Uma breve biografia de Enid Blyton

  


Foi notícia no jornal "The Telegraph" que, a partir de agora, "nas prateleiras das bibliotecas de Devon, em Inglaterra, apenas estarão disponíveis publicamente trabalhos editados recentemente, de onde terão sido já removidos termos ofensivos. Embora listados no catálogo da biblioteca online, os leitores só terão acesso às edições anteriores dos textos se as solicitarem especificamente aos bibliotecários. E ao fazê-lo, haverá um "sistema de aviso informal para recordar os leitores da linguagem contida na versão antiga".

No passado fim de semana li esta biografia da vida da escritora Enid Blyton. Perante a notícia (acima) que tem circulado a respeito desta popular autora, achei que talvez gostassem de ler um breve resumo da sua vida. É um resumo imperfeito, o possível dada a minha limitação de tempo e saúde (uma virose brava), do livro acima que foi publicado em 1974 pela primeira vez; esta edição é de 2006. A fotografia na capa é de Enid, em 1923. 



Enid Mary Blyton nasceu em 1897, no sul de Londres. Posteriormente, os seus pais mudaram-se para Beckenham, em Kent. Aí, em várias casas, passou a sua infância. Ela teve dois irmãos mais novos, Hanly e Carey.

O pai de Enid, Thomas, começou por vender cutelaria quando jovem, depois foi trabalhar na loja de tecidos do tio e, mais tarde, montou o seu próprio negócio como grossista de vestuário. Era um homem comunicativo e cheio de talentos. Aprendeu sozinho a tocar piano e banjo, sabia de astronomia, francês, alemão. Eram muito chegados. Ela apreciava que ele lhe contasse histórias sobre tudo, declamasse poemas. Partilhavam interesses: o gosto pela natureza, jardinagem, teatro, arte, música e literatura. Frequentemente adormecia ouvindo-o a tocar piano, e teve a sua primeira lição aos seis anos. Sem dúvida que Enid aprendeu muito com  o pai. Já a relação com a mãe, Theresa Blyton, era menos cordial. Diferente do marido, uma mulher prática, dedicada à vida de casa, a mãe de Enid não tinha interesse pelo mundo que o marido e a filha partilhavam, e, pior, as personalidades fortes de ambos chocavam com a dela. Já com os dois filhos tudo era mais fácil e gentil. Desde cedo a filha recusava um futuro feito de lide doméstica, casamento e filhos. Sentia que os irmãos eram os preferidos, beneficiados. Mais tarde ela daria a entender que a Jo, dos Cinco, se tinha baseado nela. E, de facto, parece que desde cedo ela era impetuosa e voluntariosa.

Ela gostou de frequentar a escola desde os primeiros anos. Dominava a escrita e a leitura com facilidade, o canto, o estudo do meio, menos o universo dos números.  Descobriu-se que tinha memória fotográfica. A estante de livros do pai também estava à sua disposição. Ela gostava de ler enciclopédias, onde havia muito e variado conhecimento, também lia sobre mitos e lendas, poesia, e pensou que um dia gostaria de escrever histórias com crianças reais, como Louisa M. Alcott tinha feito com Mulherzinhas. "A Princesa e o Duende", de George MacDonald, terá sido o seu livro favorito. Já os Grimm, nem por isso, tinham escrito contos cruéis e assustadores.

Com 10 anos tornou-se aluna da St. Christopher's School, uma escola para raparigas, em Beckenham. Era boa aluna, gostava de pregar partidas, de jogar ténis e recebeu prémios na composição escrita. No teatro já não conseguia brilhar, mas isso, em vez de a desencorajar,  levou-a a criar o seu grupo: ela escrevia peças, letras, e tocava música no piano, outras representavam e cantavam. Ficou famosa na escola por ser a primeira a ter a ousadia de cortar a trança e de usar o cabelo pelos ombros. Fora da escola, ela e duas das suas amigas, Mary Attenborough e Mirabel Davis, criaram uma revista chamada DAB, para a qual Enid escreveu pequenas histórias, Mirabel poemas e Mary fazia as ilustrações. O título da revista foi formado a partir das iniciais dos seus apelidos. Ela e Mary, competiam saudavelmente pelas melhores notas e tornaram-se amigas inseparáveis. Em 1913, foi de férias com uma das suas professoras de francês, Mlle. Louise Bertraine, para Annecy, França, adorando as paisagens e novos lugares que pode conhecer.

Entretanto o casamento dos pais de Enid chegou ao fim, as frequentes discussões causavam bastante angústia nos filhos. O pai abandona a casa quando Enid tem 13 anos, ela assiste à discussão onde ela avança que vai deixar a família, ao mesmo tempo que descobre que havia outra mulher na sua vida. À época esta situação era escandalosa e a mãe instruiu os filhos e filha a dizer que o pai estava em viagem, aparência que foi mantida toda a vida. Talvez esteja aqui a razão pela qual Enid não falaria da sua vida no futuro. Quando encerrava uma etapa e recomeçava outra, era uma vida nova e quem entrava nela ficava sem conhecer o seu passado.

Felizmente nesta casa Enid tinha o seu próprio quarto, tendo até consertado ela mesma a fechadura da porta para ter total privacidade. Aí passava muito tempo, escrevendo histórias e poemas, o que enfurecia a mãe que desejava que ela se tornasse uma hábil dona de casa. Começou a enviá-los para revistas na esperança de que fossem publicados. Apenas um foi impresso por Arthur Mee quando ela tinha catorze anos. Ela lia constantemente e também estudou as dicas de escritores, tomando nota das suas impressões e pensamentos íntimos num diário. A mãe, um dia, leu os seus diários e isso provocou ainda mais a sua fúria contra ela. Estes interesses da filha eram considerados por Theresa como uma "perda de tempo e dinheiro". Mas Mabel Attenborough, irmã de Mary, que se tinha tornado uma boa amiga e confidente, incentivou-a a continuar, apesar das muitas cartas de rejeição, mais de uma centena, que terá recebido nesta fase inicial da sua exploração da escrita.

Enid tinha uma tia pianista e o seu pai sempre acreditara que ela havia de se tornar uma também, insistindo ao sair de casa para que continuasse a aprendizagem que começara aos 6 anos pela sua mão. Embora a filha gostasse de música ela começou a perceber que a escrita é que era a sua vocação.

Por terem mudado de casa e ter deixado de ter um quartinho só para si, Enid passava muito tempo com Mabel. No Verão de 1916, enquanto estava com amigos de Mabel Attenborough, George e Emily Hunt, em Seckford Hall, perto de Woodbridge, em Suffolk, um lugar onde havia cavalos e cães, ruinas onde brincar, e praias perto, aonde ir de bicicleta, Enid teve uma experiência numa Sunday School. Ida Hunt levou-a e ficou surpreendida ao ver o jeito que ela manifestava com as crianças. Alertada por ela, Enid começou a refletir naquela experiência e acabou por desistir da Escola de Música de Guildhall : iria  começar a estudar para se tornar professora. Talvez ela se tivesse apercebido desde logo que o contacto com as crianças seria crucial se queria escrever para elas, permitindo-lhe perceber o que gostavam de ler e até fornecendo pistas sobre que histórias gostariam de ler. O pai não recebeu a notícia muito bem, sobretudo, recebeu-a com total surpresa.

Em Setembro de 1916, Enid, com 19 anos, começou um curso de formação de professores na Escola Secundária de Ipswich, baseado em Froebel. Neste momento ela corta relações com a sua mãe, e irmãos, passando sempre as férias longe, com a família Attenborough. No entanto, manteve contacto com o seu pai, visitando-o no seu escritório em Londres, embora a ligação não fosse tao forte como tinha sido. Nesta escola mostrou-se mais reservada, mas sempre boa aluna, e começou a fazer desenho de observação daquilo que a rodeava, onde quer que fosse, em caderninhos que carregava sempre consigo. Ali ela ainda teve contacto com o método Montessori que uma professora desenvolvia. Em 1917, finalmente, um dos poemas de Enid, "Have You...?" foi aceite para publicação pela Nash's Magazine.

Depois de completar a sua formação em Dezembro de 1918, ensinou durante um ano numa escola preparatória para rapazes, a Bickley Park School, em Kent.Tinha 21 anos e provou estar à altura do desafio. As crianças progrediam e ela mantinha a sua disciplina com facilidade.U ma dúzia de crianças entre os 6 e os 8 anos, e alguns mais velhos. As aulas eram alegres, com jogos e histórias, havia passeios à Natureza e recompensas. A seguir tornou-se governanta dos quatro irmãos Thompson, familiares de
Mabel Attenborough, numa casa chamada Southernhay em Surbiton, no Surrey. Para os membros mais jovens, as disciplinas eram Leitura, Escrita, Números, Canto, Pintura, Trabalhos manuais, Jogos (cricket no verão, futebol no inverno). Assuntos adicionais para maiores de sete anos foram: Aritmética, História, Geografia, Francês, Inglês, Música (incluindo piano) e Estudo da Natureza. Permaneceu lá durante quatro anos e, durante esse tempo, várias crianças de famílias vizinhas, um total de 12, entre os 4 e os 10, também vieram juntar-se à sua "escola experimental", como ela lhe chamou. Em momentos de festa, ela escrevia pequenas peças, poemas e canções para eles cantarem e duas vezes por ano faziam um concerto para pais e amigos. Aproveitava todas as circunstâncias para as crianças aprenderem alguma coisa de forma divertida e, como hoje se diria, interdisciplinar.

Em 1920, recebeu a notícia de que o seu pai tinha morrido de ataque cardíaco. Ela faltou ao seu funeral nem sequer mencionou a sua morte aos Thompsons. Talvez fosse ingrato ter de confrontar a família ou dar explicações aos seus conhecidos. Numa festa ela reencontra Phyllis Chase, uma amiga de infância, que ilustrava. Resolveram estabelecer uma parceria e submeter a editores e Cassell aceita uma das submissões. As duas assumiram uma variedade de trabalhos, rimas ilustradas para anúncios de jornal, para cartões de Natal e Páscoa para crianças e adultos, Enid escrevendo os versos e Phyllis ilustrando. E ainda numerosos poemas ilustrados e histórias para crianças – a maioria dos quais foram aceites pelo Teachers' World, um semanário educacional publicado por Evans Brothers. Eram consideradas originais, bem escritas, com humor e diálogo. A primeira a ser aceite foi Peronel and his Pot of Glue. Em 1922 foi publicado o seu primeiro livro, Child Whispers, 24 páginas de poesia, ilustrado por Phyllis. Em 1923 mais dois livros, e histórias, versos, críticas e peças de teatro, ao todo mais de uma centena. Os críticos elogiavam a sua capacidade de escrever sob o ponto de vista de uma criança. Em 1923 ela já tinha ganho o suficiente para comprar uma casa pequenita. Ela acumulava o ensino e a escrita, sem dificuldade. Tudo o que vivia, tudo o que observava, lhe dava um pretexto para escrever, nem que fosse fosse uma ida ao cinema onde observasse a reação de uma criança.

Em 1924, Enid Blyton casou com Hugh Alexander Pollock, o editor do departamento de livros da editora George Newnes, onde tinha entrado um ano antes. Os dois tinham-se conhecido talvez quando Enid foi encarregada pela Newnes de escrever um livro infantil. Hugh tinha-se juntado aos Royal Scots Fusiliers no início da Primeira Guerra Mundial, tendo recebido o D.S.O. (Distinguished Service Order) em 1919. O seu casamento já tinha acabado - a mulher trocara-o por outro quando ele fora para a guerra - e ele pediu o divórcio para poder casar com Enid. Nenhum membro da família de Enid ou de Hugh assistiu à cerimónia. A lua-de-mel decorreu em Jersey. Enid e Hugh viveram primeiro num apartamento em Chelsea, mudando-se depois para a sua primeira casa, recentemente construída, Elfin Cottage, em Beckenham, em 1926. A sua nova vida forneceu mais material para a sua escrita e embora ela nunca tivesse anunciado oficialmente a sua mudança de estado civil, os leitores forma tomando nota das mudanças nos seus textos.

O sucesso no jornal educativo Teacher's World resultou numa enorme quantidade de correio. A dado momento passou a publicar ali Notas sobre a natureza, também ilustradas por ela. Os professores agradeciam pelas canções, peças e histórias que usavam nas suas aulas. Ela agradecia cada carta, escrevia à mão, um total de 4000 palavras por dia. Dava passeios junto ao rio e nos parques de Londres mas sentia a falta do campo. Também o marido preferia viver fora da cidade e acabaram por sair do tal apartamento e ir para Elfin Cottage. Aí ela dedicou-se com interesse à decoração mas o seu maior prazer foi a criação do jardim. Os leitores enviaram-lhe sementes de localizações longínquas, como a Tasmania. O jardim tinha flores de toda a espécie e arbustos, e ela atraia pássaros com comida e mesmo outros animais, coelhos, ouriços, observava e documentava, mais tarde tudo isso poderia ser traduzido em alguma história. Bobs, um fox terrier preto e branco, entra para a família.

Nos anos 20-30, entre outras coisas, trabalhou em livros educativos: o Teacher's Treasury e o Modern teaching, que continha sugestões para escolas de ensino fundamental e médio e incluiu volumes sobre história, geografia, inglês, estudo da natureza e ciência, arte, trabalhos manuais, trabalhos domésticos e bordados - todos escritos por especialistas em suas áreas, supervisionados por Enid.

Em 1926 começou a escrever e editar uma revista quinzenal, Sunny Stories for Little Folks, que em 1937 se tornou semanal. The Enid Blyton Book of Bunnies, conjunto de histórias diversas sobre coelhos matreiros, foi publicado em 1925. Em 1927 Hugh persuadiu Enid a começar a usar uma máquina de escrever. Ela também aprendeu a conduzir, embora não sem algumas peripécias. Hugh ajudou a consolidar Enid como escritora ao publicar as suas histórias em Newnes, ensinou-lhe também a vertente empresarial do seu trabalho. Em 1927, apesar da máquina, ela respondia a 100 cartas por semana, à mão.

Hugh e Enid levaram uma vida tranquila e contente nos primeiros anos do seu casamento, os seus tempos livres consistindo em jardinagem, passeios ocasionais de carro, idas ao teatro e cinema, e férias à beira-mar. Levantavam-se, ele ir apanhar o comboio  e seguia. Quando não ia a Londres falar com editores, Enid tomava o pequeno almoço, dava instruções ao pessoal em casa, e começava a escrever. Costumava escrever à máquina em cima de uma tábua colocada nos joelhos, no jardim se estava bom tempo, ou na sala. Continuava, depois do almoço, até ir buscar o marido à estação, de carro ou a pé. Depois do jantar não se trabalhava, ia-se ao teatro ou ao cinema, ou descansava-se. Gostou muito do filme Ben Hur. No inverno faziam bonecos de neve no jardim, no verão jogavam cricket. O bebé que desejavam tardava em chegar. Uma ida ao ginecologista revelou que tinha um útero subdesenvolvido e seguiu-se um tratamento.

Em 1929 mudaram-se para Old Thatch, uma casa de campo, de colmo, do século XVI com um lindo jardim, perto do rio Tamisa, em Bourne End, Buckinghamshire. Esta casa era maior e tinha até árvores de fruto, para sua alegria. A casa e novos animais que ela comprou, foram, claro, matéria para a página de Enid, no Teacher's World. Enquanto crianças, Enid e os seus irmãos não tinham sido autorizados a ter animais de estimação. A sua mãe não gostava de animais e o seu pai preferia os animais na natureza. Enid chegou a manter uma gato vadio, Chippy, durante quinze dias. Mas a mãe descobriu o segredo. Enid compensou isso ao ter muitos animais de estimação na idade adulta - cães, gatos, peixinhos dourados, ouriços, tartarugas, pombos, galinhas, patos e muitos outros. No Teacher's World podia agora ler-se uma carta de Enid para as crianças, uma outra em nome de Bobs, um história, um poema e uma foto, um desafio. Este material não morria aqui, era depois reunido e publicado de forma autónoma. Prova da sua versatilidade, um curso: Volta do Ano com Enid Blyton, composto por quarenta e oito lições, abrangeu todas as facetas concebíveis da natureza, estudo de coisas como observação do tempo e vida de insetos, foi um êxito enorme em muitas escolas. As crianças das cidades gostavam de ler sobre o campo, muitas delas não tinham qualquer hipótese de o visitar. Enid desafiou as crianças do campo a enviarem ramos, folhas e flores às da cidade e assim aconteceu. Ela e Bobs, também recebiam toda a espécie de presentes no correio, insectos, flores, ossos! Enid incentivou a recolha de papel de prata para enviar para as crianças nos hospitais e também este correio começou a chegar à sua casa em grande quantidade. Ela depois preparava sacas para expedir o contributo para Londres.

Na nova casa, o casal começou a ter mais vida social, desfrutando de jantares, ténis e bridge. Construíram até um campo de ténis onde recebiam os amigos. Contrataram um jardineiro e havia pessoal para manter a casa, - criadas, cozinheira - havendo notícia de que Enid não tinha muito tacto quando despedia alguém. Em Outubro de 1930 foram num cruzeiro à Madeira e às Ilhas Canárias a bordo de um barco de nome Stella Polaris. Como sempre, tudo era matéria para a escrita e toda a gente ficou a saber das suas impressões sobre Lisboa - onde os condutores eram loucos  e os animais mal tratados - e a bela ilha da Madeira, onde tudo era colorido e maravilhoso.

O casal teve dificuldades em constituir uma família, mas em 1931, nasceu a sua filha mais velha Gillian. Ela tinha, afinal jeito para tudo. Fez as roupinhas para a bebé e berço, ela até fazia a própria lingerie. O facto de já ter 34 anos deixava-a preocupada. Após o nascimento, e passada a novidade, Enid constata que não tem mais tempo para escrever nem para a vida social. Então uma nanny é contratada,  fica a dormir junto do berço, encarregada de zelar pela filha dia e noite. Enid recomeça a trabalhar e quase não passa tempo com a filha que talvez não considere estimulante numa idade tão baixa. Uma das coisas que mais dava prazer a Enid era passear a filha de carrinho, pelo campo. A casa era magnífica, o jardim cuidado por David Hughes, também zelador da casa, enorme, havia espaço para mais animais, - galinhas, perús, patos - mas havia também um senão: as cheias do rio invadiam-na,  e também ratos. Estas coisas mais desagradáveis da sua vida eram descartadas como material para histórias. Em 1932 tenta escrever para adultos mas o projecto não corre bem.

Desde 1933 que o marido vinha acumulando mais trabalho na editora. Um dos projectos envolvia Churchill e ao discutirem batalhas, Hugh reviveu os seus traumas da guerra. A isso somavam-se maiores exigências e o seu perfecionismo redundou em ansiedade. Em casa não conseguia relaxar, à noite, era confrontado com obrigações sociais. Ele estava exausto, talvez mesmo doente, e em cima disso buscou refúgio na bebida. O casal faz então umas férias na Escócia. Em 1934 o ano começa melhor com a mãe a ensinar a filha a ler e a escrever. Enquanto Enid publica um livro sobre jardinagem para crianças, o marido continua a publicar as obras de Churchill e os problemas retornam. Melhora de novo com umas férias em família, na praia. Entretanto ela aborta. Mas em 1935 já espera uma nova criança e o final da gravidez acrescentou mais stress à vida do casal e do pessoal da casa. Imogen nasceu e Dorothy, uma nanny, entra na casa, tornando-se amiga e suporte de Enid. Quando se afastavam, escreviam-se, e, à noite, Dorothy chegou a roubar o tempo que Enid e Hugh partilhavam, o que provocou ciúmes neste e mais stress.

The Adventures of the Wishing Chair é a primeira história longa publicada por Enid e as crianças pedem que seja feito um livro com a série de aventuras. Ela convidava as crianças a dar opinião sobre tudo o que fazia e recebia imenso feedback. Outras histórias se lhe seguiram.

Hugh ressentia que a mulher se apoiasse tanto em Dorothy e também que os papéis se estivessem a inverter, ela mais segura, cada vez com mais sucesso e fortuna, ele, fragilizado, a trabalhar com Churchill nos seus escritos sobre a Primeira Guerra Mundial, acometido por uma depressão ao aperceber-se que o mundo estava à beira de outra guerra. Voltou-se para o álcool para consolo, bebendo secretamente enquanto Enid procurava compensação nos seus escritos e na companhia de Dorothy. Hugh adoece com pneumonia severa e é internado no hospital por um mês, o que abala Enid fortemente. Na praia, a convalescença uniu-o e Enid sente-se de novo feliz com a vida que tem e grata pela recuperação do marido.

Mas a procura por uma casa maior resultou numa mudança que Hugh não viu com bons olhos por não se situar numa zona tão rural como a anterior. A nova casa tinha oito quartos, ficava em Beaconsfield, Buckinghamshire, tinha espaço para jardins - contrataram um novo jardineiro - e estava rodeada de sebes. Enid organizou a mudança em Agosto de 1938, enquanto Hugh estava no hospital com pneumonia. Os leitores de Sunny Stories escolheram um nome para a casa - Green Hedges. Esta casa foi demolida em 1973, a casa onde Enid viveu 30 anos.

Em 1939 Enid tentou interessar a BBC nas suas histórias sem sucesso. Continuava a escrever diariamente e a partir das cinco, brincava com as filhas, a quem contava as histórias que acabara de escrever e pedia opiniões. Hugh regressava do trabalho e jantavam os dois. Enid gostava de se deitar cedo pois considerava o sono fundamental pelo que o seu dia terminava desta maneira frequentemente.

As desconfianças que Churchill lhe manifestara e que tanto o deprimiram concretizam-se. A guerra é declarada. Hugh voltou ao seu antigo regimento - os Royal Scots Fusiliers - e foi logo colocado em Dorking, em Surrey, para treinar oficiais da Home Guard em 1940. Enid reagiu bem, por patriotismo, e mal, pelo afastamento do marido. Continuou a escrever durante os anos de guerra, apesar do papel ser racionado, as editoras continuaram a assegurar a publicação dos seus livros e até experimentaram formatos mais reduzidos com sobras de papel. Onze livros saíram em 1940. As edições esgotavam. A guerra estava sempre presente embora a casa nunca tivesse sido bombardeada e ela pudesse ouvir ao longe as detonações. Os leitores tricotavam quadrados, os professores cosiam-nos, fazendo cobertores que lhe enviam para ela distribuir. Ela mesma tricotou e coseu alguns com a ajuda do pessoal da casa. Incentivou as crianças a trocarem as flores dos jardins por legumes. Participou em recolhas de fundos. Ela lia nas cartas que recebia de leitores e professores que as suas histórias eram lidas às crianças durante os raids.

A ausência de Hugh colocou ainda mais tensão no já frágil casamento, a licença gozada no Natal com a família não correu bem. Na Primavera de 1941, enquanto estava de férias com Dorothy, que a leva para longe de um pretendente à sua fortuna, em Devon,  Enid Blyton conheceu o homem que viria a ser o seu segundo marido, o cirurgião Kenneth Fraser Darrell Waters. Enquanto serviu na Marinha na Primeira Guerra Mundial, ele tinha danificando permanentemente a sua audição quando o seu navio tinha sido torpedeado. Mas Enid falava com tal clareza que isso não foi obstáculo. Ele gostava de jardinagem, actividade em que viriam a ocupar-se os dois, longamente, quando ficaram sem jardineiro. Também gostava de ténis e golf- Kenneth ensina a mulher a jogar golf, uma boa prática para ela relaxar.  A sua maior virtude viria a se a de adorar todo o labor criativo da mulher, que apoiou até ao fim.

Hugh também se tinha envolvido romanticamente com a romancista Ida Crowe. Em 1942, o caal divorciou-se, e Kenneth, 51 anos, também. Endi voltou a casar no ano seguinte, seis dias antes do casamento de Hugh com Ida. Gillian e Imogen não tinham visto o seu pai desde Junho de 1942, quando ele partiu para a América como conselheiro da Defesa Civil. Embora tivesse prometido que Hugh seria livre de ver as suas filhas após o divórcio, Enid recusou-se a permitir-lhe qualquer tipo de acesso.

Em 1945, após uma queda de uma escada, Enid perde o bebé, o que interrompeu a felicidade em que viviam. Viajaram juntos para o estrangeiro apenas uma vez, em 1948, quando se juntaram a amigos para umas férias de três semanas em Nova Iorque, navegando no Queen Elizabeth e na volta no Queen Mary. Enid não apreciou os EUA. As férias seguintes foram quase sempre passadas em Dorset, onde adquiriram um campo de golfe e uma quinta nos anos 50.

Em 1950 é criada a Darrell Waters Limited para administrar a actividade editorial e fincanceira de Enid, mas ela insiste em continuar a lidar com os editores directamente no que toca a manuscritos. Ao longo dos anos ela aprendera tudo o que havia a saber sobre produção de livros e a sua opinião era respeitada. Escrevia cartas aos editores cujo conteúdo não esquecia, nem passados meses.

Após quase vinte e três anos, Enid Blyton deixou de escrever a sua coluna regular para Teacher's World em 1945. Sete anos depois deixou as Sunny Stories. A Enid Blyton Magazine sai em 1953, publicada por Evans Brothers. A revista continha o editorial, quebra-cabeças, competições, cantinho dos amantes da natureza e folhetins, curtas histórias e desenhos animados com personagens já bem conhecidos. Ela própria escreveu todos os conteúdos, excepto os anúncios, utilizando a revista para incentivar os seus leitores, através das suas histórias, a serem amáveis, prestáveis e responsáveis. Poderiam fazer a sua parte e fazer a diferença para a sociedade, independentemente da sua idade, se tomassem a iniciativa! Através das páginas da sua revista ela promoveu quatro clubes aos quais as crianças podiam aderir - o Busy Bees (que ajudou animais), o Famous Five Club (que angariou dinheiro para um lar de crianças), a Sunbeam Society (que ajudou crianças cegas) e o Magazine Club (que angariou dinheiro para crianças que tinham paralisia cerebral espástica.) Milhares de leitores aderiram e Enid Blyton falou orgulhosamente do "exército de crianças" que a estavam a ajudar a realizar o trabalho que ela queria fazer.

The Famous Five Club originou-se através de uma série de livros de aventuras sobre os Cinco – quatro crianças e um cão – cuja primeira história foi publicada pela Hodder e Stoughton no outono de 1942, com Os cinco na ilha do tesouro. Foi tão popular que Enid foi contratada para escrever um novo título a cada ano - inicialmente ela escreveria apenas 6. Vinte e um anos depois Enid escrevia o último livro da série! Os Cinco criaram tantos seguidores que lhe perguntaram se eles poderiam formar um clube de fãs. . Enid concordou com a condição dele servir um propósito útil e sugeriu que poderia ajudar a arrecadar fundos para um Shaftesbury Society Babies Home em Beaconsfield, em cujo comité local ela serviu por vários anos. Enid também costumava falar para grupos de crianças em livrarias e lojas e elas ouviam-na de uma forma quase enfeitiçada. Enid escreveu várias coleções de aventuras com outras personagens que se tornaram também muito populares, Os sete, Colecção Mistério, Aventura, etc. Os Cinco deram origem a peças de teatro, filmes e séries de TV.

Igualmente muito popular, o Noddy, cuja personagem circulou em frascos de compota antes de se tornar o herói de Enid, foi desenhado por Harmsen van der Beek, holandês. Um intérprete chamado pelo editor  explicou que ele e Enid deveriam colaborar, ele ilustraria, ela escreveria. Foi um caso de parceria de sucesso quase instantâneo. Nos anos 50, além de livros, havia brinquedos e produtos de todo o género inspirado pelos desenhos de Beel, precocemente desaparecido em 1953, em muitas lojas. O Noddy também estava na televisão e mais tarde numa peça de teatro que esteve em cena por nove anos, e num filme. Enid também escreveu uma peça de teatro para adultos mas a sua estrutura não funcionava no palco e acabou por ser abandonada.

Crê-se que Enid Blyton tenha escrito cerca de 700 livros, bem como revistas, artigos e poemas. Ela escreveu com variedade para crianças com idades compreendidas entre os dois e os catorze anos - histórias de aventura e de mistério, histórias educativas, livros sobre a vida no circo ou na quinta, contos de fantasia, contos de fadas, histórias de família, histórias infantis, livros de natureza, livros religiosos, histórias de animais, poesia, peças de teatro e canções, bem como a sua versão de mitos, lendas e outros contos tradicionais. Suas cartas e artigos, dando sua opinião sobre uma variedade de tópicos, apareceram regularmente na imprensa nacional e ela era frequentemente citada em qualquer coisa relativa a crianças e seus cuidados. Os livros eram populares também no estrangeiro, na Alemanha, em França, na África do Sul, na India, etc.

A revista Enid Blyton's Magazine acabou em Setembro de 1959, quando Enid desejava passar mais tempo com Kenneth, que se tinha reformado do seu trabalho como cirurgião em 1957. Nessa altura, os quatro clubes tinham aproximadamente 500.000 membros.

Foi nos finais dos anos 50 que a saúde de Enid Blyton começou a deteriorar-se. Sofreu crises de falta de ar e tonturas enquanto jogava golfe. O marido suspeitou de ataque cardíaco ou algo mais grave de que a quis proteger. Os sinais começaram, mais tarde, a anunciar a doença. Durante este período, o marido esteve sempre a seu lado, apoiando  em tudo o que se relacionava com a sua atividade de escrita, com editores, e outros interessados, e até ditando as respostas para as cartas que continuava a receber.
No início da década de 1960 tornou-se evidente que ela sofria de demência. Debateu-se com confusão e lapsos de memória, sendo tomada pelo desejo de regressar à sua casa de infância em Beckenham com ambos os seus pais. Os seus dois últimos livros (excluindo reimpressões de material anterior) foram relatos de histórias bíblicas. 

Kenneth também estava doente, com artrite grave. Quando entendeu que não lhe restava muito tempo de vida, arrumou alguns assuntos que considerava de interesse, pensa-se, por exemplo, que terá queimado a maioria dos diários da mulher. O medicamento que tomou danificou-lhe os rins e morreu a 15 de Setembro de 1967. Gillian e Imogen estavam na casa dos trinta anos, vivendo longe de casa, pelo que a mãe era cuidada pelo seu dedicado pessoal na Green Hedges. No final do Verão de 1968, Enid foi admitida num lar de idosos em Hampstead e, três meses mais tarde, morreu tranquilamente durante o sono, em Novembro de 1968, aos 71 anos de idade. Foi cremada em Golders Green, no Norte de Londres, e foi celebrada uma cerimónia memorial para ela na Igreja de St. James's, Piccadilly, a 3 de Janeiro de 1969.

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