Don't look up - todo o filme catástrofe começa com o Governo a ignorar um cientista

 


A cada vez que chamam “genial” a “Don’t look up”,  um cometa despenha-se sobre a minha cabeça. Gostem. Gostem muito. Mas...genial? Ó gente, não acham que estão a exagerar uma beca? Ainda ontem escrevia que sim, sim, que o filme reflete a realidade. Isso parece ter empolgado muitos. Mas que o espelho do meu WC também reflete a minha cara. O que tem isso assim de tão genial? E se eu posso ser absurda! Era uma ideia gira, era, saber o que aconteceu à raça humana que nem perante a eminência da extinção é capaz de se unir em torno da solução. Já a constatação de que perante o anúncio de um desastre nada se faz, nem o Governo, nem os media, nem quem podia agir, não será assim uma grande novidade, pois não? Olha o meme: “ Todo o filme catástrofe começa sempre com um cientista a ser ignorado pelo Governo.”. Esta realidade a gente conhece bem. Quando avisados sobre potenciais perigos, ainda que por “especialistas”, protela-se, empata-se, remedeia-se até a corda estar no pescoço. Então é, muitas vezes, demasiado tarde.

O par de cientistas do filme está sozinho na sua verdade, que ninguém quer ouvir. Porquê esta rejeição da ciência que nos é tão familiar? O filme não dá respostas, apenas lança a questão com estrépito cósmico. Di Caprio quase rebenta nesse momento do filme que até aí, entre a pouca graça e a graça nenhuma, os memes, as imagens dos animaizinhos, a canção da Grande, as personagens mal desenvolvidas e/ou excessivas, e o “Vamos todos morrer”, já estava morto para mim. O cientista, em desespero, bate-se pelo valor da verdade na televisão cor-de-rosa onde não se gosta de tristeza: “Se não podemos todos minimamente concordar que um cometa gigante do tamanho do Monte Everest em rota de colisão com o planeta Terra não é uma coisa boa, então o que raio aconteceu connosco? Quer dizer, meu Deus, como podemos falar uns com os outros? O que fizemos? Como vamos consertar isso?”

Acho que podemos todos minimamente concordar que o filme parte da realidade caricata que vivemos onde dados científicos são ignorados e até combatidos quer digam respeito a vírus, clima, vacinas, ou qualquer outro tópico. Para muitos, a ciência apenas serviu para nos trazer até onde estamos. A partir daqui, na Era do Idiota, cada um tem direito a construir a sua verdade muito pessoal. A sátira é-nos, pois, familiar, uma fatia do absurdo do nosso tempo, que conhecemos bem das redes, dos media e até do nosso meio. Di Caprio bem pode esganiçar-se a perguntar como vamos resolver este dilema. Mas este não é o filme da “Branca de Neve” e o espelho está mudo: não há respostas nem para ele nem para nós.

Don’t look up é mau? Não. É apenas um desperdício. Podia ser um filme inspirador mas ninguém vai mudar o seu comportamento depois de o ver. Podia despertar consciências mas era preciso ter mostrado mais do que aquilo que já sabemos. Podia não ser nada disso mas ao menos podia ter-nos feito rir com gosto. Estou a pedir demasiado a Mckay? Não creio. Em The big short, outro seu filme também repleto de nomes conhecidos, também uma comédia sobre um apocalipse, - a eminência de um desastre financeiro capaz de afundar toda a economia dos EUA a partir da implosão do mercado imobiliário – o realizador explorou habilmente a complexa questão central, bastante ingrata e hermética para muito público, usando de uma direção hábil, uma edição dinâmica, e dirigindo personagens sólidas que tornam a experiência tão divertida quanto informativa e acessível. Não é um filme genial, - gosto de usar o "genial" com parcimónia - mas é muito mais certeiro que este.

Como ninguém consegue falar com ninguém sobre coisa nenhuma, - foi dito por um cientista, na TV, deve ser verdade - nem cometas destruidores de planetas, nem política, nem futebol, nem filmes, vozes divergentes sobre Don’t look up, como a minha, são logo rotuladas como intelectuais ou pretensiosas, incapazes de ver além da sua bolha, ou até de perceber o filme, por quem o achou genial. Mas, gente, é apenas um filme. Poderemos sempre não concordar uns com os outros que a vida não acabará no planeta por causa disso. Se fosse uma crítica de cinema dava-lhe duas estrelas, como não sou dou-lhe dois cometas e meio.


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