A menina avoada - Manoel de Barros

A menina avoada

Manoel de Barros


Foi na fazenda de meu pai antigamente

Eu teria dois anos; meu irmão, nove.


Meu irmão pregava no caixote

duas rodas de lata de goiabada.

A gente ia viajar.


As rodas ficavam cambaias debaixo do caixote:

Uma olhava para a outra.

Na hora de caminhar

as rodas se abriam para o lado de fora.

De forma que o carro se arrastava no chão.

Eu ia pousada dentro do caixote

com as perninhas encolhidas.

Imitava estar viajando.


Meu irmão puxava o caixote

por uma corda de embira.

Mas o carro era diz-que puxado por dois bois.


Eu comandava os bois:

- Puxa, Maravilha!

- Avança, Redomão!

Meu irmão falava

que eu tomasse cuidado

porque Redomão era coiceiro.


As cigarras derretiam a tarde com seus cantos.

Meu irmão desejava alcançar logo a cidade -

Porque ele tinha uma namorada lá.

A namorada do meu irmão dava febre no corpo dele.

Isso ele contava.


No caminho, antes, a gente precisava

de atravessar um rio inventado.

Na travessia o carro afundou

e os bois morreram afogados.

Eu não morri porque o rio era inventado.


Sempre a gente só chegava no fim do quintal

E meu irmão nunca via a namorada dele -

Que diz-que dava febre em seu corpo.


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