A bactéria Vibrio que come carne está activa nas águas do mar portuguesas?


Não faltava cá mais nada. Para alguém que esperou ansiosamente pela chegada do Verão, esta notícia não podia ser pior. Tal como eu, com a época balnear a arrancar, milhares de pessoas aguardam por uns dias para passarem umas férias na praia, retemperarem forças, contactar com a Natureza. E eis que uma notícia vem estragar o nosso sonhado descanso junto ao mar. Parece que as bactérias Vibrio andam eufóricas também nas águas portuguesas. É caso para alarme? Não. Mas também não é coisa para  ignorar. As bactérias Vibrio vivem naturalmente em certas águas costeiras e estão presentes em concentrações mais altas entre Maio e Outubro, quando as temperaturas da água são mais quentes. Não, não vieram até cá passar férias. Já cá estavam, mas pouco numerosas ou dormentes. A maior parte das pessoas que contrai uma vibriose recupera em 3 dias. O problema é quem não recupera. São casos raros mas preocupantes. Por isso, não faz mal conhecer o assunto e tomar alguma precaução, se for caso disso.

Não é novidade, já em 2020 as bactérias patogénicas eram notícia, quando estes mesmos investigadores do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), no Porto, as detectaram  nas águas de praias balneares do norte do país. Numa publicação no site da Universidade do Porto, em 2020, o gabinete de comunicação do ICBAS afirmava que os resultados foram obtidos no âmbito do projecto BeachSafe então em curso no Laboratório de Hidrobiologia e Ecologia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), por 14 meses, e que estudava a presença de agentes microbianos em 10 praias do Norte, nomeadamente, em Afife, Ofir, Póvoa de Varzim, Árvore, Matosinhos, Salgueiros, Aguda, Paramos, Cortegaça e São Jacinto.  Elas são uma presença natural no ambiente, mas acrescentam risco num simples mergulho no mar. Agora, 2023, o mesmo investigador, professor catedrático, Adriano Bordalo Sá, vem novamente alertar as autoridades e as pessoas em geral para a existência destas bactérias vibrio nas nossas águas, com base num estudo patrocinado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que cobriu as águas costeiras entre Aveiro e Viana do Castelo e que revelou um aumento deste tipo de bactérias marinhas.

As bactérias marinhas potencialmente patogénicas, como os Vibrio ( (V. cholerae, V. parahaemolyticus e V. vulnificus), podem ter um comportamento altamente patogénico durante o verão. O aumento da temperatura da água e a diminuição da salinidade são apontados como os principais responsáveis pela proliferação das bactérias. O investigador da Universidade do Porto alerta que estamos perante um perigo e recomenda um diagnóstico nacional urgente pois a situação pode estar a acontecer ao longo de toda a costa portuguesa. 

O risco é real e algumas pessoas em especial deverão ter em consideração este alerta, nomeadamente as que têm alguma imunodeficiência, os doentes hepáticos ou diabéticos, e todas as que apresentem quaisquer tipo de ferimentos na pele, cortes, feridas, etc, mas, acrescento eu,  também quem tenha colocado um piercing recentemente ou até feito uma tatuagem. O hidrobiólogo disse anteriormente que havia risco quando se ingerisse água, mas agora diz que  o chamado pirolito não é, necessariamente, uma fonte de contaminação, devido à dose relativamente baixa de bactérias no volume de água ingerido. Nos EUAe no Brasil a grande preocupação com a vibrio relacionava-se também com a ingestão de ostras.

Este tipo de bactérias não são despistadas nas análises oficiais da Agência Portuguesa para o Ambiente (APA) e das administrações regionais de saúde (ARS), pois estes organismos não testam a água para a sua existência, a avaliação oficial é feita exclusivamente por indicadores fecais, importantes para a atribuição da Bandeira Azul

As mudanças climáticas têm causado, entre outras alterações, um aumento da temperatura da água do mar e variações na salinidade, que podem afectar diretamente o desenvolvimento de bactérias antes limitadas pela temperatura mais baixa, como é o caso da V. vulnificus, com possível aumento de casos e surtos. A bactéria pode ser encontrada em ambientes marinhos costeiros ou estuários onde a temperatura varia entre 9 a 31°C, sendo que a temperatura ótima de crescimento é de 18°C, e salinidade entre 15 a 25‰. Acima de 30‰ reduz-se a incidência de V. vulnificus independentemente da temperatura da água. Quando abaixo de 13ºC, as bactérias podem assumir um estado de dormência.

O nome dos vibrio detectados são a vulnificus (esta é a que pode causar a necrose de tecidos e septicemia, aparecendo por vezes referida nas notícias como a "bactéria que come carne"), parahaemolyticus (que causa gastroenterite aguda) e cholerae (também causadora de gastroenterite aguda). Embora a maioria das pessoas infectadas com V. Vulnificus desenvolvam apenas sintomas leves, como uma gastroenterite, algumas pessoas desenvolvem infecções graves na pele ou mesmo sepsis, se a bactéria  atravessar a barreira intestinal e entrar na corrente sanguínea. V. vulnificus pode causar fasceíte necrotizante, uma infecção rara que causa a morte dos tecidos moles do corpo - daí ser conhecida como a "comedora de carne" e pode resultar em amputações ou até morte. 

As pessoas contraem a infecção se tiverem cortes ou arranhões no corpo, basta até caminharem à beira mar, ou "molharem o pé" , ou se se cortarem em penedos, ou artefactos de pesca, ou, de acordo com alguns estudos disponíveis na net, se comerem frutos do mar crus, como ostras, ou mal cozidos. Se a pessoa tiver mesmo uma ferida e tiver de contactar com água salgada ou salobra, ou manusear cascas de mariscos ou peixes, deve cobri-la com ligadura impermeável. Estes conselhos acompanham alguns casos que foram noticiados a nível internacional na Europa e nos EUA, país onde se registaram mais casos, embora também os haja na Europa, Nova Zelândia, entre outros,  como, por exemplo, nesta notícia do ano passado, subsequente à passagem de um furacão na Flórida.

Desconheço quanto tempo a bactéria pode viver na nossa pele depois de sairmos da água do mar e de nos expormos ao sol, mas não fará mal passar pelo chuveiro de praia antes de ir para a toalha. Como disse, depois de toda a preocupação com o Covid, já cá não faltava mais nada. Mantenham-se informados pois li um comunicado de uma autoridade que procurava retirar relevância a este aviso. Bem sabemos que o turismo é uma fonte de riqueza, mas a saúde da população e dos turistas deve sempre vir primeiro. Ninguém está a dizer que não se pode ir a banhos, mas é claro que esta situação precisa de ser devidamente monitorizada e que a população deve ser informada, em especial a vulnerável, que foi descrita, e até pressionar para que seja feito este controlo. Mais verão menos verão, os cartazes que dantes víamos apenas nas praias dos EUA, alertando para a contagem elevada de bactérias nas águas do mar, serão também presença aqui. O ambiente está a mudar e os nossos comportamentos têm de mudar com ele.


Comentários