Squid Game, no Netflix, é o verdadeiro "jogo do mata"?
No recreio da minha escola primária decorreram intensos campeonatos "de vida ou de morte". Riscavam-se as linhas no chão com um calhau. Eram profundas pois todos os dias lhes dávamos um retoque. O campo de jogo era dividido em duas áreas e formavam-se duas equipas de cachopada. Talvez se tirasse à sorte qual a equipa que começava e quem era o piolho, já não me recordo. Os jogadores eram escolhidos um a um.
A bola era trocada entre os elementos em campo e o seu respectivo piolho, que alternavam com os adversários, em áreas desencontradas. O objectivo do jogo era matar os jogadores adversários e escapar à morte por meio da bolada. Se a bola nos tocava e caía ao chão morríamos e íamos para o cemitério. Se a agarrávamos podíamos matar o adversário. O morto ia para o lugar do piolho e esse adversário entrava então no jogo. Os seguintes mortos acumulavam-se na zona do piolho, o cemitério. Ambos, piolho e demais elementos, podiam matar. A primeira equipa a ser dizimada, isto é morta, perdia o jogo. O jogo terminava quando uma equipa conseguir “matar” todos os adversários. O campo era grande e quando já só restava uma criança ágil em jogo era por vezes difícil finalizar a partida, à qual a sineta impunha o término, para nosso desgosto colectivo.
Quando eu pensava que jogos no recreio eram história, que agora os miúdos, mesmo os mais miúdos, só querem olhar para o telemóvel, descubro notícias sobre crianças de 11 e 12 anos - por exemplo, na escola municipal de Erquelinnes Béguinage Hainaut, na Bélgica, - que estão a reproduzir os jogos que viram na série coreana Squid Game nos intervalos das aulas, agredindo fisicamente os colegas que perdem o jogo. Na Coreia, país onde foi produzida, a série destina-se a maiores de 18 anos, no Canadá é para maiores de 14. Em Portugal é para ser vista por maiores de 16 anos.
A bola era trocada entre os elementos em campo e o seu respectivo piolho, que alternavam com os adversários, em áreas desencontradas. O objectivo do jogo era matar os jogadores adversários e escapar à morte por meio da bolada. Se a bola nos tocava e caía ao chão morríamos e íamos para o cemitério. Se a agarrávamos podíamos matar o adversário. O morto ia para o lugar do piolho e esse adversário entrava então no jogo. Os seguintes mortos acumulavam-se na zona do piolho, o cemitério. Ambos, piolho e demais elementos, podiam matar. A primeira equipa a ser dizimada, isto é morta, perdia o jogo. O jogo terminava quando uma equipa conseguir “matar” todos os adversários. O campo era grande e quando já só restava uma criança ágil em jogo era por vezes difícil finalizar a partida, à qual a sineta impunha o término, para nosso desgosto colectivo.
Quando eu pensava que jogos no recreio eram história, que agora os miúdos, mesmo os mais miúdos, só querem olhar para o telemóvel, descubro notícias sobre crianças de 11 e 12 anos - por exemplo, na escola municipal de Erquelinnes Béguinage Hainaut, na Bélgica, - que estão a reproduzir os jogos que viram na série coreana Squid Game nos intervalos das aulas, agredindo fisicamente os colegas que perdem o jogo. Na Coreia, país onde foi produzida, a série destina-se a maiores de 18 anos, no Canadá é para maiores de 14. Em Portugal é para ser vista por maiores de 16 anos.
Noutra Escola Primária, a John Bramston, em Ilford, as crianças que assistiram ao programa fingem atirar umas nas outras, simulando as execuções dos guardas de Squid game. A escola enviou cartas aos pais lembrando que o programa foi classificado para maiores de 15 anos: não é adequado para crianças da escola primária. As representações dos comportamentos violentos da série no recreio não seriam toleradas. Outra escola, a Sandown School em Deal, Kent, oferece aulas extras sobre violência e danos online em resposta à popularidade de Squid Game.
Quando éramos crianças e brincávamos aos índios e cowboys, a brincadeira também tinha sido aprendida no cinema, talvez com o John Wayne, ou na BD com o Lucky Luke, ou com os irmãos mais velhos. Tínhamos aprendido que os índios eram os selvagens, os maus, e os vaqueiros brancos, os bons, os civilizados. Não sabíamos que o problema era a luta pelo domínio da terra: os índios estavam a ser chacinados pelos brancos que queriam a sua terra para si. Quando na festa de aniversário do Pedro os rapazes começaram a brincar assim, com chapéus, lenços e pistolas, as meninas não foram convidadas. Eu devia ter 10 anos e talvez me tenha sentido mal por ter sido excluída, ou talvez me tenha sentido bem por não ter de fazer parte de um jogo onde se usavam armas, ainda que de brincar, para atirar em pessoas, ainda que fosse tudo a fingir, uma brincadeira. Não faço ideia.
Lembro-me, isso sim, claramente, de muitas vezes ter o acesso vedado à TV pelos meus pais: não era para a minha idade, diziam eles. Naquela época era fácil: o único ecrã era o da TV. Hoje brincar aos índios e cowboys deixou de ser popular e não apenas porque as pistolas de estalidos deram lugar às NERFS de esponja. Mas personagens - ou jogadores - que tentam matar outras personagens de mil maneiras encontram-se ao pontapé em enredos de filmes, séries e jogos de vídeo, envolvendo vilões, super-heróis, polícias e seres fantásticos ou pessoas aparentemente normais, nem sempre sendo sancionados pelos seus actos, por vezes até celebrados. E com os omnipresentes ecrãs, vedar o acesso das crianças ao que quer que seja é muito mais difícil. Tive uma infância protegida pois a violência no ecrã era bastante censurada, havia um único ecrã em casa e pais atentos. Tudo isso mudou.
A pensar nas crianças, o Netflix apresenta uma classificação etária para cada programa e também disponibiliza a possibilidade do controlo parental sobre os conteúdos. Quando um filme ou série ou vídeo se tornam populares o acesso pode fazer-se de múltiplas maneiras e se os miúdos quiserem ver o programa de que todos falam, eles irão ver no PC, no telemóvel, no deles ou dos amigos. A melhor táctica para lidar com estes desafios é sempre o diálogo: pais e educadores devem inteirar-se sobre estes fenómenos e falar deles com os filhos, esclarecendo o que é realidade e o que é ficção, clarificando o que está bem e o que está mal nas imagens, pois assim eles terão informação relevante e significativa no momento em que resolvam aceder ao "fruto proibido". Depois é esperar que corra pelo melhor.
O impacto das imagens violentas na TV é estudado talvez desde que a TV nasceu. Nem é preciso pensar muito: sabemos que as crianças imitam naturalmente o que veem mas há estudos que referem que as crianças, talvez umas mais do que outras, se tornam insensíveis à violência real depois de serem expostas a ela no ecrã, ( mas não sei que "quantidade" dela) ou que crescem mais inseguras ou até mais agressivas para com os seus semelhantes. Se a violência torna ou não as crianças mais agressivas, não sei, mas acho que não se deve ignorar essa hipótese. Sobretudo porque a violência está muito presente no entretenimento sendo, em muito dele, banalizada. O facto da violência fazer parte da vida - infelizmente, na escola, na família, no espaço de trabalho, na rua, etc - não significa que uma cultura de não violência não seja um bom objectivo e, muito menos, que a violência deva ser menosprezada ou desculpada e encarada como algo normal com que temos de necessariamente conviver. Será que as crianças entenderam porque os guardas cor de rosa não deviam ter executado os jogadores? Ou serão - na era Netflix - os jogadores de Squid Game o equivalente dos "índios selvagens" que julgávamos merecer a morte quando éramos miúdos? Não creio que haja nesta imitação dos jogos coreanos por parte das crianças um perigo imediato, ninguém vai matar, ninguém vai morrer, tal como não havia quando se brincava aos índios e cowboys. Mas há consequências para quem vê violência sem estar preparado para a descodificar, seja criança, jovem ou adulto, e no caso das crianças há certamente um equívoco. Uma série que mostra execuções em massa, extração de orgãos, suicídio, agressões, entre outras delicadezas, não devia ser vista por crianças, não há ali nada que lhes faça bem, algumas poderão até ficar bastante perturbadas, - eu fiquei - e isso é algo que devia merecer a atenção de pais e educadores.
Os números não mentem, é o que se diz. Squid Game, estreou a 17 de Setembro e é a série mais vista do momento em pelo menos 90 países de todo o mundo. Os números impressionam e acabam por influenciar mais visualizações, ao mesmo tempo que acabam por criar a ilusão de que popularidade equivale a obra-prima. É muito hype, e pouca uva, acreditem. E há também a forma como o Netlfix mede o sucesso. O canal acaba de anunciar que vai mudar a forma como contabiliza visualizações. Até 2020, as pessoas tinham de assistir a 70% do conteúdo, depois disso bastavam 2 minutos e já contava como visto. Agora dizem que vão fazer mais alterações: as visualizações serão medidas pelo número de horas que um filme, ou série, foi assistida. Parece mais justo.
Toneladas de produtos inspirados por Squid Game estão
a ser produzidos na China: um exemplo
Squid Game foi criada por Hwang Dong-hyuk, tem apenas 9 episódios, e até podia ser mais curta. Nela, centenas de adultos perdem a vida ao jogarem jogos infantis como o Macaquinho do Chinês. "Ser eliminado" é literalmente morrer. Os jogadores morrem em consequência do jogo ou são executados por mascarados vestidos em macacões rosa choque após terem subido uma escadinha num cenário colorido que faz lembrar as criações do holandês M.C. Escher, ao som do Danúbio azul, uma valsa de Johann Strauss II. Os ricos podem tudo, até inventar uma competição cruel onde se divertem apostando na sorte daqueles que aceitaram jogar/apostar a sua vida em troca de uma fortuna e assim verem resolvidos os seus problemas. O infortúnio destes que não têm como pagar as suas dívidas ou suprir as suas necessidades e de seus familiares, mercê de circunstâncias várias, foi transformado em espectáculo transmitido por streaming - e alguns dos seus executores ainda lucram com o tráfico de orgãos retirados dos jogadores saudáveis mortos. Ao longo de 6 jogos o número de jogadores passa de 456 para 1. Esse, o grande vencedor, regressa a casa com um cartão bancário que lhe dá acesso a uma fortuna.
Eu, habituada a ver cinema coreano desde o tempo em que os americanos nem sabiam que existia, habituada a coisas estranhas e violentas, habituada às infames legendas, ainda não recuperei do massacre inicial do jogo Macaquinho Chinês cuja barbárie me fez lembrar a dos circos romanos. O desafio é regido por regras elementares. O facto dos jogadores não terem sido claramente informados do que significava serem "eliminados" quando aceitaram jogar transforma o primeiro jogo num desafio iníquo e chocante. Depois, há um nexo abjecto entre a facilidade dessas execuções e o que as justifica, na palavra do próprio criador dos jogos, no episódio final, a diversão dos muito ricos, porque ter muito dinheiro redunda em tédio. Talvez esteja a ficar velha para tais leviandades, talvez já tenha lido demasiadas legendas, mas senti-me abusada, achei que tinham ido longe de mais no teste à minha capacidade de digerir violência para me divertir. É o pior momento de toda a matança que a série propõe, uma e outra vez, seis vezes. É-o porque o jogo é muito familiar, jogámo-lo no recreio tantas vezes; é-o porque naquele momento as pessoas que ali estão são ainda inocentes, não sabiam que perder o jogo era perder a vida; é-o porque nos lembra de execuções sumárias acordando atrocidades várias. É-o ainda mais quando, mais tarde, justificam o massacre com ideias de igualdade sendo que a competição não passou afinal de uma excêntrica e criminosa diversão de gente rica.
O argumentista e realizador disse que em 2008, altura em que tentou avançar com este projecto, não obteve apoios para tanto. Diziam-lhe que os espectadores achariam este espectáculo grotesco e não estariam prontos para ele. A série coreana Kingdom, a que assisti o ano passado, também é bastante violenta e tal como Squid Game não encontrou inicialmente apoio por parte das televisões coreanas para a sua produção, apenas sendo tornada possível pelo Netflix. Possuindo valores estéticos que Squid Game não tem e uma narrativa mais elaborada assente num período a histórico da Coreia, não se tornou um fenómeno embora tivesse sido aclamada até por quem detesta zombies, o meu caso, que segui as duas temporadas e episódio extra com grande interesse. Squid Game, que é mais próxima da nossa contemporaneidade, menos cerebral, ultrapassou Kindgom, quanto a mim muito mais merecedora da atenção do "mundo" telespectador. As explicações dadas pelo realizador para a aceitação da violência até na pandemia encontram razões - ela, a pandemia, acentuou a desigualdade - e Trump esteve no poder. A vida é uma luta pela sobrevivência, que no mundo civilizado se traduz em sobrevivência financeira. Em todos os países existem pessoas desesperadas. As que o estão e as que têm medo de o vir a estar. E nunca foi tão evidente a forma como os ricos brincam com os pobres deste mundo. E porque é assim, a violência crua e explícita de Squid Game encontrou uma justificação e já pode ser aceite em televisão.
Por experiência própria, evidentemente, creio poder dizer que à medida que nos foram sendo servidos conteúdos mais violentos nos fomos tornando menos reactivos à violência que nos mostram em filmes e séries. Mas ser violento, ou insensível à violência na vida real, será talvez menos consequência da influência da ficção, e mais daquilo que vivemos e nos formou. Seria fácil usar a TV ou o cinema como desculpa, mas nós somos adultos com a obrigação de saber traçar uma linha entre realidade e ficção, e de controlarmos os nossos instintos mais primários. A popularidade de Squid Game talvez indicie que tenha havido uma habituação/normalização da violência como espectáculo: é mais nisto que acredito e não na explicação social que o argumentista-realizador deu.
Em todo o caso, devíamos questionar por que razão a violência se tornou tão omnipresente na ficção. Uma resposta possível é: porque nós deixámos. A violência explícita de Squid Game foi uma escolha. A história podia ter sido contada de outra forma. A pobreza não é um assunto que renda muito interesse junto de vasto público, mas juntemos à equação uma boa dose de violência e logo passa a ser atractiva. Sem ela não compreenderíamos a realidade dos seus protagonistas? É evidente que na Coreia, no mundo inteiro, estar desesperado com dívidas e não ter dinheiro para as pagar é uma realidade para muitos. Ou estar doente e não ter dinheiro para pagar medicamentos ou ir ao médico. Ou querer ajudar um familiar e não ter como. Bem sabemos que as oportunidades das nossas sociedades não são iguais e justas para todos, em qualquer país, em maior ou menor grau.
Subjacente a Squid Game está uma crítica à desigualdade de classes e ao dinheiro em si mesmo, à sua capacidade de dividir, de voltar as pessoas umas contra as outras, e de alienar e perverter. A vida real é cheia de dificuldades para a explorada classe trabalhadora coreana. Mas por esse mundo fora, a quantos não passará pela cabeça que era melhor estar morto, e quantos não se mataram em desespero, apesar de se dizer que enquanto há vida, há esperança. Os desafortunados jogadores de Squid Game lutam entre si em vez de lutarem contra os ricos que os exploram. E quando, finalmente, o vencedor ganha uma fortuna, não toca no dinheiro durante um ano: é acometido por uma depressão talvez porque o preço da sua vitória foi pago em vidas humanas.
Questiono, todavia, se na vida real metade desses pobres desesperados estaria disposta a morrer para ter dinheiro, ou mesmo a matar para ter dinheiro. Essa é a percentagem de jogadores que, depois de ter sobrevivido à matança e ao ficar a saber ao que vai, quando lhe é dada possibilidade de regressar a casa, decide continuar a jogar. Infelizmente todas as semanas o naufrágio de barcos de migrantes é notícia, gente que afinal arrisca a vida numa jogada que tem mais de sorte e azar que de estratégia, e que acaba muitas vezes na morte. E quanta vezes a violência real não é mais crua e surpreendente que a mais cruel das ficções: ainda não me saiu da cabeça o caso das 4 jovens brasileiras que atraíram a amiga para um lanche e a estrangularam só porque uma delas queria descobrir se era psicopata. Apesar de tudo isto, a facilidade com que tantos validam positivamente a violência grotesca de Squid Game como divertimento incomoda-me, é quase como se fossemos os parentes pobres dos mascarados ricos que se divertem a ver os jogos, afinal ainda não ultrapassámos verdadeiramente o prazer que os nossos antepassados romanos tinham pelos jogos mortais no circo.
A chegada desse tal grupo selecto de mascarados ricos ao recinto para assistir aos dois últimos jogos "ao vivo" e não via streaming, marca um dos momentos mais fracos da série, com diálogo péssimo e cenário pouco inspirado. Outro teria sido o motim no dormitório, uma oportunidade pouco explorada quanto a dinâmicas possíveis entre os grupos e algo ingenuamente resolvida. A partir da chegada os visitantes a previsibilidade e a repetição instalam-se na narrativa. Histórias secundárias concluem-se sem grande efeito útil, e no final, sem brilho, que se arrasta, o protagonista Gi-hun, que começou por nos ser apresentado como péssimo pai e filho, esquece a filha que espera a sua visita nos EUA e cujo respeito precisa ganhar, não embarcando no avião para talvez regressar aos jogos. É uma péssima escolha, a não ser que pretendam escrever uma segunda temporada, e até mesmo que não pretendam fazê-lo. Também teria sido mais curioso não investir tanto no protagonismo de Gi-hun, pois eu nunca acreditei que ele não pudesse sobreviver, parecia predestinado a ganhar desde que o vi ganhar o "jogo da lula", em criança, no início.
A série lidera audiências entre os espectadores do Netflix em pelo menos 90 países: são números difíceis de ignorar. Não é, para mim, uma obra-prima ou sequer uma série memorável. Squid game não é por aí além um grande desafio para o espectador, ou, pelo menos, para alguns pois uma multidão delirou com ela. Tem valor como entretenimento com as suas reviravoltas e surpresas, jogos de cores e símbolos simples ainda que eficazes, mas está longe de ser "imperdível". Talvez sem o Netflix o sucesso não fosse o mesmo, ou talvez não fosse tão instantâneo e o tempo acabasse por diluir o seu impacto. Muitos criticam a sua falta de originalidade, mas quanto a isso sou eu menos exigente: hoje é muito difícil ser-se original. O que é determinante é ser capaz de trabalhar as fontes de inspiração de forma original para comunicar algo relevante. Há quem diga que foi o filme Parasite que abriu caminho para este êxito coreano e que até há similaridade entre ambas as propostas em virtude da crítica social subjacente. Mas a haver termina e acaba aí. Se em Parasite há uma enorme subtileza, uma narrativa exímia, em Squid Game abundam a brutalidade e o artifício na exploração de uma metáfora evidente e martelada do primeiro ao último episódio.
Se entenderem a violência como justificada, talvez possam até divertir-se. Enquanto se sucedem os jogos infantis com consequências mortais, assistimos a algumas boas interpretações, - HoYeon Jung como Kang Saw-byeok merece destaque - mas também excessos dispensáveis. Porque as pessoas não podem ser resumidas a números, as suas histórias importam, como no episódio 6, no jogo dos berlindes, em que vemos o melhor e o pior da natureza dos jogadores emergir, quando divididos em equipas de dois, em vez de colaborar, são forçados a competir, sabendo que um vai morrer. Um espectáculo de suspense bem encenado, onde há competição entre o grupo, como no jogo da corda, resulta, mas noutras ocasiões as soluções são questionáveis: como fazer de conta que toda a história que envolve a busca do irmão pelo polícia, não é, de princípio até final desaproveitada, questionável e conduz...a um salto para o vazio?
Gostava apenas que os fãs deslumbrados parassem de insultar a inteligência de quem critica dizendo que não entendemos a série: ela é relativamente básica. Julgar não é um processo igual para todos. Há muito em jogo quando se aprecia um filme ou uma série: a nossa formação, o que conhecemos da ficção, a nossa sensibilidade, aquilo que precisamos para nos sentirmos entretidos, até a nossa disposição momentânea. É assim tão complicado aceitar opiniões diferentes? A mim Squid Game não me surpreende de forma extraordinária, a sua violência não compensa o que me entrega, não me diz nada que não soubesse já, ou seja, que o dinheiro em vez de unir, divide e joga as pessoas umas contra as outras; e depois, aliena. Bem vistas as coisas, o dinheiro aliena quem tem muito e quem tem pouco dele. É até escabroso que um jogo assim, onde ganhar tem um preço tão sangrento, a vida humana, onde os participantes foram enganados, onde as regras permitem que se matem uns aos outros, onde não são vigiadas as vantagens de que conseguiram munir-se, onde o criador dos jogos participa a par dos jogadores, - seja apresentado como uma oportunidade de justiça: "All participants in the game are equal. We are giving people who have suffered unequal treatment and discrimination in the outside world the last chance to win a fair competition." Mas isso é porque este Squid Game não é o jogo do mata, um jogo infantil e inocente: é uma deliberada armadilha, uma espécie de presente envenenado, para os jogadores e para nós, uma maçã que é melhor não morder sob pena de sermos enganados. E se fizerem uma segunda temporada, quanto a vós, não sei, mas eu não vou morder.
Antes de morder a maçã e depois.
Alguns dos melhores memes que encontrei:
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