A inteligência artificial (AI) não matou a arte
Em Setembro do ano passado, escrevi algumas postagens sobre como utilizar o Midjourney e o Discord, depois de ter descoberto esta nova tecnologia e de me ter apercebido do seu potencial transformador na criação de imagens. Depois do entusiasmo inicial coloquei o AI de parte mas não deixei de acompanhar a sua evolução e as correspondentes polémicas. Há um par de semanas um cliente perguntou-me se eu usava o AI. Respondi que não mas fiquei a pensar naquilo e acabei a fazer algumas buscas online, troquei impressões e acabei por descobrir que o AI tinha dado um pulo significativo neste espaço de 9 meses.
Retomei as minhas experiências e tenho aqui partilhado como correm, relatado algumas opiniões sobre o assunto, e até convidado a que experimentem o SeaArt.AI.(Cliquem no link e juntem-se a mim!) Ao longo destas semanas tenho sentido alguma frustração porque, de facto, a conclusão a que cheguei é que posso obter por esta via imagens que demoraria uma eternidade a imaginar e conceber tradicionalmente. As apps são de tal forma poderosas que quase perdi a vontade de usar o Photoshop! De repente senti uma enorme vontade de me reaproximar do papel, dos lápis, das cores misturadas com pincéis na paleta. Tenho até perspectivado retomar e relançar-me noutras formas de criação manual pois esta vertigem abalou as minhas fundações!
Vejo muita gente a tentar monetizar imagens através da venda de tshirts pois de repente podem lançar mão de imagens que surgem como que por "geração espontânea", muitas, baratas, e isso é muito aliciante. Mas sem trabalhar as prompt e sem dar um toque humano final às imagens obtidas, que as diferenciará das outras, o negócio poderá revelar-se frustrante a breve trecho. É preciso ter presente que os clientes gostam de obras únicas, sejam pinturas, ilustrações, designs. É o carácter original, inovador, diferenciador de alguma coisa, a nota de escassez, que aporta valor a uma peça, isto é um estilo único. Se todos continuarem a aproveitar a galinha dos ovos de ouro das imagens geradas por AI neste modo "fast and furious" em breve o mercado vai ficar apático, as pessoas vão sofrer o "paradoxo da escolha", acabar por ficar indecisas, adiar a compra ou não comprar.
O alarme que a chegada do AI à criação visual está a motivar junto da comunidade de artistas gráficos é imenso e alguns chegam ao ponto de insultar os criadores de AI que vendem as suas imagens online ou que anunciam os seus serviços de criação. Além das acusações de plágio e ausência de compensações aos artistas que muitos invocam, ou do invocado insulto e descrédito que o AI representa para quem se dedicou anos a aprender e aperfeiçoar-se, a desenvolver o seu estilo, uma maioria teme ser preterida por um qualquer robot copião. Mas o AI não dispensa a mão humana, pelo menos ainda. Há uma certa ilusão quanto a isso, vejo pessoas a mostrarem que é possível criar livros infantis, mas também vejo que não deixam de intervir no processo após obterem as imagens, e que mesmo assim o resultado não é perfeito. Poderá vir a ser melhor, mas, para já, não é.
No campo do design, de momento, um AI ainda não consegue gerar uma identidade visual para uma empresa. Não consegue criar um logotipo completo, pronto a entregar ao cliente, para impressão. Não consegue gerar um padrão têxtil ou um papel de parede, etc. Não sabe o que são Pantones, paletas de tons. E poderia continuar a enumerar coisas básicas que o AI tem de aprender para substituir o designer. No caso do ilustrador, o AI ainda não consegue produzir personagens com consistência, em cenários diferentes, em poses diferentes, mas já vi tentativas, não refuto que possa ser melhorado.
A internet está inundada de imagens AI, muitas são estonteantes, sedutoras. Ao conseguir criar estas imagens o AI está efectivamente a competir com os criadores de imagens para publicação nos blogues e redes, para fins de decoração, para pendurar na parede, estampar numa tshirt, numa bolsa, numa capa de telemóvel, para postais, autocolantes, etc. A este nível o AI está sobretudo a permitir a quem não dominava a criação de imagens a possibilidade de as obter sem recorrer a terceiros. Já havia muitos a lucrar com imagens que os artistas gráficos criavam e que eram vendidas em packs, muitos baratas, fossem ilustrações, ou fotografias, além de fontes, padrões, e mais, e a criar todo o tipo de produtos para vender online. Tinham de acrescentar valor a essas imagens antes de as usar, não podiam ser usados "tal qual". Agora podem obtê-las através do AI, mais baratas ainda, ou mesmo de borla. Esta febre de negócio e lucro em torno das imagens novas também concorre para críticas negativas, mas as pessoas procuram constantemente novas formas de ganhar dinheiro online.
Mas o AI não está a competir com o pintor a óleo, ou acrílico, ou o aguarelista, ou o colagista, neste caso, pelo menos não com o tradicional. O cliente que compra uma aguarela não é o mesmo que compra um poster dessa mesma aguarela. Esse comprador valoriza outras coisas e esse artista pinta por outras razões que não apenas o dinheiro, ou pagar contas, o dinheiro, por vezes, é até um prémio para quem já tanto retira da sua arte, e não um preço cobrado pelo trabalho. Portanto, o AI não é o fim destas técnicas nem da arte, - por favor, parem de gritar que A ARTE MORREU - nem dos artistas que serão sempre necessários, até mais necessários, pois confiamos neles para nos apresentarem visões únicas e humanas de novas realidades, coisas que nenhuma máquina vai fazer. Acredito que a arte tradicional pode vir até a ser redescoberta e muito mais acarinhada do que é actualmente, lembrando que muita da arte contemporânea também não está isenta de críticas.
Aos artistas tradicionais somam-se ainda os digitais, os que usam Wacoms, tablets, PSD e outros, para pintar, desenhar, colar, usando uma caneta digital como quem usa um pincel. Nesta área do digital, concorrem agora os "artistas AI". Não devemos depreciar liminarmente a "arte AI" nem os seus defensores. Alguns deles são também artistas, e alguns, tenham ou não treinamento artístico, mostram resultados interessantes onde se vê entrega, pesquisa, exigência, algo para dizer. Nem todos querem apenas ganhar dinheiro mais ou menos rápido.
Além do mais, cada uma destas imagens AI (as mais pensadas) não dispensa a intervenção do criativo, do ser humano, designer ou não, ilustrador, fotógrafo, ou não, para ganhar vida fora das app e servir um determinado fim. Se estamos a gerar imagens ao acaso, ou quase, por simples passatempo, é fácil ficar deslumbrado com os resultados. Mas um criativo orientado por objectivos tem de aprender a usar a app que escolher, pois todas são diferentes, tem de dominar a escrita de prompts, tem de aperfeiçoar a imagem por tentativas, num certo diálogo com a máquina, - por vezes um pouco exasperante, confesso! - até ela se aproximar da sua ideia, do seu projecto, e depois tem fazer a pós-produção dessas imagens com algum tipo de software. É que as imagens, muitas, aparentemente espectaculares, apresentam defeitos, alguns são mais subtis do que as evidentes mãos deformadas. Necessitam de pós-produção e as app ainda não integram senão umas ferramentas algo arcaicas para o efeito, que não são sequer concorrência para o Photoshop. Creio, todavia, que isso será ultrapassado no futuro e leio que o Midjourney agora, diferentemente do sucedido quando o experimentei, já é capaz de imagens muito perfeitas. Escolher entre imagens AI ou outras, para uma tshirt, ou um poster, depende neste momento, do quanto nos deixamos influenciar por esta novidade, da nossa cultura visual, do uso a dar à imagem e do preço que estivermos dispostos a pagar por uma tal imagem, mas no futuro poderá vir a ser a nossa primeira escolha.
Sobre os "artistas AI", não serei daquelas que os condena, mas se querem reconhecimento têm de se assumir como tal e não fazer-se passar, como já vi, por artistas digitais, talvez com receio de serem depreciados ou insultados o que está a acontecer. Apesar disso, chamar-lhes "artistas" é algo que me cria algum desconforto, mas talvez tenhamos de viver com isso à falta de melhor denominação. Nem toda a produção visual é arte, seja em que campo for, tradicional, digital, na fotografia, no cinema, e no AI. Por isso, uma imagem AI pode ser arte, uma aguarela pode não ser arte. A arte é o quê? Não há um único conceito sobre o que seja. Arte é um mix de comunicação, emoção e questionamento, admite inúmeras expressões e é um produto do seu tempo. A arte que herdamos é um vasto e apaixonante repositório da condição humana e foi forjada na experiência humana. Força geradora original, alguma dela representou inovação, rompimento de limites, choque. Agora os modelos AI foram beber dela a sua aparente sabedoria o que a muitos repugna visceralmente. Será que um conjunto de dados gerados por AI pode ser arte? Não sei, mas tenho esta certeza: o AI não vai matar a arte. E quem sabe onde toda esta experimentação nos conduzirá e aos artistas, talvez à descoberta de novas formas de expressão.
Peço desculpa por não ter os comentários activos no blogue mas o volume de spam era de tal monta que tive de desligar a funcionalidade. Algumas pessoas têm-me contactado pelo Twitter, outras pelo Facebook, com dúvidas. O que eu aqui faço é apenas levantar questões, promover a discussão, e providenciar uma base para testarem os modelos existentes, como eu faço. A partir daqui cada um deve fazer a sua pesquisa. Os resultados podem ser sempre diferentes. Não tenho respostas para todas as dúvidas, nem pretendo influenciar ninguém, neste ou naquele sentido, a usar esta ou aquela app. Aproveito para dizer que a informação que tenho vindo a providenciar sobre estas app AI rapidamente pode ficar desactualizada, embora não no que é básico, antes nos detalhes de algumas funcionalidades, por exemplo, já que estão em constante evolução.
(Tudo isto é novo, demasiado novo, pelo que as minhas convicções e opiniões poderão também mudar! Por isso, leiam com moderação, como quem fuma, ahaha!)
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