Quem é o melhor jogador de futebol do mundo?
Tudo isto acontecia num tempo em que dispunha de muito tempo livre e, mais do que isso, via TV habitualmente. Mas será que é por ter deixado de ver TV que o futebol deixou de me interessar? Diz-se que é em criança que formamos a nossa personalidade, e, em parte, tendências para a vida. Se assim fosse eu decerto gostaria muito de futebol já que cresci ao som dos relatos ouvidos pelo meu pai num pequeno rádio. Ele também me levava a ver os treinos e os jogos do Braga no estádio 1º de Maio. Mas dessa experiência eu lembro-me de tudo menos do futebol. Recordo-me de pisar a relva espessa do campo, recordo-me do frio da pedra nas bancadas, recordo-me de um pardal que se veio meter connosco, escondendo-se no meu casaco, de trincar os rebuçados de açucar e dos pacotinhos cónicos des amendoins, recordo-me de muitas outras coisas, dos eucaliptos, não me recordo do futebol. Quem é o melhor jogador de futebol do mundo? Não sei. O que sei eu de futebol? Mas multidões decerto mais conhecedoras do desporto do que eu entregam-se com fervor a este debate puxando das suas memórias, esmiuçando lances e tácticas, estudando estatísticas e confrontando análises de especialistas, num dissecar quase científico de dados objectivos, e também de emoções, essas mais subjectivas.
O Mundial de Futebol no Qatar? Não vi, mas no decurso das últimas semanas não se falou nem escreveu sobre mais nada nos quatros cantos das telas dos computadores e telemóveis. Quem a partir de Janeiro se incomoda com as discussões em torno dos Oscars, que guarde a memória do que foi isto tudo. É uma pena que outros assuntos de interesse mundial - e não me refiro aos Oscars - não consigam suscitar a mesma cobertura por parte de quem divulga e semelhante paixão por parte da população. Continua a ser verdade que o povo apenas quer pão e circo, o mundo pode ruir à sua volta, nada mais existe.
Não entendo completamente esta obsessão pelo futebol. Ao fazer o paralelo com a minha paixão pelo cinema constato que nunca dei por mim a perguntar-me quem é o melhor actor ou a melhor actriz de cinema do mundo! Será que não gosto de cinema q.b.?! Será que futebol, - um desporto, - e cinema, - uma arte,- não se podem comparare que é assim que se explica o meu "desinteresse" numa tal questão? Será? Há quem veja arte no futebol, há quem o reduza a mera técnica. E, no cinema, não faltará quem privilegie o foco na técnica em detrimento do elemento artístico. Se todo o filme poderá ser cinema nem todo o cinema será arte. É verdade que também no mundo do cinema se contam o número de filmes protagonizados por um actor, o número de prémios recebidos, os números do box-office, os cachets das estrelas, etc. Mas eu nunca dei por mim a fazer esse tipo de contabilidade para responder a uma tal pergunta, nem nunca embarquei em nenhum debate infrutífero em torno dela. Os melhores do mundo do cinema são tão poucos ou tantos quantos se queira, muitos, todos astros brilhantes por variados motivos, sem que, muitas vezes eles tenham direito sequer a percorrer passadeiras vermelhas, ou a terem estrelas no passeio da fama. Escolher um só seria impossível. Quem é o melhor actor de cinema do mundo? Não sei. Nunca pensei nisso. E todos os anos por altura da atribuição dos Oscars também penso que eleger o melhor filme é uma fantochada comercial, um exercício muito redutor e sem sentido. Na verdade esses prémios não melhoram a minha experiência, não acrescentam mais prazer ao meu desfrute das interpretações ou dos filmes premiados. Se é assim, a quem interessam os prémios, ser o melhor? Aos protagonistas da competição que ganham prestígio e tração comercial. Logo, para quê perder tempo com esse debate se o que importa mesmo é vê-los a actuar, ver os filmes, colher o fruto do seu desempenho, da sua arte?
O Campeonato do Mundo acabou mas a guerra continua, a da Ucrânia e outras, bem mais longas e letais, e, claro, a guerra de saber quem é o melhor jogador do mundo. Durante anos a fio esta questão envolveu os nomes de Cristiano Ronaldo e Messi, adversários no campo mas parceiros na elevação constante da modalidade a um patamar maior. Mais recentemente, fruto de várias circunstâncias que eu segui apenas porque os títulos surgiam como cogumelos, e também pelo resultado alcançado pela Argentina e pelo jogador, muitos debitam, com segurança, que Cristiano terá sido ultrapassado por Messi. Eu, pessoa que não sabe nada de futebol e que apenas lê as gordas, apercebi-me que andou metido em encrencas várias com os técnicos, fruto do seu perfil emocional ou de situações que não transpiraram para o público, nunca saberemos; entendi que o seu rendimento não foi o melhor, sinal de que está a envelhecer, ou de pouca sorte, ou de todo um ano de instabilidade. Talvez tenha sentido necessidade de parar ou de mudar de ares, talvez a pressão de tudo o que significa ser Ronaldo lhe tenha feito perder o norte. Mas, como é costume dizer, quanto mais alto se sobe maior a queda. Cristiano Ronaldo deve ter, por estes dias, atravessado um dos piores períodos, se não mesmo o pior, da sua carreira. Podemos ter assistido ao princípio do fim. Mas o desaire pode também ter sido apenas um sobressalto, pode muito bem acontecer que Ronaldo se consiga reinventar, talvez ainda como o grande jogador que é ou como algo que ainda não vimos. Que a idade avançada dita o fim do rendimento dos atletas - e da carreira de actrizes, em especial - é um facto. Mas Ronaldo é Ronaldo, um atleta que sempre ouvi dizer ser superior e pode ser que ainda tenha trunfos por jogar. Em virtude do seu percurso e estatuto, qualquer desaire de Ronaldo será sempre mais honroso do que a entrega ao regozijo com a sua queda, que a muitos parece ter contagiado num clima de festa doentia que não alcanço. Nenhum astro brilha eternamente, nem mesmo o sol, facto que apesar de ser algo expectável e natural, nunca será bonito de se ver. No entanto, nem mesmo Ronaldo pode pensar que por ser Ronaldo está isento de críticas e imune a consequências pelos seus actos e omissões.
Mas, voltando ao despique mencionado, será o actor que mais Oscars acumula num dado momento o melhor actor do mundo? Pode ser, se for esse o critério. Mas o Oscar não é algo que necessariamente determina o talento. Muitos actores extremamente talentosos e respeitados no mundo nunca ganharam um Oscar, mesmo com percursos reconhecidos e aclamados pelos seus pares e críticos. Katharine Hepburn ganhou o maior número de Oscars na história: ela tem 4 estatuetas. Meryl Streep tem 2 Oscars até ao momento e mais de duas centenas de prémios. Hepburn é a melhor actriz do mundo? Ou será que é Streep a melhor de sempre? Ah, pois, mas esse prémios são apenas americanos, não oferecem a leitura que um campeonato do mundo oferece, ou uma Bola de Ouro. Mas imaginemos que os EUA são o mundo apenas para efeito deste exercício não muito rigoroso de demonstrar que se o futebol, tal como o cinema, é algo que evolui com o tempo, também o significado dos seus prémios. Não será hoje o jogo diferente, não serão os que o jogam diferentes, fruto de técnicas diferentes, ideias diferentes do que o futebol deve ser? Se um jogador esteve activo 5 anos e fez x, pode ser comparado a outro que esteve activo 10 anos e fez y? Se um viveu no séc. XX e outro no séc. XXI? Os rankings existem e englobam nomes de todas as épocas. Mas eu, que nada sei de futebol, não entendo como estas listagens podem fazer justiça aos jogadores, aos muitos e bons jogadores, que se têm vindo a destacar no jogo rei: Maradona, Pelé, Eusébio, Ronaldo, Messi, etc, e muito menos como se alimentam discussões por vezes até pouco amistosas e intermináveis sobre quem é o melhor jogador de futebol do mundo...
Há muita irracionalidade associada ao futebol, muito drama, e isso é algo que também me deixa perplexa. Como alguém comentou, quando fiz esse comentário, é tudo fruto da paixão. Ora! Até parece que só no reino do futebol é que existe paixão! Paixão existe em todas as áreas, sem dúvida no futebol, mas também noutros desportos, nas artes, na ciência, na vida profissional! E então, em nome dessa paixão, assistem-se a cenas no futebol que supostamente me deviam comover, homens de barba rija - e mulheres de buço irrepreensível, também - a chorarem baba e ranho nas bancadas, jogadores de joelhos no chão e cabeça baixa, em pranto, ou despiques insultuosos ente adeptos que amam os seus ídolos mais do que a suas mães! E há ainda as declarações apaixonadas de que devemos muito aos atletas da bola por serem embaixadores do nosso rectângulo, em especial, Cristiano Ronaldo. Portugal país parece assim resumido então a um campo de futebol onde se ganha o respeito, a dignidade, a notoriedade internacional ao pontapé na bola. Portugal é grande porque Cristiano existe.
Eu mesma experimentei um estranho poder do futebol no tempo em que Luis Figo fazia as vezes de Ronaldo. Viajando pelo exterior, perguntada de onde vinha, eu respondia Portugal. Dessas bocas desconhecidas ouvia então eu duas palavras em bom português, o único: Luis Figo. De sorriso rasgado, abriam-me os braços e até a porta de casa. Isso surpreendia-me até me ter habituado. O futebol tem esta peculiar capacidade de pular fronteiras e de embalar na mesma onda de familiaridade totais estranhos, mais que qualquer outro desporto, pelo menos na Europa. Mas, por idêntica razão, também faz inimigos! Não sei se foi sempre assim, mas hoje as redes tornam amiúde visível esta evidência:quase ninguém consegue discordar de uma opinião sem insultar, e isso viu-se quer por parte daqueles que endeusam Cristiano Ronaldo, quer pelos que preferem Messi. Pois bem, eu nada sei de futebol, para mim eles são dois nomes grandes do futebol e se tiver de escolher um deles, escolho Ronaldo, não por considerar que ele é melhor que Messi, mas por ser um atleta português que se destacou extraordinariamente a nível mundial no futebol. (Sobre isto, dispenso insultos, não vale sequer a pena tentarem, poupem-se: o que sei eu de futebol?)
Estava eu, todavia, desgraçada, se me sentisse em dívida para com Luis Figo ou Ronaldo só porque eles são portugueses notáveis naquilo que fazem! A ser assim teria de me sentir em dívida por muitos mais. Por memoráveis que as suas jogadas sejam nos relvados, futebol é futebol, não façamos deste desporto mais do que isso, nem dos seus actores mais do que são: atletas que nos fascinam e entretêm com as suas acrobacias da bola. É algo que exige trabalho, dedicação, esforço? Sim. Mas trabalho, dedicação, esforço é o que tudo exige para ser bem feito. Já pensaram no trabalho, dedicação e esforço que são necessários preciso para uma fábrica funcionar? Algum de vocês alguma vez se lembrou de dizer que se sente endividado ao homem que fundou a fábrica que vos faz a garrafa de whiskey mais ao outro que tem a destilaria que produziu o conteúdo?
O que nos dá o futebol? Uma fuga? Um momento de êxtase? Alegria? Libertação de frustrações? Prazer? (Já agora, uma curiosidade: u m estudo divulgado pelo Laboratório de Expressão Fácil da Emoção (FEELab), da Universidade Fernando Pessoa, do Porto, a expressão facial de cólera foi a mais vista nos estádios do Catar, no decorrer do Mundial, seguida da tristeza, da alegria e da dor.) Sim, sensações, muitas e tão fugazes na vitória, como na derrota. Não passamos de meros animais irracionais quando imergimos no mundo do futebol. Retirem o futebol da vossa vida e verão que ela continuará o seu rumo. No mundo da opinião, os americanos são muitas vezes os maus da fita, os capitalistas, os ignorantes. Mas os americanos têm uma cultura da gratidão muito vincada, pelo menos de boca, e é vulgar declararem-se gratos por isto ou por aquilo. Todavia nunca os ouvi a dizer que estão em dívida por de Niros, Nicholsons, Pacinos, Eastwoods e outros terem "colonizado" o mundo com as suas interpretações fascinantes. Será que eles são ingratos?
É de uma injustiça tremenda endeusarmos os jogadores de futebol desta forma esquecendo outros homens valorosos, até mesmo outros atletas, de outras modalidades: uns são filhos, outros enteados. Ao agir assim diminuímos o valor destes, que também são grandes e talentosos portugueses. Alguns desses pecam por não competir em relvados, por exemplo, os escritores que dentro das quatro linhas de uma página também têm contribuído para representar Portugal no estrangeiro. Mas os Portugueses querem mais à bola do que à literatura e nem lhes passa pela cabeça sentirem-se em dívida para com, sei lá, José Cardoso Pires, Agustina, Saramago, Lobo Antunes, Pessoa...e muito menos a quase desconhecidos do grande público, por exemplo, cientistas que fazem o seu trabalho na obscuridade do seu círculo, sendo citados pelos seus pares, e assim também entrando em certos rankings.
Com estas últimas linhas não quero que fiquem com a impressão de que não reconheço valor a Cristiano Ronaldo ou a Messi ou a qualquer outro homem da bola, ou que tenho algo contra o "futebol". Nada disso. Ronaldo é um atleta formidável, um grande jogador de futebol. É impossível não admirar as suas jogadas, os golos impossíveis que marcou. É também uma pessoa que tem contribuído para causas humanitárias, um investidor que tem criado riqueza, e talvez até possua outros atributos positivos que eu desconheço. E o futebol é um grande espectáculo, mesmo se não me empolga, ou interessa cada vez menos. Para não estragar a festa, coibo-me de escrever aqui sobre "o lado negro" do mais televisivo e popular desporto. Sugiro que vejam uma série do Netflix, "FIFA: futebol, dinheiro e poder" onde são abordadas décadas de corrupção ou ainda como este organismo cedeu a pressões e interesses económicos, entre eles, a escolha do Catar como anfitrião do Mundial deste ano. Uma polémica entre muitas. Não há fumo sem fogo, por alguma razão chamam à FIFA a "pequena máfia".
Com estas últimas linhas não quero que fiquem com a impressão de que não reconheço valor a Cristiano Ronaldo ou a Messi ou a qualquer outro homem da bola, ou que tenho algo contra o "futebol". Nada disso. Ronaldo é um atleta formidável, um grande jogador de futebol. É impossível não admirar as suas jogadas, os golos impossíveis que marcou. É também uma pessoa que tem contribuído para causas humanitárias, um investidor que tem criado riqueza, e talvez até possua outros atributos positivos que eu desconheço. E o futebol é um grande espectáculo, mesmo se não me empolga, ou interessa cada vez menos. Para não estragar a festa, coibo-me de escrever aqui sobre "o lado negro" do mais televisivo e popular desporto. Sugiro que vejam uma série do Netflix, "FIFA: futebol, dinheiro e poder" onde são abordadas décadas de corrupção ou ainda como este organismo cedeu a pressões e interesses económicos, entre eles, a escolha do Catar como anfitrião do Mundial deste ano. Uma polémica entre muitas. Não há fumo sem fogo, por alguma razão chamam à FIFA a "pequena máfia".
Não ia escrever nada sobre o Qatar, ou sequer Ronaldo, se não tivesse encontrado a fotografia que encabeça este texto e que tão bem sintetiza o seu percurso: um sonho de menino tornado realidade. Neste momento meninos por esse mundo fora ensaiam os seus primeiros toques de bola e um dia serão também, Ronaldos e Messis, candidatos a melhores jogadores de futebol do mundo em discussões tão redondas como uma bola.
Não consegui identificar o seu autor nem o local onde foi tirada.
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