A erupção de um novo vulcão na ilha La Palma







O Parque Natural Cumbre Vieja ocupa um vasto território na metade sul da ilha de La Palma. É uma cordilheira montanhosa que reúne os principais cones vulcânicos, que alcançam os 2000 metros. A evidência da sua natureza vulcânica pode ser observada em fluxos de lava vulcânicas pré-históricas e até mais recentes, que datam da erupção do vulcão Teneguía do ano de 1971. 

A vegetação inclui pinheiros das canárias (Pinus canariensis), urzes, faias, laurisilva e matagais característicos. A cor ocre mistura-se com o negro escuro dos campos de lapilli ou bagacina, - isto é fragmentos de rocha vulcânica de baixa densidade, fragmentos de rocha sólida que são expelidos para o ar pela erupção de um vulcão - e lava da região, contrasta com o verde dos pinheiros, ou o amarelo da erva de São João, com que os caminhantes da rota dos vulcões, um passeio que permite percorrer a ilha e os vários picos, até à costa, ( são17, 5 km) se deparam na época da floração. Em toda esta área podem ser avistados águias, urubus, gaviões, gralhas, francelhos, entre outras espécies de aves. A paisagem da ilha é marcada por cumes, ravinas profundas, falésias costeiras abruptas. É uma escola a céu aberto para os amantes da geologia e um paraíso para quem gostar da Natureza que aqui se representa na sua faceta indomável. Na orla costeira existem piscinas naturais formadas pela lava e praias de areia negra que convidam à descoberta da paisagem vulcânica subaquática: cavernas, arcos e paredes, povoadas por muitas espécies. Às belas imagens deste Parque somam-se agora outras. Após anos de acalmia, em 2017 a actividade vulcânica ressurgiu. Talvez não seja até uma surpresa para alguns que da aparente serenidade da ilha tenha agora emergido o caos. Das muitas imagens que circulam, um vídeo filmado por um drone mostra piscinas a serem engolidas pela massa escura e rubra que desceu do monte, casas a desmoronar ao seu impacto, ou campos agrícolas e plantações a serem lentamente cobertos pela língua de lava. 

Num streaming, em directo, podemos assistir à erupção do vulcão na ilha La Palma, uma das que integram o arquipélago das Ilhas Canárias. De dia são mais visíveis as grandes colunas de fumo que alcançam centenas de metros de altura, fumo que eventualmente acabará por reduzir a visibilidade e esconder a luz solar. As cinzas espalham-se pelos ares, amontoando-se em cima de tudo. A lava cuspida da boca incandescente do vulcão forma uma língua ardente que desce a encosta, o cume recorta-se num céu que de noite, iluminado de vermelho, se converte na tela de um espectáculo fascinante. Ora, a ministra da Indústria, Comércio e Turismo de Espanha, Reyes Maroto, não perdeu tempo a realçar o potencial turístico da erupção de um vulcão na ilha de La Palma, o extra que não seria para o turista poder assistir a tal demonstração de força da Natureza. As erupções atraem visitantes para lugares como a Islândia, Havai ou Stromboli, na Itália. Mas o turismo dos vulcões é polémico por envolver algum risco, embora também seja defendido por motivar o conhecimento e maior respeito pela Terra. Infelizmente a Ministra esqueceu-se que a ilha vive uma verdadeira tragédia e que neste momento a prioridade do seu discurso têm de ser os residentes atingidos pela calamidade, que, evidentemente, se sentiram ofendidos pela sua falta se sensibilidade.  

Assistir em directo: Vídeo

Nas reportagens do El País os relatos são desoladores. No dia 11 de Setembro sentiram-se as primeiras manifestações sísmicas e a ilha ficou em alerta;  no Domingo a lava começou a brotar do interior da terra forçando até ao momento a evacuação dos habitantes de vários povoados. As pessoas perderam as casas e viram as dos seus familiares e amigos desaparecer enterradas pela lava sem que nada pudesse ser feito a não ser olhar o desastre. Nelas, umas singelas, outras bem equipadas, ficaram soterrados os haveres que não puderam ser retirados a tempo. Houve quem tivesse perdido tudo o que tinha. Num povoado, para evitar pilhagens, os habitantes só se acompanhados de bombeiros ou polícias é que eram autorizados a retirar das suas moradas  documentos, fotografias, objectos, o que fosse possível. Tinham uma hora para o fazer e partir para local seguro, moradas de familiares e amigos, ou espaços improvisados, como um quartel, sabendo que, provavelmente,  o lar onde muitos viveram toda a vida ia ser esmagado por uma parede de  6 metros de lava incandescente que avançava devagar mas imparável naquela direcção. 

No canal Ruptly, no Youtube, um vídeo sem qualquer locução com os residentes a carregarem carrinhas e automóveis acumula comentários solidários: são três longos e angustiantes minutos de filmagem. Ao longe ouve-se o rugir do vulcão e a lava, bem próxima das habitações, fumegante, avança, com o seu som crepitante característico, enquanto todos carregam carrinhas e carros, à pressa. Os objectos são variados, de colchões a sapatos, da TV led às pilhas de roupa em cruzetas, entre choros. Móveis carregados de fotos e bugigangas, são transportados tal e qual para dentro dos veículos. Algumas caem pelo caminho. Uma senhora desce um lanço de escadas onde se acumula cinza negra abraçando  um vaso com uma planta que também não merece ficar para trás. 

As ilhas Canárias têm origem vulcânica. Foram originadas por vulcões marinhos em erupção, expelindo e acumulando lava, que eventualmente alcançou a superfície originando as sete ilhas do arquipélago. A  acumulação de magma, rocha derretida, na base da construção vulcânica de La Palma, entre 6 e 8 quilômetros de profundidade, magma que vem do manto terrestre, gerado numa área que se chama astenosfera e que está localizada a algumas dezenas de quilómetros de profundidade, está na origem da erupção na área florestal de Cabeza de Vaca, felizmente desabitada. Um pequeno terremoto foi detectado, seguido por uma grande explosão, uma enorme coluna de fumo e a expulsão de piroclastos, isto é, rocha vulcânica. O magma provocou duas fissuras, duas bocas eruptivas na montanha, pelas quais a lava passou a escorrer a uns 300 metros por hora, mais lenta do que os 700 metros por hora inicialmente calculados. Mais tarde passariam a sete bocas. Desde que o fenómeno começou, foram registados mais de 6.600 pequenos tremores na região da Cumbre Vieja e 6 mil a 9 mil toneladas diárias de dióxido de enxofre (SO2) são expelidas diariamente. 

Não há forma de combater a progressão da lava. Há pouco mais a fazer do que observar enquanto ela se aproxima como uma parede viva, o cheiro de queimado e a chuva de picón - é o que chamam lá à camada de dois centímetros de cascalho vulcânico que se acumula no chão - se intensificam e a temperatura sobe ao seu redor. As autoridades mantêm todos à distância, até os jornalistas, por razões de segurança. Pessoas com dificuldades motoras foram auxiliadas a deixar o lugar, outras deixaram as suas casas por seus próprios meios, outras tiveram de ser forçadas a sair dali. Agora os bombeiros resgataram também os animais das quintas, cabras e porcos, e foram até de casa em casa, trazendo gaiolas com pássaros, coelhos e outros animais,  que carregam nos braços ou às costas, pois também eles sucumbiriam. Quando a língua de lava escaldante, com temperatura aproximada de mil graus Celsius, alcançar o mar, ocorrerá uma explosão de vapor de água que gerará uma densa nuvem branca. A lava também provoca uma reação química ao contactar com o cloreto de sódio presente na água e libertar gases tóxicos que podem irritar a pele, os olhos e as vias respiratórias. Além disso,  terrenos e escarpas do litoral podem desabar e causar ondas de água fervente. Outros impactos têm a ver com os seres que habitam as águas e fundos marinhos. Podem fugir dali, aumentar se os seus predadores morrerem em consequência dos efeitos da erupção, e até desaparecer; e outros, estanhos ao ecossistema, podem aproximar-se da área. Dizem os especialistas que, apesar de tudo, esta erupção é apenas uma modesta manifestação dentro do género.

Não é possível saber quando irá terminar a erupção deste vulcão: pode durar de semanas a meses. Não haver perda de vidas até ao momento é a melhor notícia que li sobre La Palma, embora o desespero que muitas pessoas devem estar a sentir enquanto vejo as imagens dos céus avermelhados e do monte em chamas no conforto da minha casa, não se possa contabilizar. São 6000 deslocados mas também 300 casas perdidas, além de infraestruturas diversas. Os rios de lava destroem o que estiver no seu caminho desde as comunicações terrestres, elétricas e telefónicas, a edifícios, estradas e culturas agrícolas. 

Não sei se só eu é que me lembrei, talvez porque o arquipélago das Canárias não dista mais que mil e tal quilómetros daqui, de que em 1957, no extremo da ilha do Faial, o vulcão dos Capelinhos entrou em erupção e destruiu as localidades de Capelo e da Praia do Norte. Também sem fazer vítimas, as cinzas e lava soterraram casas e campos agrícolas, o que fez com que muitos dos residentes abandonassem a ilha emigrando para os Estados Unidos.


Fotografias e lugares de interesse ao longo da Rota dos Vulcões, aqui

Para saber mais: Erupción de La Palma: así son las imprevisibles islas-volcán que surcan los océanos, aqui

Dia 24, ao anoitecer...







Ao fim de 9 dias, e após queda de um penhasco na praia dos Guirres, no município Tazacorte, a lava precipitou-se no mar. Naquela zona, a profundidade é baixa pelo que se espera a formação de uma nova plataforma. Em 45 minutos acumulou-se uma altura de 50 metros de lava. Quatro núcleos populacionais foram confinados em suas casas devido ao perigo de emanações de gases tóxicos causado pela interação do material magmático com a água do mar.




Dia 1de Outubro: as três bocas do vulcão



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