Diz-me o que te irrita. Dir-te-ei quem és.
Diz-me o que te irrita. Dir-te-ei quem és. Olha, Jung, não me irrito facilmente, mas, admito, o convívio à mesa é um momento sensível. E tu, que me estás a ler e não sabes a razão pela qual não voltámos ao Chinês, não, não é porque não és inteligente. O princípio e o fim de uma qualquer coisa pode ter vindo numa garfada e partido na outra. Se pudesse adivinhar, teria sugerido um almoço volante mesmo que a ausência de mesa não resolvesse tudo. Mas quem vê caras, não vê irritações.
Não sei, Jung, não sei em que é que estas irritações à mesa me ajudam a entender-me melhor. Mas até tu tens de concordar que comer com a boca aberta, oferecendo-nos o espectáculo de ver a comida a rodar como a roupa no óculo da máquina de lavar roupa não é bonito. Ou falar com a boca cheia, ou ousar ainda uma subtileza, a de arrumar a comida semi-mastigada não sei aonde, na bochecha ou debaixo da língua, dizer de sua justiça, e retomar a mastigação. Terminar levando o copo à boca com requinte. É como se a roupa tivesse completado o ciclo do ensaboamento e agora viesse o do enxaguar. Outra subtileza, desta feita, temerária que facilmente me azucrina, consiste em enfiar a faca na boca como se estivessem a praticar a excisão da úvula. Ou encher o prato como quem constrói um castelo de areia na praia - com a comida não se brinca, sempre ouvi dizer. E por fim, a cereja no topo do bolo, usar os talheres como bandarilhas, gládios ou catanas, e atacar a comida pousada de forma indefesa no prato como se a vingar o assassinato de um familiar!
Já agora, uma das coisas mais perturbadoras que vi no cinema recente foi no filme A Baleia. Que longos minutos de horror, os da cena em que o pobre homem ataca a comida com ímpetos suicidas. Não vos minto: tive de desviar o olhar.
Noutro plano menos pessoal, uma das coisas que mais me irrita é levar com a barriga de estranhos nas costas quando estou na fila do supermercado. Esta irritante indelicadeza quase foi erradicada durante a pandemia graças às normas de afastamento em vigor. Mas apraz-me informar que a prática do roça-roça regressou em cheio às grandes superfícies.
Não era isto que queria escrever, desculpem a deriva. Vinha apenas perguntar se é comum escreverem emails ou deixaram mensagens nas caixas das páginas de empresas ou instituições que ficam sem resposta. Nos últimos dias já me sucedeu duas vezes. Se estas entidades querem ser contactadas por telefone, para que têm estes contactos visíveis? Que antepasto é este? Perdemos logo o apetite de fazer negócios com elas. Quando percebo que me deixaram a marinar e agarro o telefone, já vou com voz de quem comeu e não gostou, não é? Isto é quase tão mau como não ter maneiras à mesa. E, Jung, o que há para aprender sobre mim nesta outra irritação? Que mania de fazer citações para ficar famoso, pá. Já me estou a irritar contigo.
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