Cinema no Netflix: vi Mudo, o filme de Duncan Jones que mais vale esquecer



Mais um filme para a minha colecção de grandes decepções. Trata-se de Mudo, realizado por Duncan Jones. Tudo acontece em Berlim, lá para o ano 2050. Justin Theroux, o Kevin Garvey da série The Leftovers, está irreconhecível sob uma peruca loira muito pouco realista. Ele é Duck, um cirurgião americano especialista em próteses avançadas na sua clínica infantil aproveitando o espaço e a tecnologia para dar largas à sua fraqueza como pedófilo. Gosta da sua vida na Berlim do futuro, onde soldados americanos fugidos encontraram refúgio e são constantemente procurados. Paul Rudd, o divertido Homem Formiga, é Cactus, também cirurgião, e aparece aqui bem disfarçado sob farta bigodaça e cabelo desalinhado. Ao contrário do amigo, com quem partilhou experiências de guerra em Cabul, ele detesta Berlim e não vê a hora de deitar mão aos documentos que lhe dão uma nova identidade, para assim poder regressar aos EUA com a filha. Na cave da sua moradia ele atende aos pedidos de Maksim, dono de um clube, que lhe permitirá acesso aos papéis de identidade a troco de servicinhos: Cactus extrai balas a indivíduos duvidosos que trabalham para Maksim ou então realiza actos de tortura para sacar informações a vítimas. Fiquei a pensar se não será este o papel menos virtuoso de Rudd já que por norma interpreta sempre personagens muito simpáticas. Cactus tem uma filha, Josie, que pouco ou nada fala, desenhando ao longo de todo o filme para se entreter. A míuda ou fica a cargo de uma nanny ou anda ao colo do pai para todo o lado, inclusivamente para um bordel, onde as prostitutas também fazem as vezes de nanny

O protagonista é Leo, interpretado por Alexander Skarsgård, um empregado de bar que leva uma vida simples, entre a piscina, a casa onde ouve música num gira-discos antigo, o seus desenhos, e a garagem onde faz marcenaria. Ao longo do filme ainda diz menos palavras do que Arnold Schwarzenegger no Terminator. Ele era uma criança amish quando, num lago, é apanhado pelas hélices do motor de um barco. Fiva mudo porque a mãe confiou que Deus trataria melhor dele que os cirurgiões. Ainda bem que não disse "I'll be back", é apenas o que me ocorre dizer. Um mudo não tem de compensar com tiques faciais a impossibilidade de falar mas é isso que ele faz: representar com os olhos. É um actor capaz mas aqui reduz-se quase nada mais do que um peão da história: todos com quem contracena são mais interessantes! Quando a namorada de cabelo azul, a sua enorme paixão, que serve às mesas no clube, Naadirah, desaparece, ele enceta uma busca por ela. Já sabíamos que ela tinha segredos, ela tinha-o avisado, e outros também o tentaram avisar. Fiquei sem perceber para que é que ela precisava de dinheiro: devia ser um dos seus segredos que o filme guardou bem Mas, ele, apaixonado, continuava a esculpir contas de madeira e até uma cama com golfinhos e outros elementos do mar, como prova do seu amor. Ora, se ele não a tivesse impedido de falar, não teria havido história e isso teria sido bom: não teria havido o filme.  Muitas buscas depois, afinal a filha de Cactus era dela e ela era dele. De pista em pista, de lugar em lugar, de encontro em encontro, mas sem grande excitação - imaginem ir a uma biblioteca e requisitar uma dúzia de listas telefónicas para lá procurar por um número de telefone com uma lupa! - Leo foi-se aproximando da verdade: o amor da sua vida estava morto. Então o aparentemente calmo e controlado amish  procede à vingança. O empregado de bar, que fervia em pouca água quando o assunto era a sua paixão, começa a distribuir porrada. Já tinha roubado o Mercedes de estimação a Maksim, o russo que era dono do clube. Tínhamo-lo visto guiá-lo aos solavancos, enquanto perseguia um carro voador! Perseguir é uma forma de expressão...Leo começa metodicamente a eliminar os responsáveis pela sua desventura. A morte de Cactus é explorada com requinte e demora: fica a agonizar minutos numa poça de sangue com uma faca atravessada na garganta. A sua ferida espelha o ferimento de Leo, em criança. Mas para quê? E mesmo no fim, como se ainda não soubéssemos, o filme continua a lembrar-nos que o seu amigo é pedófilo: é essa a última recordação de Cactus. E quando se pensava que já estávamos no fim de todo este sortilégio, mais uns minutos de agonia para o cinéfilo: filme que começa a meter água, tem de acabar a meter água. Depois do acidente de Leo, Duck, é afogado pelo amante destroçado, cujo super fôlego lhe permite o crime perfeito. Leo perde um amor e ganha outro amor: Josie parece ter criado uma forte ligação com ele em virtude de um desenho que lhe ofereceu meio filme antes. No desenho um urso pai levava ursinho pela mão. Uma ternura.

Fiquei desapontada com este filme sobretudo por ter saído da cabeça de David Jones que fez dois filmes muito recomendáveis: Moon e Source Code. O que eu gostei mais foi de ouvir ecos da música de Bowie na banda sonora e de ver Paul Rudd na pele de Cactus: é ele que basicamente segura o filme através da sua personagem simultaneamente cómica e vil. Visualmente o filme sabe mais a um déjá vu do que a uma homenagem a outros filmes. Talvez seja o carácter ostensivo dessas imagens que se torna cansativo: os exteriores lembram Blade Runner, os dois amigos médicos lembram personagens de MASH...

Quando o filme termina, - e eu já queria que tivesse acabado antes disso, - nos créditos lemos que Duncan o dedica ao pai e à nanny que tomou conta dele quando os pais se divorciaram. O filme joga com problemas diversos: a paternidade, a pedofilia, o choque de culturas, o ser diferente. Mas nada disso é verdadeiramente explorado. Nem consegui entender bem o alcance da dedicatória! Talvez não houvesse nenhuma ligação dela ao conteúdo. Mas também não fiz grande esforço, só queria esquecer-me do que tinha visto. 

O filme parece inspirado nos filmes noir mas como Duncan gosto de ficção científica, em vez do o centrar no passado, deslocou a acção para o futuro. Mas o futuro já é velho para quem quer que vá ao cinema. No futuro pedimos comida com o telemóvel, o drone localiza-o e traz-nos a "Fly Meal" à mesa, onde quer que estejamos. Os carros é sabido que evoluíram e voam, pelo menos desde Blade Runner, os androides dançam no varão, há tecnologia de reconhecimento facial em todo o lado, as próteses permitem que os seres humanos substituam tudo, desde pernas até cordas vocais danificadas em acidentes, ou mamas, de tirar e por, que os prostitutos bem aproveitam. O futuro aqui foi apenas um desperdício de dinheiro, mas como foi a Netflix que abonou, Duncan pode brincar à vontade.

Mute é dos filmes mais chatos e desinteressantes a que assisti nos últimos tempos. Porque é que não fecho a TV e desisto em vez de ficar a ver até ao fim quando não estou a gostar é coisa que me escapa.  Quando acabou, só me apetecia gritar. A propósito, a  minha cena favorita de Mute é quando Leo está na piscina e grita debaixo de água. Só assim ele consegue ouvir-se, vendo o rasto de bolhas de água subir. O trailer faz do filme uma fita potencialmente interessante. Duncan Jones fez bons filmes. Caí que nem um Duck. Não façam como eu. Não sejam patinhos.


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