientes e motivadores, nem foram os portugueses, foram os brasileiros: a nossa amizade perdura até hoje. Actualmente uso diversos softwares sem hesitações mas não faço nada de absolutamente genial com eles. Sou apenas competente. É difícil criar uma identidade própria, ser verdadeiramente original. Tanto uso pincéis e tintas acrílicas, o lápis tradicional e a borracha miolo de pão, como uso utilizo uma Wacom e Photoshop e papel digital, o que se traduz em grande economia e permite amplas experiências. Deixem-me contar-vos uma novidade velha: se não tivermos ideias,  imaginação, se não tivermos um plano  e um objectivo criativo, se não soubermos o que queremos criar, tanto faz ter as melhores marcas de tintas e pincéis ou o melhor PC e software do mundo: não faremos nada de especialmente bom. Se não existir motivação, se não formos persistentes, se não procurarmos fazer mais e melhor, se não houver entrega e trabalho, não sairemos da cepa torta. Para mim é simples: uns cozinham no fogão, outros na Bimby. O resultado é o que importa. Ainda não vi ninguém a recusar comer quando alguém diz que fez o Bolo de Chocolate e Vinho do Porto Super Fofo e Húmido na Bimby e não no fogão ou no forno eléctrico. O que importa é o sabor. 

5. Não sabe falar português correcto e diz asneiras! 

O drama, a tragédia, o horror! Não nego que também fiquei horrorizada com a oralidade do rapaz, até já aqui escrevi sobre isso. (Compreendam: nem toda a gente é como eu. Há uns tempos disse a um homem: "Gosto da tua voz e da forma como pronuncias as palavras. Consigo ouvir todas as sílabas." Ele deve ter pensado que era a pior frase de engate que já ouvira até à data! Mas depois de me conhecer melhor ficou a saber que tenho uma especial afeição pelas palavras.) Depois ouvi mais entrevistas, e uma Tedtalk, e, surpresa, o Conan Osiris  fala mesmo português sem bués, imaginem só a normalidade do rapaz! É uma pena desapontar-vos, mas o Conan, quando quer e é mesmo necessário, fala português escorreito. Já muitos que vi criticarem este aspecto não escreviam português escorreito mas exigir dos outros é sempre fácil. Dizer que o Conan é o Ronaldo das canções porque tem um par de bolas douradas na cara, não tem sentido, mas é só para lembrar que falar bem ou mal não define de forma acabada uma pessoa nem aquilo que ela é capaz de fazer. Sim, usa calão nas suas letras e jogos fonéticos. E depois? É alguma novidade? Já se esqueceram do Pedro Abrunhosa, E eu e tu o que é que temos que Fazer?  

6. A canção não presta para nada, até tenho vergonha que represente Portugal

A grande maioria das pessoas que critica o Conan está muito preocupada com o que "lá fora" vão pensar da letra e da música de Telemóveis, e sente-se envergonhadíssima por Telemóveis ir representar Portugal na Eurovisão. Acalmem-se. O ano passado ficamos em último lugar na competição. Se acontecer igual, já estamos habituados. Tudo o que for melhor do que isso já é bom. Ah, existe ainda a hipótese de Conan ser afastado na eliminatória. (Mas as sondagens projectam um lugar entre os 10 primeiros, por isso, haters, desistam.)

Para vosso consolo, informo que alguns  islandeses são capazes de se sentir um pouco mais divididos! Os representantes da Islândia no Festival da Eurovisão são os Hatari, são uma banda tecno-punk BDSM (bondage, disciplina, sadismo e masoquismo).  É que nem a popularidade dos livros e filmes "50 sombras de cinza", retrirou ao BDSM a sua carga polémica e além disso os Hatari já mandaram recado político: "É realmente absurdo permitir que um Estado que viole repetidamente os direitos humanos participe de tal Festival, seja um Estado chamado Israel, Rússia, Qatar ou qualquer outra coisa", disse a banda na entrevista. “Se o concorrente da Islândia não usar a sua influência para apontar o óbvio, o absurdo de brincar e dançar ao mesmo tempo que milhões vivem a poucos quilômetros de distância com liberdade reduzida e constante incerteza sobre seu próprio bem-estar e segurança, então falhámos. Se o concorrente da Islândia ignorar o facto de que a competição é inerentemente política, ele pouco faz para realçar a necessidade de uma discussão crítica sobre Israel ”. Os Hatari cantam sobre a infinita ressaca, a vida sem sentido, o vazio que nos engolirá, o desmoronamento da Europa. O ódio prevalecerá, cantam eles, a felicidade chegará ao fim, é uma ilusão, um sonho traiçoeiro.



Muitos dizem que a canção não presta, que o Conan desafina, - recomenda-se um aparelho da Sonotone - e que a canção é um aborto musical. São uma vasta elite que não percebe patavina de música mas que está absolutamente convencida que sim.  Outros percebem alguma coisa de música,  dizem ter um gosto musical educado, isto é, porque ouvem música consensualmente aceite como excelente e apenas essa, seja ela qual for. Cresceram dentro desse canteiro musical, logo, asseguram saber distinguir o trigo do joio. Conan é joio. Outros têm estudos musicais e uma mente mais disponível para as diversas linguagens musicais, e analisam a cena de fio a pavio. Leio  o que estes últimos escrevem e é como se fosse chinês, pois não sei nada de música: teriam de me trocar tudo o que li em miúdos, como se eu fosse muito burra. Por exemplo, Luis Neto da Costa, licenciou-se em Composição pela Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, com interesses como programação musical, música electroacústica, improvisação e exploração de novos instrumentos. No âmbito da direcção, trabalhou com alguns maestros do meio musical português. Escreveu assim sobre Telemóveis: "A escala é a de mi menor e o mi, a tónica, só vem numa parte final. Curiosamente, é também a parte em que a frase tem sentido ascendente. No geral, as frases melódicas têm sentido descendente e com paragens no 4º grau melódico, o que reforça a sua peculiaridade. E isto para não falar nos timbres microtonais que parecem o gamelão, a necessidade de chorus/refrão ser atípicamente substituída por um loop instrumental, e o ecletismo da voz e dos sons. Não estou a dizer que é a melhor canção do mundo e claramente está muito aquém dos compositores que referi, mas tem coisas bem feitas."  Socorri-me desta opinião informada apenas para vos tranquilizar de algum modo: não vale a pena andarem por aí com vergonha do Conan. Mas se nem assim conseguirem sair desse estado, só posso dizer que, com tanto político corrupto a envergonhar-nos e a este país diariamente, já deviam estar habituados!

7. O Conan não passa de um imitador do António Variações mas não lhe chega aos calcanhares.

Não sei de onde vem esta ideia de que músicos e pintores, ou outros artistas, querem imitar A ou B, grandes nomes na sua arte. Ninguém quer imitar ninguém, a não ser que sejam o Fernando Pereira ou o Luis Franco-Bastos ou que estejam a participar em algum concurso televisivo de talentos de imitação. O que acontece frequentes vezes é que os artistas sejam influenciados por este ou aquele artista, ou sejam por eles inspirados, não raro nutrindo por eles confessada admiração. Ora, nem o Conan concorreu ao Chuva de Estrelas nem admitiu ter sido influenciado pelo Variações ao enumerar muitos dos géneros musicais e artistas que prefere.  É verdade que existem pontos de contacto entre os dois na voz e no visual diferente, mas outros artistas têm um voz semelhante à deles e visuais igualmente excêntricos. Diz quem sabe, no caso, Vitor Rua, (dos GNR) que trabalhou com António Variações, que o fenómeno dos anos 80 não fez nada sozinho e que só foi possível singrar porque a editora chamou músicos dos GNR, dos Salada de Frutas e dos Heróis do Mar para trabalharem o material de base. Variações não entendia nada de música, não tinha a noção do ritmo, desafinava bastante pelo que era preciso gravar muitas vezes e depois selecionar as partes que estavam melhor para conseguir obter a gravação perfeita. Não se trata aqui de diminuir Variações, não seria isso que Vitor Rua pretendia com estas afirmações, mas apenas de fazer justiça porque, tal como eu, via muita gente a endeusar Variações para diminuir Conan Osiris. Um teve o apoio dos melhores músicos do seu tempo, o outro fez tudo sozinho, são percursos muito diferentes e resultados diferentes. No que mais se assemelham é na recepção que o público fez a cada um no seu tempo, divididos entre amor e ódio.

8. Aquilo não é arte! O "artista" nem a ele mesmo se compreende e quer que a gente faça sentido da merda que faz!

Nem todos os livros nem todos os filmes nem todas as canções são arte. Por vezes são apenas bons filmes, livros, canções. Não sei quem é que pode andar à procura de arte no Festival da Canção,  nunca tal me passaria pela cabeça. No entanto li várias pessoas a apontar o dedo à canção vencedora: aquilo não é arte! Aquilo não é arte! O conceito do que seja "arte" é tão discutível que ficaria aqui horas a debitar sobre o mesmo. 

Lamento desapontar os que estão felizes a enxovalhar o "artista", mas o  EP Silk, de Conan Osiris,  - já ouviram? - parece dar a conhecer um criador musical que sabe o que anda a fazer, e não, como também li, "um gajo que anda a gozar com todos nós, que nem a ele mesmo se compreende, e quer que a gente faça sentido da merda que faz." E não, claro que não temos de gostar nem de Telemóveis nem das mais extraordinárias criações do espírito humano: temos esse direito e essa liberdade. E temos também todo o direito à nossa opinião por mais apressada,  mal fundada, ridícula, ignorante e preconceituosa. Assim é que muitas pessoas assinam, com todas as letras, e de forma orgulhosa,  os seus comentários na internet acerca de Conan e Telemóveis. Têm esse direito assim como o Conan tem o direito de ganhar o Festival com a sua cançãozinha, que, talvez não seja uma obra de arte, mas que também não será um lixo total.

Para muitos portugueses ser Conan Osiris não chega. Sentem-se envergonhados por ele, mas calhando veneram, elogiam e desculpam os artistas estrangeiros de quem escutam amiúde as letras da treta, enroupadas em extravagâncias várias, vestidos de tshirts estampadas com os respectivos nomes que não lembram nem ao diabo. A Conan, todavia, exigem que escreva como Fernando Pessoa, que componha como Mozart, que se vista como o filho da Princesa Diana, e, já agora, que seja também eloquente como Cícero. Homessa! Conan leva o nome de Osiris, sim,  mas não é nenhum deus! Pessoas, relaxem: é apenas o Festival da Canção, um espectáculo de canções e acrobacias diversas, na sua maioria perfeitamente olvidáveis no dia seguinte,  e não o julgamento das almas.



Actuação de Conan Osiris no Programa de Cristina Ferreira. 
Veja a partir dos 15 minutos e 30 segundos no video.


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