Notas sobre atletas trans e intersexo, testes e polémicas nas competições desportivas de elite


Foi perante a tailandesa Janjaem Suwannepheng, nas meias-finais da categoria dos -66 kg, que Imane Khelif se qualificou esta terça-feira para a final de pugilismo feminino nos Jogos Olímpicos de Paris. A pugilista argelina cujo direito a competir tem sido questionado acaba de vencer Suwannephenge e disputará o ouro na próxima sexta-feira. Desde que  o seu combate com a atleta italiana tenho feito várias leituras para perceber  esta realidade que desconhecia quase completamente embora me lembrasse muito vagamente do nome Semenya e de uma polémica desportiva associada. É um assunto que vem de longe e de grande complexidade.  

Este excerto é adaptado da Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Na primeira edição dos Jogos Olímpicos em 1896, em Atenas, na Grécia, as mulheres não participaram, pois o Barão Pierre de Coubertin entendia que as mulheres não tinham capacidade física para tal. Desde os Jogos de Berlim em 1936,  que  suspeitas de "feminilidade duvidosa" eram levantadas e objecto de polémicas. (Nota de uma leitura minha: nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, Hermann Ratjen, membro da Juventude Hitleriana, entrou na competição feminina do salto em altura como "Dora Ratjen", substituindo uma atleta judia banida por questões ideológicas e ficou em quarto lugar nas finais). A genitália das atletas eram fotografadas, algumas fotos vieram a público transtornando por completo a sua vida. Nos anos 1960,  espectadores começaram a colocar em causa o que viam na TV, dizendo que homens se faziam passar por mulheres ao verem soviéticas e alemãs ganhar medalhas. Em 1966, os testes de feminilidade foram introduzidos durante a reunião do COI: atletas femininas despiam-se e eram submetidas a exames ginecológicos. Em 1968 o COI introduziu o teste de feminilidade nos Jogos Olímpicos do México ( sangue ou saliva) para saber se cada competidora possuía os dois XX através dos cromossomas. Durariam 8 edições. Muitas temiam não passar no teste e de terem essa descoberta mostrada na TV ou nos jormais. Elas seriam chamadas homens e isso arrasaria a sua vida tanto pessoal, como desportiva. Os testes foram perdendo credibilidade sendo abolidos no ano 2000, em Sydney, realizando-se apenas excepcionalmente. 

"O movimento deu força à emergência dos estados interssexuais que se referem, de forma geral, a corpos de crianças nascidas com a genitália externa e/ou interna nem claramente feminina, nem claramente masculina (CHILAND, 2008). De acordo com a literatura médica, essas pessoas podem ser divididas em quatro grupos principais:
. pseudo-hermafroditismo feminino (o bebé possui ovário, o sexo cromossómico é 46 XX, a genitália interna é feminina, mas a genitália externa é ambígua);
- pseudo-hermafroditismo masculino (a criança possui testículos, cariótipo 46 XY, mas a genitália externa é feminina ou  ambígua);
- disgenesia gonadal mista (o bebê nasce com gónadas disgenéticas);
- hermafroditismo verdadeiro (crianças que possuem tecido ovariano e testículos na mesma gónada ou separadamente) (ARAN, 2006). As pesquisas demonstraram que o cromossomo Y podia ser observado em pessoas portadoras de órgãos sexuais femininos. Muitos casos foram observados tais como XXX, XXY, XYY acompanhados ou não de anomalias genitais (HILAIRE, 2000)."

Procurei algumas referências nesta matéria e encontrei Joanna Harper que é uma especialista nos efeitos da terapia hormonal no desempenho atlético. (Nota: Joanna é trans, Imane Khelif não é trans.) Ela trabalha em Portland, Oregon e correu uma maratona como "um jovem homem" e ganhou seis títulos nacionais de faixa etária como "mulher". Em 2004, Joanna começou a terapia hormonal para iniciar sua transição de género físico para mulher. Em poucas semanas ela sentia que estava a correr mais devagar. Após nove meses de terapia, ela estava 12% mais lenta do que antes." Ingenuamente eu pensei que isso significaria que eu seria aceite na corrida de longa distância feminina", - pensou. Esse não foi o caso. Poucos na comunidade de corrida lhe disseram abertamente o que pensavam, mas Joanna sabia.  Muitas mulheres pensavam que ela ainda tinha uma vantagem por causa de sua fisiologia masculina anteriorEla começou a procurar atletas trans que fizeram transição de homem para mulher e conseguiu reunir dados de desempenho de oito corredores de longa distância antes e depois da transição. Em 2015, Joanna publicou o primeiro estudo revisto por pares sobre atletas transgenero: descobriu que mulheres trans que faziam terapia hormonal para reduzir os níveis de testosterona não tinham vantagem em corridas de longa distância em comparação com atletas nascidas como mulheres. " No entanto, estamos no início desses estudos. Na verdade, levaremos cerca de 20 anos para termos dados precisos sobre mulheres trans no desporto de elite.", disse ainda.

Em 2019, Joanna aconselhou o Comité Olímpico Internacional sobre o que fazer dali em diante. "É preciso haver um critério de elegibilidade apropriado para cada desporto. O nível mais baixo de testosterona para homens ainda está quatro vezes acima do nível maior das mulheres", diz Joanna. "A elegibilidade deve incluir biomarcadores para separar os atletas. "Um biomarcador poderia ser o nível de testosterona. Em vez de se dividir em categorias binárias masculinas e femininas, podia haver uma divisão de níveis de testosterona." Em tese, isso permitiria incluir atletas intersexuais, - como a velocista de meia distância sul-africana Caster Semenya, - que têm níveis naturalmente elevados de testosterona. Note-se que a World Athletics, orgão responsável no atletismo, decidiu que "para garantir uma competição justa, mulheres com altos níveis naturais de testosterona devem tomar medicamentos para reduzi-los para competir em corridas de meia distância".

Estas notas também são retiradas de um texto de Joanne Harper e referem ocaso dos atletas intersexo, que alguns acreditam ser o caso de Imane Khelif embora não haja quaisquer indicações sobre isso disponíveis online, apenas especulações. Essas pessoas possuem características físicas de ambos os géneros ou traços fisionómicos ambíguos. 

Pessoas intersexo já foram chamadas de hermafroditas, mas esse termo agora é considerado pejorativo. O termo DSD (Diferenças de Desenvolvimento Sexual) é frequentemente usado para descrever condições intersexo. Pessoas intersexo recebem um género ao nascer quando um médico olha e diz se é  menino ou menina. As crianças intersexo podem continuar a viver com o género atribuído ao nascer por longos anos e mais tarde podem desejar fazer uma mudança de género.

Existem dois DSDs com impacto significativo no deporto feminino, um é a Síndrome de Insensibilidade Androgénica, ou AIS, outro é a 5-ARD. Quer num quer noutro, os bebés nascem com o cromossoma Y normalmente associado à masculinidade, mas com mutações que frequentemente os levam a ser designados como do género feminino. Apesar das aparências externas, no entanto, pessoas com qualquer um desses DSDs não desenvolverão órgãos femininos internos devido à influência do cromossoma Y. Em vez disso, suas gonadas se desenvolverão como testículos, e podem ou não formar outros órgãos masculinos internos.

Pessoas com AIS têm uma mutação que impede que a testosterona (T) seja absorvida pelo corpo; portanto, haverá bastante T no sangue, mas praticamente nenhuma em outras células. Aqueles com AIS geralmente parecem-se com qualquer outra mulher por fora. Como não há absorção de T no corpo, qualquer vantagem atlética que eles possam ter sobre outras mulheres é muito pequena.

Aqueles que nascem com 5-ARD têm uma mutação que impede a criação de di-hidrotestosterona, ou DHT, no corpo. DHT é um andrógeno poderoso que desencadeia a formação da genitália masculina. Os bebes 5-ARD são frequentemente designados do género feminino. Ao contrário das pessoas AIS, no entanto, aqueles com 5-ARD são afectados pelo T em seu sistema e se tornam muito mais masculinos na puberdade. Isso pode dar-lhes uma vantagem atlética.

A primeira atleta intersexo foi Stella Walsh, ela ganhou ouro nos 100 metros em 1932 e quatro anos uma de prata. Não se sabia que Walsh era intersexo até depois de sua morte em 1980. A preocupação com atletas intersexuais e também a possibilidade de que homens pudessem passar-se por mulheres levou aos testes de género no atletismo. De 1968 até à década de 1990, todas as mulheres em competições internacionais eram testadas para garantir que tinham dois cromossomas X. As que não tinham eram banidas.  María José Martínez-Patiño foi uma corredora de barreiras espanhola nos anos oitenta. (Aconselho a leitura da sua história aqui relatada. Quando descobriu que tinha um cromossoma Y, decidiu desafiar as regras estabelecidas. A equipe médica que acompanhou o caso insistiu pela inclusão dela como atleta com variação intersexual. Eles defenderam que a única coisa que diferenciaria as atletas com variação intersexual seria a testosterona. Ao mesmo tempo em que derrubaram, entre aspas, os testes de verificação de género, eles começaram a afirmar com muita clareza que era a testosterona que realmente provocaria a necessidade de separar essas atletas. ) "Ela sabia que era uma mulher e que merecia poder competir como uma. Ela encontrou aliados médicos e cientistas que convenceram as federações desportivas de que seu AIS não representava nenhuma ameaça a outros competidores, embora infelizmente tarde demais para ela competir nas Olimpíadas: até provar que tinha razão passaram 10 anos.) 

Após o caso Patino, - um exemplo de que o que separa os homens das mulheres não se resume a um Y -a IAAF e o COI descontinuaram os testes de género baseados em cromossomas, apenas em suspeitas muito fortes se faziam.

Um outro caso importante é o de Caster Semenya, que em 2009, com 18 anos, vence a corrida de 800 metros no Campeonato Mundial por uma margem enorme de 2,45 segundos. Houve rumores de que seus níveis de T estavam altos e que a IAAF queria que ela passasse por uma gonadectomia para remover seus testículos. Houve rumores de que ela recusou a cirurgia, mas concordou com meios químicos para reduzir seu T para níveis femininos. Ela voltou a correr um ano depois,  ganhando medalhas de prata no Mundial de 2011 e nas Olimpíadas de 2012.

( Uma nota à margem do texto: outro caso marcante é o de Dutee Chand (ler aqui a sua história) que viu ser-lhe diagnosticado hiperandroginismo. Ela aspirava a disputar Olimpíadas e tinha sido selecionada para os Jogos da Commonwealth, quando foi retirada da equipa. Aparentemente, um dirigente ou competidor do Campeonato Asiático Júnior de Atletismo, onde Chand ganhou duas medalhas de ouro, solicitou que ela fosse submetida a um exame. Chand Dutee Chand recorreu, em 2015, para o Tribunal Arbitral du Sport (TAS) invocando que os regulamentos da IAAF relativos ao hiperandroginismo eram inválidos por: (i) serem discriminatórios em razão de uma característica natural e em razão do sexo; (ii) o critério utilizado (baseado nos valores de testosterona) não tem fundamento científico; (ii) a existência de desproporcionalidade na referida distinção entre atletas femininas e atletas masculinos. O Tribunal decidiu que a IAAF caberia, no prazo de dois anos, provar cientificamente que a distinção entre o sexo masculino e o sexo feminino com base na existência de um hiperandroginismo e no correspondente aumento de testosterona gerava uma efectiva desigualdade entre competidores. Decorrido este prazo, o TAS decidiria a título definitivo; até esta data a atleta pode, porém, competir num âmbito nacional e internacional. Ela competiu nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e foi sétima na sua série nos 100m.)

A IAAF -Associação Internacional de Federações de Atletismo, hoje, World Athlethics, e o COI decidiram então usar a testosterona funcional como factor decisivo para determinar a elegibilidade para o desporto feminino (a IAAF adotou essas regras em 2011 ; o COI as adotou em 2012 ). Qualquer mulher cujo T fosse muito alto teria que diminuí-lo (por cirurgia ou medicamentos) se quisesse continuar a competir na divisão feminina. Como o T no sangue de mulheres AIS não é funcional, elas podem competir sem problemas.

A faixa normal de T para homens é de 10-35 nmol/L (nanomole por litro), com uma média na casa dos vinte, e para mulheres é de 0,35-2,0 nmol/L, com uma média de cerca de 1,5. A IAAF escolheu definir o nível máximo para mulheres no mínimo nominal masculino de 10 nmol/L.

Exames de sangue são necessários para determinar os níveis absolutos de T, e a IAAF determinou que todas as atletas devem ser submetidos a exames de sangue como parte do Campeonato Mundial bienal. Além disso, qualquer atleta pode ser submetido a exames de sangue, a qualquer momento, como parte do sistema de passaporte biológico projetado para despistar doping.

A IAAF fez cinco investigações baseadas em género entre 2006 e 2011. Desde 2011, pelo menos 18 mulheres foram encontradas com T acima de 10 nmol/L. Seis desses casos foram relacionados a medicamentos. Oito das outras têm um DSD, das quais quatro têm 5-ARD : estes quatro foram aconselhados a passar por uma gonadectomia e foram informados de que poderiam continuar a competir após a cirurgia. 

Antes da cirurgia, o nível médio de T dos quatro com 5-ARD era de cerca de 21 nmol/L, apenas um pouco abaixo da média masculina e bem acima do limite exigido pela IAAF para competidoras femininas. Após uma gonadectomia típica, o nível médio de T é quase exatamente um, o que é abaixo do de uma mulher média. Essa redução de velocidade transformaria um atleta de classe mundial em um atleta decente de calibre nacional. Se um atleta optasse por reduzir seu T quimicamente, ele poderia ficar um pouco abaixo de 10 nmol/L, o limite da IAAF. A perda de velocidade seria marcadamente menor. A tentação de se dopar para recuperar suas carreiras seria muito forte para quem tivesse feito a cirurgia.

Mas as opiniões dos especialistas dividem-se sobre o uso da testosterona para excluir ou admitir atletas

Dr. Bekker, Prize Fellow no Departamento de Saúde da Universidade de Montreal diz que "Os níveis de testosterona no sangue variam naturalmente em homens e mulheres, com sobreposição particular entre atletas de elite do atletismo. Associações diretas – causais - entre níveis de testosterona e conquista de medalhas não podem ser determinadas. Provar a sensibilidade androgénica em atletas "também é problemático, já que testes laboratoriais reprodutíveis e válidos para detectar a sensibilidade androgénica não existem. A falta de dados científicos reprodutíveis sobre o efeito da testosterona na velocidade durante eventos de atletismo representa um desafio adicional.

Não há ligação direta entre os níveis de testosterona e o desempenho atlético, escreveram Cara Tannenbaum, professora da Universidade de Montreal, e Sheree Bekker, pesquisadora da Universidade de Bath: “Essa percepção mítica da testosterona como o elixir do desempenho… não é apoiada pela ciência”.

Em abril de 2018, a Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF) decidiu que atletas intersexuais femininas que competem em corridas de 400 m a 1,6 km devem manter seus níveis de testosterona abaixo de um certo nível por pelo menos seis meses. A campeã olímpica dos 800m, Semenya, entrou com uma contestação legal à restrição. Alguns rivais diziam que o hiperandroginismo da jovem de 28 anos lhe dá uma vantagem injusta. A condição, também conhecida como Diferença de Desenvolvimento Sexual (DSD), é caracterizada por níveis mais altos do que o normal de testosterona, uma hormona que aumenta a massa muscular, a força e a hemoglobina, o que afecta a resistência. A mulher média tem níveis de testosterona muito mais baixos do que o homem médio, mas há estudos que dizem haver uma sobreposição no desporto de elite.

A propósito da desqualificação de Dutee Chand e da política de hiperandrogenismo, uma carta escrita ao Conselho da Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF), por atletas olímpicos, atletas de elite, defensores dos direitos humanos, representantes intersexuais, executivos de fundações esportivas femininas, geneticistas médicos, endocrinologistas clínicos, bioeticistas, especialistas em medicina esportiva e cientistas sociais dedicados à imparcialidade e justiça social, permite compreender que o recurso à medição de testosterona é tudo menos sum método consensual. Eles estão contra a " política de hiperandroginismo da Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF) para atletas femininas de elite." Afirmam que mulheres com hiperandroginismo “não têm mais vantagem competitiva do que outros atletas de elite com características genéticas favoráveis”. Rejeitam a alegação de que níveis mais altos de testosterona resultam diretamente em melhor desempenho por ausência de  evidências científicas claras . Por outro lado, a política exige que mulheres sem nenhuma queixa de saúde anterior passem por intervenções médicas e cirúrgicas invasivas para reduzir seus níveis de testosterona dentro de limites permitidos para continuar suas carreiras, medicamente desnecessárias e prejudiciais a curto e longo prazo, podem comprometer a força óssea e muscular e causar fraqueza crônica, depressão, distúrbios do sono, baixa libido, diabetes e fadiga. A cirurgia, que é irreversível, necessita de reposição hormonal vitalícia e também pode tornar as mulheres estéreis. A política e sua justificativa declarada são anticientíficas, antiéticas e injustas e podem levar a danos físicos, psicológicos e sociais de longo prazo para atletas mulheres.

Cientistas, autoridades desportivas e defensores desportivos sugeriram que a questão central não é se mulheres com testosterona alta realmente têm vantagem injusta, mas se as outras atletas femininas acreditam que aquelas têm tais vantagens.  A regra é legítima se refletir a vontade dessa comunidade mesmo que essa vontade seja baseada em preconceito, imprecisões científicas e informações falsas.  Portanto, apelamos à IAAF, ao COI e a outras organizações esportivas internacionais e nacionais para aproveitar esta oportunidade para educar os atletas sobre a diversidade biológica natural de características relacionadas ao sexo, colocando especificamente essa diversidade em um contexto mais amplo da gama de fatores que contribuem para o atletismo."

Também a Associação Médica Mundial recomendou que médicos de todo o mundo não seguissem os regulamentos, pois eles violam a ética médica.

No entanto, a IAAF também teve vários cientistas apoiando sua causa. Em algumas condições intersexuais, as mulheres "obtêm praticamente todas as vantagens masculinas quando passam pela puberdade", disse Joanna Harper, especialista em atletas transgéneros.

Um estudo de 2017 com atletas olímpicas suecas, realizado por Angelica Linden Hirschberg, professora de obstetrícia e ginecologia que também apoiou a IAAF, descobriu que níveis mais altos de testosterona natural estavam correlacionados a um melhor desempenho atlético.

Em 2021, um estudo da Universidade de Loughborough, na Grã-Bretanha, descobriu que a terapia hormonal diminuiu a força, a massa corporal magra e a área muscular em mulheres trans após 12 meses, mas os níveis gerais ainda permaneceram mais altos do que em mulheres não trans após três anos.

Um estudo financiado pelo COI declarou que mulheres trans estavam em desvantagem física em comparação com mulheres nascidas mulheres em diversas áreas, incluindo a função pulmonar.

Das leituras feitas, destas e de outras cujos links não guardei, fiquei com a impressão de que este território ainda apresenta muito espaço para questionamentos. Houve uma clara evolução no sentido da inclusão e do respeito pelas características individuais originárias, por exemplo, de acordo com as directrizes do COI, aprovadas em 2003, "os atletas MtF e FtM (que transitaram de masculino para feminino e de feminino para masculino) eram obrigados a ter efectuado a cirurgia de redesignação seguida de, pelo menos, dois anos de terapia hormonal, a fim de serem elegíveis para competir. A partir de 2015 a cirurgia deixou de ser necessária para atletas FtM. Já os atletas MtF terão de demonstrar que o nível de testosterona está abaixo de um certo ponto, pelo menos um ano antes da primeira competição." O COI disse que "É necessário garantir, na medida do possível, que os atletas trans não são excluídos da oportunidade de participar de uma competição desportiva. O objectivo primordial é desportivo e continua a ser a garantia de uma concorrência leal. " As directrizes foram aprovadas depois de uma reunião realizada em Novembro de 2015, em Lausanne, na Suíça, entre funcionários olímpicos e especialistas médicos. 

Fiquei com a ideia de que os testes de testosterona são um método imperfeito e que ainda não há evidências científicas que permitam produzir um quadro de certeza que garanta a presença a todas as atletas em competição sem que se suscitem polémicas que depois poderão ser mais ou menos aproveitadas por grupos sociais diversos e suas agendas. A organizações devem, assim, minimizar esse risco e zelar para que as atletas sejam correctamente admitidas às competições, de acordo com regulamentos e procedimentos claros, preservando a sua integridade quer como pessoas quer como atletas. As polémicas têm impactos negativos na vida das atletas, não é um caso novo, a história repete-se. A divulgação ou suspeita destas condições motivou, no passado, enormes prejuízos para as desportistas. O caso Patino, mostra o que sucedeu a uma mulher com uma mutação genéticas e que não tem culpa nenhuma de a ter, que teve um crescimento 100% feminino apesar de ter sido dotada pela natureza de um determinado gene XY. Disseram-lhe para se retirar, fingir uma lesão e deixar o desporto. No processo ela perdeu a possibilidade de fazer estudos, perdeu dinheiro, recordes, ninguém pensa no transtorno que estas pessoas sofrem.“ Nos anos 1980, os atletas não tinha apoio da federação, nem dos políticos. Tudo o que conseguiu ela teve de pagar, pediu dinheiro emprestado para médicos, viagens, ajudas, para mostrar que se tinham enganado sobre ela. Mas na Índia, Santhi Soundarajan, uma rapariga que foi medalha de prata nos Jogos Asiáticos, tentou suicidar-se.

"Que necessidade havia de a Federação de Atletismo da Índia ter notificado os meios de comunicação que uma atleta sua tinha os níveis de testosterona elevados? Não sabem que a maioria das pessoas nem sabe o que é testosterona? Só olham para aquela rapariga como um rapaz. Só sabem que os cromossomas XY pertencem aos rapazes, nada mais. Não percebem que pode haver uma mutação, que esses níveis andrógenos podem ser não funcionais. Não percebem que ela não tem culpa e que a natureza é diversa. Não. Só vêem que é um homem disfarçado de mulher. E isto tem implicações na sua vida pessoal, quando quiser ter uma relação, ser feliz. Vai ser muito complicado. Todos os seres humanos merecem ser felizes e o desporto, com as suas regras, não pode fazer nenhuma mulher infeliz. Temos a obrigação de fazer as coisas bem. Acredito é que não será necessário fazer testes a todas as desportistas. O futuro passa por fazer testes a medalhados e finalistas. Uma rapariga que fica em 38.º na maratona, a alguém interessa os níveis de testosterona? A ela própria, à sua família. Porquê correr o risco de esse teste ser conhecido no mundo. É muito fácil que essas coisas se saibam. É muito difícil guardar um segredo, ainda mais no desporto."
Mais recentemente, em Novembro de 2021, o Comité Olímpico Internacional, que supervisiona os Jogos Olímpicos, não tem regras ou regulamentos específicos sobre a participação de  trans ou intersexo na competição. Em vez disso, inclui 10 princípios orientadores. O órgão regulador também declara que “cada federação internacional é responsável por definir regras de elegibilidade para seu desporto, incluindo os critérios de elegibilidade que determinam a qualificação para os Jogos Olímpicos”. O COI ofereceu uma estrutura para balizar a actuação das federações na abordagem da questão, que estipula que, a menos que evidências revisadas por pares determinem o contrário, “os atletas não devem ser considerados como tendo uma vantagem competitiva injusta ou desproporcional devido às suas variações de sexo, aparência física , e/ou status de transgénero.

O Comité Olímpico Internacional (COI) pediu às federações desportivas que estabelecessem os seus próprios critérios para permitir às pessoas trans e intersexo competir em alta competição e diversos órgãos oficiais atualizaram suas políticas, principalmente em relação às mulheres trans. Pelo menos 10 desportos olímpicos restringiram a participação de atletas trans em categorias femininas.

A World Rowing emitiu uma proibição quase total à participação de mulheres trans em categorias femininas, enquanto o Conselho Mundial de Boxe não permite que nenhum atleta trans participe.

Os órgãos mundiais de atletismo , ciclismo , natação , rúgbi e críquete proibiram mulheres trans de competir em categorias femininas se elas passaram pela puberdade antes de iniciar a transição. As diretrizes exigem que mulheres transgénero tenham feito a transição antes dos 12 anos para serem elegíveis para a categoria feminina, para evitar qualquer potencial vantagem biológica da  puberdade masculina. 

Os órgãos reguladores do triatlo , tênis e arco e flecha exigem que os níveis de testosterona sejam suprimidos dentro de um limite especificado.

Outros órgãos esportivos, como a Federação Mundial de Badminton , disseram que considerarão atletas trans caso a caso, enquanto a FIFA, órgão regulador do futebol mundial, anunciou em 2022 que sua política seria revista.

A Federação Internacional de Natação (FINA) tem um critério de elegibilidade para as provas femininas que abriu uma espécie de precedente: no caso de atletas trans, apenas poderia participar quem “não experienciou qualquer parte da puberdade masculina para lá da fase 2 de Tanner (uma escala científica para aferir a maturação sexual e desenvolvimento corporal) ou antes dos 12 anos de idade. Não tem carácter vinculativo mas os organismos podem aplicar, se quiserem. 

Por cá, interessados já a consideraram uma discriminação com base no preconceito por estar em causa uma violação do direito à igualdade e também em virtude da existente proibição da discriminação em razão da identidade de género, e ainda do sexo, uma vez que estas limitações não se aplicam no âmbito da competição masculina onde homens com mais ou menos testosterona competem lado a lado. Temem que possa ter como consequência que os desportos não federados e que não são de alta competição criem regras semelhantes ou mesmo o desporto escolar. Recentemente, na natação, a nadadora transgénero norte-americana Lia Thomas, de 22 anos, que nasceu homem, tornou-se em 2022 na primeira nadadora transgénero a ganhar um título nacional universitário nos EUA, não escapou a forte polémica e é claro que a desaprovação por ter nadado lado a lado com mulheres biológicas tinha se acompanhar a vitória. A primeira atleta trans a ganhar um título da National Collegiate Athletics Association (NCAA) em 2022, perdeu uma batalha judicial contra a World Aquatics em junho, depois que sua política atualizada a excluiu de competir nas Olimpíadas.

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