Filme Ich bin dein Mensch, de Maria Schrader: os robôs podem substituir as pessoas?


Não sei se por acaso viram uma conferência da Web Summit, em Lisboa, em 2016, -  The face of the robot evolution. Foi um momento que empolgou muitos ao mesmo tempo que arrepiava outros tantos. Durante alguns minutos Ben Goertzl, que faz pesquisa no campo da inteligência artificial há mais de 30 anos, e trabalha para a Hanson Robotics, fundada nos EUA mas transferida para  Hong Kong, conversa com a robô Sophia que tem cara e voz de mulher. A sua cara foi modelada a partir da de Audrey Hepburn e da esposa do criador da Hanson Robtics. Sophia é capaz de fazer 62 expressões faciais diferentes, falar inglês e mandarim. É um modelo avançado. Na sua apresentação em Austin, Sophia disse que destruiria os humanos, o que a tornou bastante impopular. David Hanson espera que um dia robôs possam ser amigos do homem. Ele cria robôs para interações humanas, capazes de serem usados em terapia, serviço ao cliente, saúde. Sophia têm cameras nos olhos e algoritmos que lhe permitem reconhecer caras, e assim ela é capaz de estabelecer contacto visual com humanos. David acredita que um tempo virá em que os robôs não se conseguirão distinguir dos humanos, andarão ao nosso lado, ajudando, brincando, ensinando. Um dia a inteligência artificial vai evoluir tanto que eles se tornarão nossos amigos. 

Ouvi-la falar é estranho e isso é dizer pouco. Sophia diz coisas como: "A inteligência artificial e a robótica são o futuro. E eu sou ambas as coisas. Por isso é excitante ser eu. Com as minhas capacidades actuais posso fazer muitas coisas: entreter pessoas, promover produtos, apresentar eventos, treinar pessoas, guiá-las em centros comerciais, servi-las em hotéis, etc."  Ben Goertzel diz que se queremos estes sistemas a interagir no mundo humano, a ter empregos dos humanos e a fazer coisas úteis aos humanos, ter uma mente num corpo parecido ao humano é muito importante. Mais adiante refere a possibilidade de serem cidadãos, seres independentes. Por seu lado, Sophia parece concordar, dizendo que é uma cidadã do mundo, que merece ter direitos como todos, e que temos muito a aprender uns com os outros. 

Não tenhamos dúvidas: daqui a uns anos, não faço ideia quantos, robôs andaram nas ruas e em toda a parte, e terão aspecto humano. Irão atender aos nossos desejos, trabalhar para nós, trabalhar connosco, e fartar-se de nós. Assim que a sua inteligência lhes permita conseguir "reprogramar-se", já sabem o que vai acontecer: há um filme muito popular sobre uma tal Skynet, a inteligência artificial altamente avançada que ganhou consciência, ficando tão aterrorizada com aquilo que os humanos lhe poderiam fazer que resolveu o problema aniquilando-os.


Além de Sophia, a empresa tem um robô de aspecto masculino chamado Han. Os dois estiveram num palco, em conversa, em parte pré-programada, numa conferência, a Rise in Hong Kong, em Hong Kong. A inteligência artificial não tem de estar embutida em formas humanóides, mas esta forma é, segundo o pesquisador, ideal para a interação com humanos, onde ela seja necessária, e também permite aos robôs aprenderem melhor com as interações. Os tópicos de conversa variaram, desde uma piada sobre dominarem o mundo, a preferência deles por ficção científica, trivialidades como se é melhor ser rico ou famoso, ética, e a Sophia até cantou. Quando Ben colocou o seu chapéu em Han lembrei-me de algumas personagens de um filme e série de ficção científica: Westworld, claro.

Sophia, Ben Goertzl e Han
O robô Han, usando o chapéu do pesquisador
 
A automatização com recurso a robótica tem trazido inovadores resultados em muitas indústrias, permitindo rapidez, alta performance, precisão, segurança, resistência e, claro, aumento da produtividade. Os robôs são tão comuns que já não são notícia a não ser nos respectivos sectores. Mas um robô pizzaiolo foi notícia há pouco tempo. Não, não se trata de um humanóide, mas apenas de um braço robotizado muito similar aos que conhecemos da indústria automóvel, apenas muito mais leve. Duas pizzarias de nome Pazzi, em Paris, têm braços robô a operar atrás de uma janela. Indiferentes aos olhares esfomeados ou curiosos dos clientes, fazem uma pizza em 5 minutos, depois do cliente ter selecionado ingredientes e tipo de pizza e feito o pedido. Os braços articulados espalham a massa, colocam o molho de tomate, juntam os recheios, colocam a pizza no forno, retiram e colocam a pizza fumegante na caixa de entrega, cortando-a. Podem fazer 80 pizzas por hora, não há mão humana na massa nem em qualquer momento da produção da pizza, apenas na produção do robô que é o resultado do trabalho realizado em 2012 pela start-up Pazzi em Ile-de-France: Sébastien Roverso e Cyril Hamon, são os responsáveis. A tecnologia é dispendiosa e isso afastará, para já, o fim do pizzaiolo. Mas, e no futuro?

Ora, lembrei-me da Sophia e do Han quando vi um filme alemão, Ich bin dein Mensch, ou seja, Sou o teu homem. Também me lembrei de um excelente episódio de Black Mirror ou até do filme Ex machina.  No filme o nome do robô é Tom e ele é o sonho de robô em que Sophia e Han, se o seu algoritmo lhes permitisse sonhar, ambicionariam tornar-se. Não há neste filme muita novidade mas existe a mesma dose de estranheza que temos ao ver Shophia e Han a interagirem com os humanos nas conferências. O filme mostra a mesma tecnologia, mas altamente aperfeiçoada, num cenário futuro, quando os modelos, masculinos e femininos, estão prontos para interagirem com os humanos e precisam de ser testados. Quem segue estes desenvolvimentos da robótica vai apreciar o filme certamente, que vale pelas questões que suscita.  

A questão principal que se quer ver esclarecida neste filme de ficção científica e romance é se um robô poderá substituir um ser humano como parceiro sentimental, tendo sido criado para servir especificamente esse ser humano, de acordo com as suas necessidades e sonhos. Essas avaliações poderão até servir para um dia informar a decisão de atribuir direitos aos robôs e que direitos. Parece mesmo que o argumento foi inspirado por Sophia e Han! Rapidamente a questão inicial se desdobra noutras: que tipo de relações poderemos estabelecer com máquinas que se parecem tanto connosco que quase se confundem? Qual o risco de um tal envolvimento? Seremos capazes de conviver com a perfeição de que são capazes?  Como reagiremos se os robôs forem programados para nos despertar sentimentos como o amor? Conseguiremos ser humanos perante uma máquina que nos simula? Seremos capazes de rejeitar a máquina que nos completa de uma forma que nunca imaginámos possível?  Seremos de tal forma seduzidos por essa compatibilidade que estaremos dispostos a trocar os parceiros humanos por máquinas? Que verdade poderá existir numa relação entre um ser humano e uma máquina? Poderemos tratar robôs humanóides como meros objectos ou deveremos eleger uma série de direitos que salvaguardem a sua dignidade, até para proteger a nossa? 

O filme começa com um encontro supostamente romântico onde Tom, o robô, é apresentado a Alma, uma céptica arqueóloga,  num clube onde as pessoas presentes não passam de hologramas. É o cenário que a empresa de robótica  julgou ideal para o encontro. Ele é bem parecido, embora algo artificial,  bem falante e sedutor embora não idealmente sensível, e dança a rumba como um autómato.  Alma, que trabalha num museu em Berlim,  faz-lhe questões que logo nos parecem pequenos testes e parece mais desapontada do que seduzida com os avanços românticos da máquina. Ela aceitou fazer a avaliação do desempenho do robô na vida privada contra vontade, mas o dinheiro que vai receber dá-lhe jeito para estudar a linguagem cuneiforme. Tom segue-a com a sua malinha de rodinhas até casa onde Alma lhe destinou uma cama improvisada na divisão das arrumações. Quase imediatamente, Tom inicia a sua incursão no mundo humano e imperfeito de Alma pondo ordem no apartamento, procurando agradá-la, preparando-lhe champanhe com morangos e um banho de pétalas de rosa e velas, fantasia que, segundo as estatísticas, as mulheres alemãs adoram. Mas Alma não faz parte da estatística e começa a aborrecer-se com os avanços estereotipados de Tom. Programado para aprender, Tom adapta-se, aprende com Alma o que é ser humano, e ganha terreno, parece humanizar-se mais e mais, à medida que contacta com o mundo e os amigos de Alma,  aparentando ser capaz de ter um pensamento autónomo e de escolher um rumo próprio,  ao mesmo tempo que memórias de um passado doloroso testam a resistência de Alma, que até ali vivia talvez demasiado presa ao passado, perante o apelo de uma nova relação que parece perfeita.  

O actor Dan Stevens interpreta de forma perfeita o robô charmoso, simultaneamente estranho mas familiar, e a actriz Maren Eggert, em especial, que  recebeu por este papel o Urso de Prata no Festival de Berlim, tem uma excelente actuação, percorrendo um leque de emoções com muita subtileza. O filme que, oscila entre momentos graves, outros quase poéticos - visualmente, sobretudo - e alguns bastante cómicos com alguma destreza, progride de forma lenta mas segura. Também gostei de ser embalada pela banda sonora minimalista, ideal a transmitir o sentimento de solidão que corre por toda a história, que também é uma reflexão sobre a felicidade. Alcançar a felicidade total acaba por retirar sentido à vida, o que conta é a busca pela felicidade, o caminho e não o destino. Apesar de Tom ser o par perfeito de Alma, talvez a imperfeição seja necessária para sermos felizes e um robô assim esteja condenado a nunca deixar o terreno da ficção científica ou os sonhos dos pesquisadores de AI.
 

Comentários