AGIR é criticado pela sua aparência e reage



O AGIR já andava por aí há muito tempo, com presença no palco do Festival da Canção, em 2007, canções na banda sonora da série Morangos com Açúcar e outras compostas para Marisa e Rita Guerra. além das suas canções a bombar no Youtube e fãs ao monte sem que eu soubesse  que o Bernardo Correia Ribeiro de Carvalho Costa, era filho do Paulo de Carvalho e da Helena Isabel. Quando soube fiquei surpresa e, para minha vergonha, confirmo que terei pensado qualquer coisa do género "mas como é que duas criaturas tão arranjadinhas produziram um ser tão exótico!" Pertencem a gerações diferentes, certo, mas não é apenas isso que justifica o contraste, tanto maior para mim por ainda me  lembrar de ver o Paulo de Carvalho a cantar E depois do adeus no pequeno ecrã a preto e branco, até mais isso do que assistir, mais tarde, às interpretações da mãe em algumas novelas, que mal vi. A razão desse meu espanto era a profusão de tatuagens, alguns piercings e alargadores de orelha que o rapaz ostenta e que agora, descobri, são objecto de ataques frequentes por parte de gente sem dúvida desocupada e de poucos escrúpulos. Ultrapassada a surpresa, a segunda pele do Agir nunca mais me suscitou qualquer comentário. Respeito as escolhas dele. Gostar ou não gostar, imaginar que sem as tatuagens seria mais lindinho, é perfeitamente legítimo. É sobretudo uma questão de estética. Se compreendo o espanto que tal aparência possa causar junto de muita gente, já não desculpo a ofensa, e jamais alguma pessoa com tatuagens me merecerá qualquer tipo de reprovação. 

Filho de peixe sabe nadar e o rapaz, que desde cedo adoptou o nome artístico AGIR, cresceu com dotes musicais e a nadar na música. Embora conheça melhor as canções do pai do que as do filho, já ouvi algumas mercê de audições fortuitas na rádio: pelo menos não desafina e pronuncia bem as palavras, é mais do que muitos conseguem fazer. Quando soube que no passado Festival da Canção o filho tinha cantado a célebre canção de Paulo de Carvalho fui ouvir. O pai deve ter ficado orgulhoso. O AGIR cantou bem  e a parte instrumental e coros estiveram perfeitos. Não sei muito mais sobre o AGIR, mas há um tempo vi um par de fotografias dele e da mulher, muito bonita e sem tatuagens, o que deve causar inveja a muitos, e pareciam estar felizes e apaixonados. 

As modificações corporais são tão antigas como a humanidade. Apesar da sua antiguidade, a maioria de nós reage mal a essas "modas" olhando para elas quase sempre de forma negativa, mesmo se são hoje praticadas pelo cidadão comum. Ainda assim, vão-se desculpando em artistas, tolerando nos amigos e pouco mais. A tatuagem leva os empregadores a não contratar, é origem de comentários impróprios por parte de clientes daqueles que ousaram contratar pessoas tatuadas. É quase como se essas pessoas, ainda que profissionais excelentes, fossem leprosas e suscitassem um misto de medo e nojo. Os Romanos também preservavam o corpo: as tatuagens eram usadas para marcar soldados, escravos, criminosos e condenados. Quando os Europeus chegaram às ilhas do Pacífico aí descobriram o uso generalizado da tatuagem pelos nativos e apropriaram-se dela, fazendo-a símbolo das suas viagens e aventuras, nem sempre dentro da lei. Marujos e piratas condenados iam então para a prisão e as tatuagens passaram a ser um símbolo de marginalidade. Mas antes disso já os Japoneses tinham elevado a tatuagem a um requinte artístico e visual ímpar. Para os Yakuza a tatuagem era sinónimo de lealdade e de oposição ao regime. Por altura da II GG muitos soldados ostentavam tatuagens com os nomes das suas paixões. De prática de identidade de grupo a forma de expressão individual, com função religiosa, espiritual, ritualística, ou de posicionamento social ou de identificação, o uso e o significado da tatuagem tem evoluido ao longo do tempo. Sempre fui uma entusiasta da arte da tatuagem. Nunca me recordo de as ter olhado como se fossem um estigma. Não gosto é que as façam na cara nem de desenhos mal feitos. Tatuem tudo mas deixem a pele do rosto em paz, a não ser que sejam maori! Bom, talvez uma muito pequena ainda possa ser... Apesar disto que escrevo, reparem como nem assim consegui fugir a uma certa apreciação desfavorável sobre a aparência do Agir. 

Se para quem ostenta tatuagens elas são motivo de orgulho e de beleza, uma pele tatuada tem quase sempre uma leitura negativa. Infelizmente uma pessoa que use uma tatuagem, ou que de alguma forma ouse ser um pouco diferente, arrisca-se anda a ser rotulada como anormal e indesejável. Quem usa tatuagens só tem um caminho: o de "habituar-se" a conviver com estas afrontas pois em algum lugar, ao longo da sua vida, elas irão surgir. Para a maioria, a tatuagem é uma espécie de certificado de que um qualquer mau caminho foi trilhado, nem que este seja apenas o de uma má escolha estética. Uma vez tive uma discussão histórica com um "amigo do Facebook" que me jurava a pés juntos que nunca consultaria um médico tatuado nem que ele fosse o melhor. Como é que um desenho na pele provoca um tal ódio é algo que me escapa.

É simples conviver com o AGIR e outros tatuados quando descomplicamos a vida: nada há que recear. A tatuagem não é contagiosa, não espirra para cima de nós, nem se pega nem mesmo por contacto de pele com pele. E, além disso, a tatuagem também não diz disparates, não ofende, não agride, não denigre ninguém, ao contrário dos idiotas que resolvem fazer uso da faculdade que as redes sociais lhes colocou nas mãos, para demonstrar a sua intolerância, ignorância e maldade.

Ora, eis o triste comentário, não sei onde foi publicado, nem o nome do seu autor, dirigido ao AGIR e ao qual ele respondeu:

"Honestamente, e sem querer ser insidioso, mas o aspeto do Bernardo Carvalho Costa é, no mínimo, repudiante. Está com péssimo aspeto. É compreensível que ele não se sinta bem com o corpo e com a aparência dele e se refugie nas tatuagens e nas drogas. Mas dá um péssimo exemplo às pessoas mais novas que o seguem. Ele deveria ser ajudado urgentemente. Todos os sinais de uma pessoa perturbada interiormente estão lá."

AGIR respondeu e explicou que foi ainda antes dos 20 anos que teve a sua "fase boémia". A diversão teve o seu preço: ataques de ansiedade e de pânico, que o levaram a mudar de vida. Depois do susto ele largou todo o tipo de excessos. Diz AGIR, actualmente com 33 anos, que" desde os 20 anos que não toca num cigarro, num copo de álcool, numa ganza, em rigorosamente nada." Começou a fazer tatuagens depois dessa fase de loucura, já com 22, 23 anos. Ou seja, diz ele, quando tinha o aspecto mais sudadável era quando se entregava a excessos. Irónico, não?


Eulália - Lena d´Água - Ep.3 c/ Joana Alegre & Marco Reis

Fui ao Youtube do AGIR para tentar perceber os tais " sinais de uma pessoa perturbada interiormente". Foi assim que descobri este projecto, de nome Eulália, onde Agir e amigos recriam grandes êxitos da música portuguesa: ouvi canções do Rui Veloso, Pedro Abrunhosa e Lena d' Água, que foi bom reconhecer noutra voz e noutros arranjos.

O tal internauta, que Agir preferiu deixar no anonimato, primeiro, critica o excesso de peso do AGIR e estabelece uma relação automática entre desconforto com o corpo e uso de drogas e tatuagens. Depois, como se não bastasse, faz da sua aparência um indício de perturbação mental! Era até bom que nos pudéssemos aperceber de problemas de saúde mental pela aparência das pessoas e estabelecer nexos de causalidade assim tão básicos: se tem tatuagens, tem perturbações mentais; se usa drogas, idem; se está gordo, idem; se pinta o cabelo de azul, idem; se veste de preto, idem. Quantas vidas se poderiam salvar ou tornar mais confortáveis a partir de um tal diagnóstico. Infelizmente identificar uma doença mental é muito mais complexo do que isso. Este psicólogo de teclado só merece é que nos riamos dele. Mas as redes são isto também: um lugar onde quem não sabe ser bom pode ser mau - mesmo que diga que não o quer ser - e assim achar-se importante. Block+Delete! 


Comentários