Uma canção da Ucrânia: Plyve Kacha Po Tysyni (Patinho flutuando sobre o Tisyna)


Plyve Kacha Po Tysyni, cantada em Maidan (Vídeo) e pelo mesmo grupo, também aqui. Mesmo depois de ter ouvido outras versões, várias vozes masculinas e femininas, e tonalidades mais modernas, parece-me que esta é a de que gosto mais. O grupo chama-se Pikkardiyska Tertsiya.

Portugal surge bem posicionado nas casas de apostas referentes à edição deste ano da Eurovisão, ainda que não seja propriamente um dos favoritos. Gostei da canção da Maro, nossa representante, que além de ter uma voz peculiar, é acompanhada por um coro que alcança uma harmonia deliciosa. Gostei ainda mais do que descobri depois nos canais da Maro no Youtube, em especial as suas colaborações com Jacob Collier. Se ela vai conseguir uma boa posição, não sei. Se a canção é festivaleira, nem por isso, mas também a de Salvador não era. Sinceramente, é-me um pouco indiferente em que posição fique, talvez por pertencer à geração que mais via o certame e que sempre se habituou a que Portugal obtivesse posições entre o modesto e o miserável. Que ela obtenha o melhor lugar, é o que desejo. Qualquer que seja a pontuação que obtenha, o agrado que tenho em ouvi-la cantar será o mesmo.

Quem lidera a lista de previsões para vencer o Festival Eurovisão da Canção 2022  é a canção representante da Ucrânia. O evento vai acontecer em Turim, na Itália, entre 10 e 14 de Maio. A invasão russa da Ucrânia originou uma onda de solidariedade mundial para com este país do Leste Europeu, de tal forma que até os sites de apostas apontam como favorita para vencer  a sua canção "Stefania", uma mistura hip-hop e folk, da autoria do grupo Kalush Orchestra. A letra é uma homenagem à mãe de um seu integrante.  É simples e alegre, ritmada, fica instantaneamente no ouvido, mas parece-me um pouco banal. O grupo é composto por três folcloristas profissionais que apostam em transmitir ao máximo identidade ucraniana, através também do uso de vestuário e instrumentos tradicionais.

Será que a canção é mesmo a melhor a concurso? Ou será a sua popularidade apenas o reflexo da condenação da invasão de Putin e do apoio ao país invadido? Pode até acontecer que a Ucrânia não possa participar no festival, a evolução do conflito pode ter consequências que não permitam a viagem do grupo até Turim. A alternativa à desistência poderá ser uma actuação à distância, algo semelhante ao que sucedeu com a  Austrália em 2021, devido às restrições de Covid-19 que impediram a equipa de viajar para Roterdão.

Independentemente do mérito ou não da canção, a Ucrânia é um país com tradições musicais inegáveis. Tem centenas de canções folclóricas, para todas as ocasiões e estações, muito melódicas e ricas em instrumentos únicos, quer de sopro quer de cordas.  "Plyve Kacha Po Tysyni" , título que se traduz como "O patinho flutua sobre o rio Tysyni ". A canção ouviu-se no funeral público em Maidan, no dia 21 de Fevereiro, tornando-se conhecida de todo o mundo a partir dos documentários. No Youtube existem imensas versões disponíveis, inclusivé uma que faz parte da série brasileira Desalma. Procurei pela sua história, origem, etc. A melhor explicação que encontrei foi a do site jaime-lukraine.fr, que poderão ler a seguir. É uma canção tradicional mas como foi cantada durante os funerais na praça da Independência, em Kiev, agora é conhecida por isso. No Youtube chamam-lhe "a canção mais triste do mundo".

Hey, plyve kacha po Tysyni
(Oh, patinho flutuando sobre o Tisyna)
Plyve kacha po tysyni
(Patinho flutuando sobre o Tisyna.)
Mamko z Moya, ne lay meni
(Oh, minha mãe, não me julgue)
Mamkko z moya, ne lay meni
(Minha mãe, não me julgue.)

Hey, zalayesh my v zlu hodynu,
(Oh, se você  me julgar na hora escura,)
Hey, zalayesh my v zlu hodynu,
(Se você vai julgar-me na hora escura.)
Sam ne znayu de pohynu,
(Eu não sei onde eu vou morrer,)
Sam ne znayu de pohynu,
(Eu não sei onde eu vou morrer.)

Hey, pohynu ya v chuzim krayu,
(Oh, você irá morrer em terras estrangeiras)
Hey, pohynu ya v chuzim krayu,
(Você irá morrer em terras estrangeiras.
Chto z my bude braty yamu?
(Quem vai preparar uma cova para mim?)
Chto z my bude braty yamu?
(Quem vai preparar uma cova para mim?)
Hey, vyberut my chuzi lyudy,
(Bem, meu querido, você será enterrado por estranhos.)
Hey, vyberut my chuzi lyudy,
(Bem, meu querido, você será enterrado por estranhos.)
Cy ne zal ty, mamko, bude?
(Você não vai se arrepender, mãe?)
Cy ne zal ty, mamko, bude?
(Você não vai se arrepender, mãe?)

Hey, yakby z meni, sunku ne zal?
(Oh, meu filho, como eu poderia não me arrepender?)
Hey, yakby z meni, sunku ne zal?
(Meu filho, como eu poderia não me arrepender?)
Ty z na moyim sercyu lezav,
(Você estava deitado em meu coração,
Ty z na moyim sercyu lezav
(Você estava deitado em meu coração.)

Hey, plyve kacha po Tysyni,
(Oh, patinho flutuando sobre oTisyna)
Plyve kacha po Tysyni
(Patinho flutuando sobre o Tisyna.)

Do site francês:
 
"Plyve katcha" é uma canção popular dos lemky (lemkos), um grupo étnico que vive nos Cárpatos orientais, mais precisamente na actual região da Transcarpácia. A música tem origem literária. O autor da obra poética é o escritor e tradutor Vassyl Grendja-Donskiy, nascido em 1897 na actual Mijhirya, na Transcarpática. Ele é mais conhecido como um dos fundadores da Ucrânia dos Cárpatos (Карпатська Україна), proclamada em 1938 em Khust como uma república autónoma que fazia parte da Tchecoslováquia até 1939, quando as forças húngaras com apoio alemão invadiram para acabar com sua existência.

O estilo e o tema do texto aproximam-se muito de uma obra popular, trata-se de um recruta que se despede da mãe, uma admissão da maldição materna e, como consequência, a morte em um país estrangeiro.

Quanto ao "tysyna", existem várias versões. Um deles fala sobre o rio Tyssa na Transcarpathia. Alguns linguistas encontram raízes na palavra latina “teus”, “calma”. Também evocamos o significado de uma fonte estreita de água, portanto, água calma.

A tradição ucraniana diz que um patinho, um pato simboliza uma força do mal, uma “anti-força” que causa assim a morte do filho.

Fonte do texto, aqui.

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