A Jornada Mundial da Juventude incomoda muita gente!

Encontrar uma pessoa que não se sinta incomodada com isto ou aquilo por causa das JMJ é como encontrar uma agulha num palheiro. Não, não são sequer as pessoas que vivem em Lisboa e que a partir de hoje enfrentarão, até dia 6, não duvido, constrangimentos diversos em virtude da multidão de peregrinos que se vai juntar na capital. Nem as que se verão envolvidas no evento à força em virtude das suas ocupações profissionais, sofrendo a exigência de um acréscimo de dedicação, esforço, responsabilidade ou trabalho pura e simplesmente a uma escala extra. São as que vivem em locais remotos, como Faro, Bragança, ou até nas ilhas atlânticas, calhando, ou, algumas que pura e simplesmente parecem apenas existir dentro das quatro linhas que definem o espaço de um ecrã, mais precisamente, o espaço azul e branco do Facebook. Há dias que só leio comentários odiosos, - não são meras piadas, não senhora, eu também já as fiz, há mesmo uma boa dose de raiva latente. Tem sido uma revelação. Em primeiro lugar, desconhecia que as pessoas detestavam tanto assim a religião católica, mas parece ser isso. Também não sabia que as pessoas podiam odiar os jovens católicos só porque cantam, dançam ou exibem sorrisos apatetados. Não interagiram com eles, muitas apenas os viram em vídeos e fotos, mas tiraram tudo pela pinta, nomeadamente o seu carácter e grau de inteligência. A conclusão, é que a malta do God Alive, é  juventude perdida, detentora de massa cinzenta inferior aos já habitualmente criticados públicos do Alive e festivais de verão, maré de ingénuos que nem sabe ao que vem, um rebanho de criaturas manipuladas, de pequeninas, coitadinhas, sem vontade própria, satélites que pais, padres e Papa mantêm a gravitar na sua órbita de mentira, temor, culpa, como no antigamente, cegando-os colectivamente com a visão de uma LUZ, que também refulge porque banhada a ouro do Vaticano! Questionam tudo, jocosamente, tudo serve,  inventam questões para fazerem assunto e poderem lançar mais umas farpas e assim colherem mais uns likes dos seus acólitos, equanto de queixam de que não há espaço nos media para outro assunto, enquanto, no seu espaço, fazem exactamente o mesmo.

Sou baptizada mas sempre reagi mal aos ensinamentos e práticas  religiosas, para embaraço até da minha família, a quem não poupava, nem em público, à exibição do meu repúdio pela cruz e seu culto. Por fim, senhora de mim, afastei-me de todo das idas à igreja e das rezas que nunca soube de cor. A catequese na cidade dos arcebispos não surtiu efeito, nem os sermões litúrgicos do Padre Hilário da paróquia de S. Lázaro, nem a observação de manifestações tradicionais de religiosidade tão vivas na cidade. Por anos e anos, nem a arte de inspiração religiosa me despertava interesse ou conseguia apreciar. Entrar numa igreja e cheirar círios a arder era por demais enjoativo, coisa aevitar. Mas se a religião nunca fez sentido para mim, também nunca me senti impelida a atacar alguém em virtude dessa pessoa pertencer a uma religião. Sempre discuti a religião empolgadamente, como qualquer tópico, questionando-a na sua utilidade, mas longe de mim querer dissuadir alguém de a seguir ou de desejar impor a minha verdade. Aceito a liberdade de culto.  

Frequentemente reduzia a religião a mais uma ideia que podia ser usada para o mal, como o foi, como o será, sempre que o homem quiser. Mas quase tudo pode ser usado para o mal, a ciência, até o Facebook! O bem que a religião aporta a cada pessoa, individualmente, talvez seja a melhor forma de aferir o seu valor. Não sendo crente não tenho como avaliar a diferença que a fé faz na vida de cada crente porque lhe sou alheia. Não raro o comportamento dos crentes também não está em sintonia com a religião, mas, noutros casos, há uma diferença apreciável e exemplar. Que revolução traz a religião à esfera pessoal, íntima de um crente, perante, por exemplo, o sofrimento, a perda ou a morte? Será igual enfrentar o medo com a fé do seu lado? Se não sei o que é ter fé, como posso ajuizar? E, em termos práticos, quando a razão do homem não lhe dá respostas nem alívio, se a religião operar esse milagre, não será isso um benefício? Porque hei-de suportar a dor de cabeça quando posso tomar uma aspirina? Certo, ela não cura, mas alivia. Vou deixar de a tomar apenas porque sei que não cura? 

Os não crentes acham-se, talvez, mais fortes porque podem enfrentar as agruras do mundo e armadilhas do existir sem o cajado da fé. Mas e se as pessoas que professam uma fé verdadeira poderem viver numa outra dimensão quer o bem quer o mal? É a essa dimensão que vejo os "racionais" ufanamente agora chamarem à boca cheia "alienação", esquecendo que há muita irracionalidade no comportamento humano e que nem tudo o que fazemos se pauta por um estrito e científico raciocínio. Quando alguém decide medir o impacto da religião, a opção por evidenciar o mal que ficou plasmado na memória histórica é que vence, não o rasto positivo da sua influência na vida e pensamento dos povos ao longo de séculos. É isso que uma pequena maioria lembra por ocasião da Jornada Mundial da Juventude de forma metódica em comentários agressivos, dia após dia, e muitas vezes gratuitos. 

Aparentemente, a religião parece estar em declínio, é só a minha opinião sem ter olhado quaisquer dados, um achismo, portanto, observando o que os Portugueses fazem com a religião. A que se resume a religião por estes nossos conturbados dias? Romarias, Santos Populares, Fátima, muitas igrejas vazias. Mas creio que ela nunca vai desaparecer da face da Terra. Apesar do aparente desinteresse religioso dos portugueses, estou convencida de que a religião está para durar. De uma forma ou de outra, ou imposta por algum poder como instrumento de disciplina e de domínio, ou cultivada voluntariamente, como bálsamo face às agruras da existência ou razão para dar sentido à vida. Aliás, imagino que a religião viajará a bordo das naves espaciais até Marte e futuros destinos espaciais. Antevejo que as pessoas irão sempre acolher-se nela, mais do que nos braços da ciência, porque ela as conforta. Nós podemos ter telemóveis, carros velozes, tecnologia avançada, e ainda assim, por exemplo, ter medo da morte, não? Um dia, em qualquer lugar do mundo, aparece um vírus e a medicina tarda em dar resposta, as pessoas levantam-se de manhã e estão mortas à noite. Um dia as sementes semeadas não brotam, as plantas definham, as árvores deixam de florir, as abelhas desaparecem. Não há comida para todos, água para todos. Sofre-se com fome. Um cenário distópico que já vimos em muitos filmes.  Então, quanto pior for a nossa existência, e nem é preciso recorrer a tais extremos, mais a religião triunfará, mais campo encontrará para medrar. Estou certa que até os que a tenham esquecido a recuperarão nesse momento de angústia, ou inventarão novas. Como pessimista em relação ao futuro, penso que mais vale fazer da religião um aliado do que um inimigo.

Torná-la sempre e sempre mais humana, mais actual, mais em linha com o perfil dos crentes de hoje, é o caminho que este Papa tem tentado seguir mas com contestação da linha dura da Igreja, uma Igreja que se agarra aos caminhos mais misteriosos como se o segredo fosse o que lhe dá força, e talvez seja assim e este Papa um incómodo com que têm de viver. Se o discurso do Papa às vezes parece ingénuo e sem novidade é porque a Igreja nem sempre quis uma mensagem simples, preferindo o rebuscado, o simbólico, o misterioso. A simplicidade de Francisco, deve ser, aos olhos dos senhores da Igreja, sinónimo de radicalidade. Quem sabe se, para eles, ele também não será um alienado! Mas, desde mudanças radicais  às pequenas coisas, a Igreja não poderia evoluir sem deixar de ser o que é? Ou será que a sua crescente humanização a levaria ao desaparecimento gradual? Tantas vezes achei, que, aqui mesmo, em Portugal, a Igreja devia desincentivar o sacrifício no cumprimento de promessas - como em Fátima- e que em alternativa devia promover manifestações positivas, por exemplo,  em vez de percursos feitos de joelhos advogar ajudas ao próximo Mas, reparem, o que nos impacta mais? Ver alguém a dar um prato de sopa a um faminto ou ver alguém a arrastar-se de joelhos em Fátima? Que comportamento serve melhor o ideal sobrenatural da velha Igreja? Queimar toneladas de cera, como se vê em Fátima, ritos vazios, meramente simbólicos, para quê? Para que o mistério permaneça e a Igreja continue a alimentar o imaginário dos crentes com alguma coisa intangível.

Há cientistas que dizem professar a religião, a cristã, que me recorde, o que parece mostrar que ciência e religião podem coexistir. Um amigo diz-me que eles o fazem por conveniência tal como Galileu engolindo em seco a sua pesquisa astronómica para evitar a morte. Mas ele era um cientista e, apesar disso, era religioso. Não estou convencida que sejam etapas da nossa evolução, isto é, primeiro tínhamos os mitos, depois a religião, depois a ciência. Li algo sobre um grupo vasto de homens e mulheres cientistas e religiosos, mas não consigo precisar sem ir ver ao Google, o que, para presente elaboração não é assim tão relevante. Um deles até tinha um cargo importante na administração americana, isto ao tempo do Obama, portanto, não seria, decerto um idiota. Primeiro éramos atrasados, tínhamos respeitinho a Deus, pavor das chamas do inferno, depois evoluídos, já deveríamos ter todos entendido que Deus é uma invenção humana e que nos safamos bem sem ele. Já podíamos ter eliminado de todo a religião das nossas vidas, tanta coisa que o passado engoliu, que passou à história. Mas ela continua a medrar. Porquê, se somos tão evoluídos? Vocês acreditam que estes jovens que vieram às JMJ acreditam que se pecarem vão arder nas chamas do inferno?

Por outro lado, vejo uma enorme relutância quanto a admitir que a Igreja também tem um legado positivo. A religião católica e a sua rede humanitária tem um poder enorme que se torna muito visível em tempo de crises humanitárias. Educação, saúde, protecção social, etc, não dá para contornar essas contribuições que se traduzem em prática do bem. Já agora aconselho uma incursão na história das Misericórdias e uma visita ao excelente Museu da Misericórdia, nas Rua das Flores, no Porto. As Irmandades ou Santas Casas da Misericórdia são hoje consideradas pelo Estado associações constituídas na ordem jurídico-canónica, com o objectivo de satisfazer carências sociais e de praticar actos de culto católico, segundo os princípios da doutrina e moral cristã. Todavia, há uma diferença entre o culto da divindade e este seu carácter assistencial, já que não é este que a define, no seu núcleo.

A Igreja não se consubstancia apenas em crenças antigas e atrocidades várias contra o saber, inquisição, abuso sexual e encobrimento, preceitos morais castradores e empecilhos da liberdade pessoal. Figuras religiosas tiveram importância no avanço do pensamento da humanidade em áreas diversas. Por exemplo, São Tomás de Aquino, dizia não haver um antagonismo entre fé e razão, elas caminham juntas. As primeiras universidades tiveram fundação religiosa, a Igreja até foi responsável pelo desenvolvimento da música, na sua vertente ocidental, mas ninguém se lembra disso ou acha que isso seja grande coisa. No entanto, se fosse possível um apagão de toda a pegada que a Igreja imprimiu no mundo, ao jeito do que Damon Lindelof filmou em The Leftlovers, talvez chegássemos à conclusão de que alguma coisa importante resultou do ministério da adoração da criatura invisível, como chamou Carlin a Deus.

Os jovens peregrinos passaram por aqui, eram sorridentes, simpáticos, deram-me o lugar sentado no autocarro para a praia, tiveram um comportamento irrepreensível durante a sua estadia na cidade. Mas lendo o que se escreve nas redes, só o facto de cantarem já é um problema para muitos, tratam-nos como alienados por acreditarem numa fantasia, ou mesmo como idiotas. O melhor a fazer então seria deitá-los aos leões, não?  Ah, bom, não sei então o que hei-de chamar às multidões nos estádios de futebol, até os números escandalosos envolvidos no negócio, o tempo de antena e espaço mediático que ocupam as suas tricas, mais o culto prestado aos jogadores de futebol, e a outras celebridades que arregimentam hordas de seguidores nas redes por coisa nenhuma, sem dúvida muito racional tudo isso, Esta gente tão incomodada deverá então, doravante, parar de festejar o Natal, pedir encarecidamente às suas CM que deixem de enfeitar as ruas, aos comerciantes que deixem de se aproveitar da época natalícia e do nacimento de Jesus para vender, renunciarem ao feriado e apresentarem-se para trabalhar. Esta alienação tem de acabar. Devem ainda parar de enfeitar as casas, desconvocar as reuniões de família à volta de mesas fartas e cancelar a troca de presentes, no mínimo. Urge acabar com essa vergonha que a todos tanto humilha em Dezembro, certo? Sendo que aos crentes isso em nada importará, eles continuarão a sua celebração religiosa sem esses artifícios. Porque não?

Como já referi, não sou crente, não professo nenhuma religião, estou ciente de todos os constrangimentos inerentes à Igreja e do muito que se lhe pode apontar de negativo, da distância que por vezes vai da sua mensagem à prática, da questão do questionável financiamento do Estado a estas JMJ, que dizem ser recuperável, apesar de tudo, etc,etc. Mas as grandes questões de fundo já ficaram para trás, agora é o ataque aos atrasados dos cristãos e o elogio dos iluminados dos não crentes que vinga! É lamentável que só se abra o FB para cuspir comentários deste teor, sem qualquer argumentação mais útil ou esclarecedora, ou mesmo desafiadora. Mas isso acontece com quase tudo e tão depressa vem como vai, e o que resta depois é, cada vez mais, a ideia de que a intolerância é profunda, a vontade de agressão, inata, o diálogo, complicado.

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