O cometa do fim do mundo - Leandro Gomes de Barros




Caro leitor vou contar-lhe
O que foi que sucedeu-me,
O medo enorme que tive,
Que todo corpo tremeu-me,
Para falar a verdade
Digo que o medo venceu-me.

Eu andava aos meus negócios,
Na cidade de Natal,
No hotel que hospedei-me
Apareceu um jornal,
Que dizia que no céu
Se divulgava um sinal.

O sinal era o cometa
Que devia aparecer,
Em Maio, no dia 18
Tudo havia de morrer,
Aí sentei-me no banco,
Principiei a gemer.

Gemi até ficar rouco
Fiquei logo descorado,
Depois o sangue subiu-me
Que fiquei quase encarnado,
Imaginando n’um livro
Que um freguês levou fiado.

Disse ao dono do hotel:
Senhor eu estou resolvido,
Antes de 20 de Maio,
Nosso mundo é destruído,
Visto não durar um mês,
Não pago o que tenho comido.

A dona da casa disse-me:
O senhor está enganado,
Se eu for para o outro mundo,
O cobre vai embolsado,
Eu subo, porém em baixo
Não deixo nada fiado.

Me resolvi a pagar,
Foi danado esse processo,
Não paguei, tomaram à força,
O que é verdade, confesso,
Se havia de morrer de desgraça
Antes morrer de sucesso.

Tratei de tomar o trem
E seguir minha viagem
Disse: - Vai tudo morrer
Para que comprar passagem?
Inglês vai perder a vida,
Perca logo essa bobagem.

O condutor perguntou-me:
- Sua passagem, onde está?
Eu disse: - Na bilheteira,
Quando eu vim, deixei-a lá.
Não comprou? – perguntou ele,
Pois paga o excesso cá!

Eu lhe disse: - Condutor,
O mundo vai se acabar,
Para que quer mais dinheiro,
É para lhe atrapalhar?
A mortalha não tem bolso,
Onde é que o pode levar?

Chego em casa muito triste,
Achei a mulher trombuda,
Perguntei: - Filha, o que tem?
Respondeu-me, carrancuda:
- Ora, a 18 de maio
O mundo velho se muda!

Perguntei: - Tem jantar pronto?
Venho com fome e cansado,
Desde ontem, respondeu-me,
Que o fogão está apagado,
Devido a esse cometa
Não querem vender fiado.

Eu estava tirando as botas
Quando chegou um caixeiro,
Esse vinha com a conta,
Que eu devia ao marinheiro,
Eu disse: - Vai morrer tudo,
Seu patrão quer mais dinheiro?

Fui falar um fiadinho,
Que eu estava de olho fundo,
O marinheiro me disse:
- Já por ali, vagabundo!
Eu disse: - Venda Seu Zé,
Que eu pago no outro mundo!

A 19 de maio,
Quando acabar-se o barulho,
Eu hei de ver vosmecê
Que o senhor vai no embrulho,
Só se esconder-se aqui
Debaixo de algum basculho.

Quero 10 quilos de carne,
Uma caixa de sabão,
Quatro cuias de farinha,
Doze litros de feijão,
Quero um barril de aguardente,
Açúcar, café e pão.

Manteiga, azeite e toucinho,
Bacalhau e bolachinhas,
Vinagre, cebola e alho,
Vinte latas de sardinhas,
Duas latas de azeitonas,
Umas dezoito tainhas.

O marinheiro me olhou,
E exclamou: - Oh! Desgraçado!
Então inda achas pouco
Os que já tens enganado,
Queres chegar no inferno,
Com isso mais no costado?

Eu disse: - Meu camarada,
Isso é questão de dinheiro,
Ganha quem for mais esperto,
Perde quem for mais ronceiro,
Aonde foram duzentos
Que tem que vá um milheiro?

Perguntei ao marinheiro:
- Não faz o fiado agora?
O marinheiro me disse:
- Vagabundo vá embora!
Eu lhe disse: - Pé de chubo,
Você morre e está na hora.

Voltei e disse à mulher:
- Minha velha, está danado.
O cometa vem aí,
De chapéu de sol armado,
Creio que no dia 18,
Lá vai o mundo equipado.

Deixe ir lá como quiser,
A cousa vai a capricho,
Comer, nem se trata nel,
Nossa roupa foi ao lixo,
Vamos ver se lá no céu
Tem onde matar-se o bicho.

Fui onde vendiam fato,
Comprei uma panelada,
Comprei mais um garrafão
De aguardente imaculada,
Disse a mulher: - Felizmente,
Já estou de mala arrumada.

A 17 de maio,
A fortaleza salvou,
Eu comendo a panelada
Que a velhinha cozinhou,
Quando um menino me disse:
- Papai, o bicho estourou!

Aí eu juntei os pratos,
Embolei todo o pirão,
Botei o caldo num pote,
Peguei-me com o garrafão,
Me ajoelhei, rezei logo,
O ato de contrição.

A mulher disse chorando:
- Meu Deus, fica a panelada.
Disse o menino: - Papai,
Onde está a imaculada?
Eu disse: - Filho sossega,
Aqui não me fica nada.

E me ajoelhando aí,
Tratei logo de rezar
O ato de confissão,
Senti um anjo chegar
Dizendo reze com fé
Ainda pode escapar.

Aí disse eu:

— Eu beberrão me confesso a pipa,
a bem-aventurada imaculada de Serra
Grande, ao bem-aventurado vinho de
caju, a bem-aventurada genebra de
Holanda, vinhos de frutas, apóstolos de
deus Baccho, e a vós, oh caxixi que
estais à direita de todas as bebidas na
prateleira do marinheiro. Amém.

Quando eu acabei de orar,
Olhei para amplidão,
Ouvia dançar mazurca,
Cantar, tocar violão,
Era um anjo que dizia:
- Bravos de tua oração!

Aí um anjo chegou,
Com uma túnica encarnada,
Disse: - Sou de Serra-Grande,
De uma fazenda falada,
Eu sou o que cerca o trono
Da gostosa imaculada.

Sr. Láu, o proprietário,
Do reino onde ela mora,
Me mandou agradecer-lhe,
A súplica que fez agora,
Aí apertou-me a mão
E lá foi o anjo embora.

Aí eu disse: Mulher,
Visto termos nos salvado,
Desmanchemos nossas trouxas,
Já estava tudo arrumado,
Toca comer e beber,
Foi um bacafu danado.


Leandro Gomes de Barros, o autor, é considerado o pai da literatura de cordel, tendo escrito aproximadamente 240 obras.19 Novembro 1865 (Pombal) - 04 Março 1918 (Recife)

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