Ice Merchants, de João Gonzalez, é uma joia do cinema português


São os primeiros 14 minutos de cinema de animação português nomeados para um Oscar. Não é por mais uma nomeação, é pelo percurso que este filme tem feito que podemos dizer que é uma joia do cinema português. Vasco Granja teria ficado orgulhoso. Nomeada para a categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação nos Óscares, "Ice Merchants", ou Os mercadores do gelo, onde estava entre 15 finalistas, num total de 81 candidaturas, enche de orgulhos todos os que gostam de cinema, e, em especial, os que apreciam cinema de animação, neste último grupo me incluo. João Gonzalez, actualmente com 27 anos, iniciou este projecto quando ainda estava a estudar na Royal College of Art, em Londres: O pequeno filme iniciou o seu percurso de sucesso na Semana da Crítica de Cannes, em Maio passado, de onde saiu com um prémio. Depois disso foi nomeado para os prémios do Cinema Europeu na categoria de melhor curta de animação. Quando voltei a ler sobre o assunto já tinha obtido 32 outros prémios e menções especiais ao longo de mais de 90 festivais.

Numa iniciativa da distribuidora Cinemundo, o filme estreou em 33 salas de cinema espalhadas por todo o território, Continente e Ilhas. Está actualmente em exibição, em pleno fim de semana do Carnaval. Podem espreitar o seu trailer aqui, no canal da Cola Animation. Esta animação de João Gonzalez vai poder ser vista a preços acessíveis, o que possibilitará que muitas pessoas possam ir vê-la no grande ecrã. Envolvendo Portugal, França, Reino Unido, Ice Merchants é uma produção da Cola Animation com co-produção da Wild Stream.

O filme foi escrito, desenhado, animado, montado e musicado por João Gonzalez e produzido por Bruno Caetano e conta-nos a história de um pai e de um filho pequeno que todos os dias saltam de paraquedas, da sua casa no alto de um precipício, para alcançarem a aldeia que se situa abaixo, na planície, para vender o gelo que produziram durante a noite. Um dia a temperatura sobe e um desastre acontece. A história contada sem palavras aborda a solidão, a monoparentalidade ou a sustentabilidade do planeta. É o que tenho lido, esta segunda-feira espero descobrir o resto da história.

Surgem agora fotografias do jovem realizador ao lado de Guillermo del Toro, que este ano também está no certame com uma longa metragem de animação em stop-motion, "Pinóquio", nomeada para Melhor Filme da categoria, e, quanto a mim, a provável vencedora. E muitas apreciações como esta, publicada na Indiewire, sobre a curta de animação, são publicadas, enchendo-nos de orgulho, claro: "O filme mais visualmente impressionante dos indicados, o assombrosamente belo “Ice Merchants” é um conto familiar elegíaco ambientado na encosta de um penhasco. Aliás, também vem do cineasta mais jovem do grupo, o cineasta português João Gonzalez, de 27 anos, tornando “Ice Merchants” o primeiro filme português a receber uma indicação ao Oscar. Ilustrador e também pianista com formação clássica, ele compôs a comovente trilha sonora do filme. Reminiscente da ilustração tradicional japonesa, o estilo distinto de Gonzalez usa uma paleta limitada de cinzas, vermelhos e azuis, alternando o brilho para o sombreamento. Ele também joga brilhantemente com a perspectiva, transmitindo uma escala vertiginosa do cenário dramático do filme. A história sem palavras segue um pai e filho que vivem em uma cabana fria à beira de um penhasco com centenas de metros de altura, sustentada por um sistema de polias simples e cravada em uma enorme camada de gelo. Todos os dias, o pai amarra o filho no peito antes que a dupla salte de pára-quedas até a aldeia local. Quando a camada de gelo começa a derreter, eles devem fazer sua fuga ousada. Bonito de assistir e visualmente inventivo, “Ice Merchants” define o padrão para o futuro da animação."

É-me impossível dar qualquer palpite sobre quem vencerá nesta categoria onde pontuam os independentes, a ousadia, os grandes estúdios não assinam nenhum dos filmes a concurso. Não vi ainda nenhum dos filmes, e, possivelmente, não terei onde vê-los. Pode ser que Ice Merchants consiga cativar o público para a animação e que surjam oportunidades, mais oportunidades, de mostra para curtas em território nacional, além de festivais e pequenas iniciativas muito localizadas. Os anos passam e continuo a ter de explicar aos meu amigos e conhecidos que o cinema de animação não é um género menor e antes um géneros adulto e fascinante, onde tudo é possível fazer-se, sem limites à imaginação e ao experimentalismo. Sempre colho sorrisos de quem, no seu íntimo, me julga perenemente infantil, já me habituei. Sempre ouço "ah, não gosto", por mais que tente demonstrar com mil argumentos que vale a pena ver cinema de animação. O "ah, não gosto", entristece-me, sobretudo, quando vem de pessoas que não sabem o que estão a dizer pela razão simples de apenas conheceram o cinema que viram quando acompanharam os filhos pequenos ao cinema ou lhes organizaram matinés caseiras de pipocas e DVD. Depois disso os miúdos cresceram e elas cresceram disso também, arrumando o hábito como um casaco que deixou de servir! É pena, mas não ajuda o facto deste cinema de animação não ser mostrado com regularidade, nem nos Multiplex, nem na TV. Quem gosta, procura e acaba por encontrar. Onde? Na internet, claro. Mas não com as condições que me aguardam, na próxima segunda-feira. Mal posso esperar. Aproveito para referir também uma outra curta que tem feito um percurso de sucesso em vários festivais - mais de 20 prémios - e que venceu a Competição Internacional da 45.ª edição do Festival de Curtas-Metragens de Clermont-Ferrand, que decorreu de 27 de janeiro a 4 de fevereiro. Trata-se de O homem do lixo, filme realizado por Laura Gonçalves.

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