A Árvore das Botas
Por razões várias cheguei à antevéspera de Natal sem decorações natalícias em casa, e, como muitos de vós, com afazeres de última hora a acumularem-se. Uma mudança de planos levou-me à constatação de que seria meio triste receber familiares numa casa tão nua de decorações ainda que plena de espírito natalício. Vontade de ir à garagem catar caixotes e sacas em busca da árvore e decorações é que não havia. Nem vontade nem tempo. Então lembrei-me da árvore da Svetlana! Mas é claro! Fazia uma num instante.
Depois das livrarias e das casas que vendem materiais de pintura e papelaria, as lojas de materiais de artesanato e bricolage são as minha predilectas para deambular. Ao longo de anos de prospeção acumulei uma arca de materiais de artesanato que já davam para abrir e manter a funcionar um canal de "crafts" no Youtube por um ano. Tinha tudo o que era preciso.
Num Dezembro qualquer de há muito tempo, fui com a Ana, uma colega de formação que então frequentava, a casa da Svetlana. Pouco fiquei a saber da Svetlana: era uma jovem bonita, tinha acabado de casar com um português, e estava talvez a viver o sonho de uma feliz vida a dois na Coimbra dos amores, ali para os lados dos Palácios Confusos. De palácio a sua casa nada tinha: era velha por fora, escura por dentro, mas subidas as escadas, logo no hall de entrada, de onde não passámos, irradiava espírito festivo. Sobre uma estreita mesa iluminada pela luz que descia do tecto, de pé, uma inesperada árvore de Natal.
O itinerário da busca por materiais contemplava armários, gavetas e caixas obrigando-me a corropiar pela casa toda. Abrir, fechar. Fechar, abrir. Remexer, escolher, despejar. Ah, uma casa inteligente com um browser digital incorporado! O Elon Musk devia pensar nisso! Espreitava o relógio pelo canto do olho entre um armário que fechava e outro que abria e pensava que esta aventura ainda ia correr mal. As gavetas encalhavam ao fechar, as caixas de arrumação transformavam-se em caixas de desarrumação uma vez abertas! Mas, de azevinho prateado em punho, que nem sabia que guardara de Natais passados, esta roda-viva afigurava-se-me bem melhor do que descer à garagem para ir buscar o pinheiro, as bolas, as grinaldas, as luzes. E depois montar tudo? E o lixo que aquilo faz? E o elevador que estava avariado?
Nunca tinha visto uma árvore assim, pensava eu, enquanto as duas conversavam num idioma impenetrável: o Natal da Svetlana chegaria apenas em Janeiro. Os anos passaram e quando a quadra natalícia se aproximava, eu, que apenas conhecia o Gato das Botas, recordava a árvore das botas da Svetlana e pensava que tinha de fazer uma para mim!
Esbaforida, entre preces e imprecações, lá fui reunindo o feltro, a lã, a espuma, a cola, a tesoura, e tentando imaginar uma combinação harmoniosa com o que tinha à mão. Finalmente, a meio da tarde, sentei-me no chão e dei início ao afã criativo.
Nunca mais vi a Svetlana, não sei se foi feliz para sempre na casa velha nos Palácios Confusos. Uns anitos depois a Ana também casou com um estrangeiro e abalou de Portugal. Nunca mais a vi.
Esboçar, medir, cortar, colar. Os minutos gastavam-se num sopro mas tudo corria lindamente: a Árvore das Botas ganhava forma. Até que esbarrei na solução que imaginara para o corpo cónico: enrolar o fio verde de lã mesclada não surtia o efeito pretendido. E agora? Ir à loja de artesanato? O quê? Pentear-me? Vestir-me, calçar-me? Descer e subir as escadas? Perderia tempo precioso de que necessitava para alindar e limpar a casa! E havia ainda os "mexidos" para preparar! A solução tinha de ser encontrada debaixo de tecto! E foi! Veio na forma macia e fofa de pompoms! Pompoms!
E foi assim que acabei sentada na carpete da sala a fazer 200 mini-pompoms enquanto ouvia canções de Natal. Quanto tempo me levou esta repetitiva tarefa é algo que podem tentar adivinhar, sabendo que, perto da meia-noite eu, que tanto tinha querido evitar canseiras e poupar tempo, ainda andava de pistola de cola-quente em punho a dizer mal da minha vida de artesã.
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