Cinema: Shadowlands, amor e religião, com Debra Winger e Anthony Hopkins


Há uns anos largos vi o filme de Richard Attenborough, Shadowlands, talvez no ano da sua estreia, talvez um pouco depois. Richard Attenborough dirigiu apenas uma dúzia de filmes, sobretudo biografias, talvez o seu género favorito. Vi várias delas, sobre Churchill, Gandhi, Biko, Chaplin. Ele também foi actor: Hammond, de Parque Jurássico, foi o seu papel mais popular em tempos recentes.
Neste filme, baseado numa peça da Broadway que terá contribuído para imortalizar a poetisa Helen Joy Davidman, uma mulher judia, divorciada e com um filho, americana do Bronx, Attenborough conta-nos um pouco da vida pessoal de C. S. Lewis, mais propriamente o período em que conviveu com ela, uma  ateísta, que depois se converteria ao Cristianismo e se tornaria a sua mulher. 

C. S. Lewis foi primeiro um verdadeiro humanista e um grande pensador do Cristianismo. Depois um autor de romances, poeta, crítico literário. Durante anos eu apenas o identifiquei como o autor das Crónicas de Nárnia, mais precisamente até ter visto Shadowlands, que me despertou a curiosidade sobre quem ele era. 

Lewis escreveu uma autobiografia, Surprised by Joy, cujo título diz tudo - e nada - sobre o que lhe aconteceu quando Joy (alegria) entrou na sua vida. O filme mostra muito bem como C. S. Lewis, que mora em Oxford com o irmão mais velho, também professor, parece completamente alheado do mistério feminino. Se esta singular mulher não se tivesse atravessado no seu caminho talvez até acabasse por morrer celibatário: C. S Lewis enreda-se numa paixão pela poetisa sem sequer disso ter consciência. Casam no leito de morte do hospital depois de um diagnóstico de cancro irremediável. É uma história de amor que não termina muito bem. 

Sabe-se, porque ele escreveu sobre isso, que mesmo sendo um cristão devoto, o período que se seguiu à morte da sua preciosa paixão foi extremamente duro: a fé não era conforto suficiente nem explicava o sucedido. Imaginem uma pessoa cega a quem de repente uma operação devolve a visão e que depois a perde por uma qualquer razão. A conformação perante tamanho infortúnio parece-me impossível após tão transformadora experiência e devastadora perda. Em momentos assim, para mim é apenas natural que os cristãos questionem a qualidade Deus e o seu propósito, o mesmo quando uma mãe ou um pai perde uma criança para uma doença. Não há fé que resista, digo eu, que não acredito em Deus algum. É assim que Deus quis, não há outra maneira de encarar a dor, acabarão os cristãos por dizer. Talvez seja então certo ficar furioso com Ele, não? A fúria talvez ajude a perceber que a morte, o sofrimento, a dor faz parte de nós e que nenhum Deus alguma vez poderia ter no seu plano libertar o ser humano dela. 

Nos anos 80 Debra Winger era uma estrela de brilho intenso graças a participações em Cowboy urbano, Oficial e cavalheiro, Laços de ternura, Um chá no deserto...Foi nomeada para Óscars, inclusivamente pela sua interpretação neste filme, Shadowlands (Dois estranhos, um destino), que já é da década de 90, que somou ainda outra nomeação, a de melhor argumento adaptado. Depois Debra Winger passou para segundo plano, embora se encontre em algumas produções mais ou menos actuais, até mesmo no Netflix (The ranch) Já Anthony Hopkins chega a este filme depois de ter sido consagrado em O silêncio dos inocentes como um grande actor, e prosseguiu a sua carreira, esta ano brilhantemente assinalada pela atribuição de mais um merecido Oscar. O homem é um colosso na arte de representar, que ninguém tenha dúvidas.  Os dois juntos, Debra e Hopkins, fazem este filme valer realmente a pena, mas estou a basear a opinião em memórias antigas.

Vi muito depois um documentário intitulado Searching for Debra Winger, onde muitas actrizes se queixavam da falta de bons papéis em Hollywood. A autora é Rosanna Arquette, também conhecida actriz da mesma década, tinha sido inspirada pelo "desaparecimento" precoce da colega das produções cinematográficas. Basicamente, o documentário é um grito de indignação pelo estado da indústria nos anos 2000 e resume-se assim: depois dos 40 anos ser actriz em Hollywood era o mesmo que estar morta. Pior se não tivessem aqueles traços de uma super-modelo: um quilo a mais, uma ruga a mais, e estavam liquidadas. Além da carreira curta, ser mãe ou manter relacionamentos estáveis, eram outros dilemas das mulheres de Hollywood. Em suma: os homens envelhecem e continuam a obter toda a espécie de papéis interessantes, nem que para isso tenham de gravar as cenas agarrados a uma botija de oxigénio! Já as mulheres, ou se conformavam com pequenos papéis de mães ou namoradas, ou passavam à reserva. Debra Winger não estava para isso. Talvez porque ser actriz não fosse tudo o que podia fazer na sua vida, ou porque não estivesse disposta a aceitar nada que não fosse do seu agrado. Parece que tinha fama de ser difícil, mas talvez apenas fosse uma mulher que sabia muito bem o que queria e que não estava para se calar.

Mas voltando a C. S. Lewis, ele tem citações engraçadas - Nós consideramos Deus como um piloto considera o paraquedas dele; está lá para emergências, mas ele espera nunca ter que usá-lo; A história humana é a longa e terrível história do homem tentando encontrar outro além de Deus para fazê-lo feliz.; Ateus expressam sua raiva contra Deus embora, na sua opinião, Ele não exista.; Educação nunca foi despesa. Sempre foi investimento com retorno garantido. Nunca li um livro dele e fio a pavio a não ser As Crónicas de Nárnia. De uma maneira geral, não me sinto atraída por leituras sobre a religião, mas já li alguns textos. Vejo-o como um autor interessante para quem quiser compreender o Cristianismo. 

Apesar de não acreditar em Deus, tenho muito mais paciência para C. S. Lewis do que para alguns ateus meio extremistas como Richard Dawkins para quem a religião é em si mesma um mal, embora concorde quando ele diz que ela é uma fonte de conflitos. Sim, é. É mais uma fonte de conflitos, não a única. Ele é o autor do livro A Desilusão de Deus, obra que vendeu que nem pãezinhos quentes, e que saiu por volta de dois mil e picos. Um Deus sobrenatural não deverá existir e religião é ilusão. Não li o livro, não sei  se ele encontrou provas! Tendo a concordar com a ilusão mas não creio que ter uma religião seja mau. Acredito que pode ser usada para o mal, exactamente como a ciência. Ateus históricos foram dos humanos mais vis que pisaram a Terra pelo que não professar uma não equivale e ser uma boa pessoa. E existem cientistas que acreditam em Deus: é uma chatice mas a ciência não dá resposta às grandes questões da vida. A todo o momento, alguém, hoje, tal como em tempos antigos, se perguntará: "por que estamos aqui?" ou "qual o propósito da vida?". Esse alguém pode ser um cientista, pode ser um cristão, pode ser um ateu. Basta ser minimamente curioso e sensível, o nosso incrível mundo oferece mistérios suficientes para nos despertar para estes enigmas intemporais. Desde sempre quisemos ser esclarecidos e as respostas que os grandes pensadores encontraram  não satisfazem todos. Alguns continuam a preferir as da religião. Se há quem se sinta bem assim, eu não vou lutar contra a sua crença. Apenas não quero é que me obriguem a acreditar quando não sou capaz de acreditar. A única verdade para mim é que não há consenso.

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