Oscars 2023 - Tudo, em toda a parte, ao mesmo tempo, dos Daniels, é o meu favorito.
Os Oscars 2023 saem do segredo esta noite e espero que o filme que ganhou tudo, em toda a parte, ao mesmo tempo, ou quase, obtenha os Oscars que merece. Alérgicos ao humor absurdo, bem sei que os olhos de plástico na testa, o bagel, os dedos de salsicha, os dildos, o kung-fu e outros delírios, podem ser dissuasivos. Mas, pasme-se, tem tudo sentido neste multiverso da loucura e isso é incrível. É muita energia criativa, e, apesar do disparate aparente, há muita emoção sincera nesta história. Há um livro de um escritor figueirense que se chama Elói ou romance numa cabeça. Este filme também se podia chamar assim, Evelyn, ou Multiverso numa cabeça. A cabeça é a da mãe Evelyn, uma heroína cinquentona que faz inveja à Marvel. Aqui a heroína super não usa capa nem cruza os céus. Ela é uma mulher que falhou vezes sem conta, cuja vida está um caos. Mas um dia alguém a convence de que podia fazer a diferença e salvar o mundo, assim se salvando a si mesma. Várias Evelyn são interpretadas em vários multiversos pela versátil Michelle Yeoh. O filme é uma gigantesca e caótica metáfora para o relacionamento inter-geracional. O tal multiverso não é um mero artifício da moda narrativa recente, é usado pelos Daniels para ilustrarem o caos que vai na cabeça e no coração de uma mãe rejeitada pelo pai e de uma filha adulta que se sente menosprezada pela mãe, apanhadas nos desafios de uma vida contemporânea, não num futuro imaginário. A família que devia ser um porto seguro torna-se um gerador de caos, de stress, de trauma mental que se perpetua de geração em geração. A luta para alcançar o equilíbrio e evitar a auto-destruição, ou dos laços familiares, numa vida exigente e difícil passa muito mais pela bondade do que pela fúria. Se nada importa, por que não ser gentil? O vazio ameaçador tem de ser abraçado porque só assim compreendido. Colemos um olho de plástico na testa e o bagel do mal será vencido. Por entre o caos desgovernado e o desespero da existência, há esperança. Por mais difícil que seja o problema, há sempre uma maneira de o contornar, e, por isso, num universo completamente estúpido onde temos cachorros-quentes como dedos, decerto seríamos muito bons com os pés! Ah, “This is life”, de Ryan Lott, David Byrne e Mitski, a fechar os créditos também é perfeita.
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