Receita de Pudim de Bolacha Maria e Mandarim

 



Ontem fiz um pudim que leva dois ingredientes bem conhecidos de toda uma geração de portugueses: pudim Mandarim e Bolacha Maria. Se quanto ao primeiro ninguém duvida que não é de origem nacional, já quanto à bolacha não falta quem pense que é uma invenção portuguesa. O Pudim Mandarim é um pudim que a maioria dos portugueses com mais de 50 anos provou ou comeu ao menos para saber que não gostava. Ou porque a mãe fez, ou porque em algum restaurante lhe serviram um flan da casa, caseirinho à El Mandarim, ou mesmo porque seguiram a tradição dos pais e na despensa nunca faltava uma caixinha. Milhões destes pudins devem ter sido confeccionados conforme a receita da embalagem, mas depois a criatividade fez aparecer outras variações de pudins que têm o Mandarim por ingrediente, semi-frios, e não sei se gelados ou bolos!

O pudim na forma, antes de ir para o frigorífico

O pudim Mandarim apareceu em Portugal no final dos anos 50, princípio dos 60: era o Flan Chino El Mandarin, um preparado em pó para confecionar um pudim muito idêntico a um pudim flan caseiro. Era um produto contrabandeado de Espanha, como tantos outros produtos. Tornou-se rapidamente um êxito de vendas, vendido em bancas na rua, em Lisboa. El pudin, que nada tem de chinês, passou depois a ser produzido em Portugal e ainda hoje está em qualquer prateleira de supermercado, dos mais pequenos aos hiper. 

A minha mãe já não tem paciência para fazer sobremesas complicadas e esta tornou-se uma das suas favoritas. Parece ter adivinhado que também não ando com paciência para cozinhar pois comprou-me uma caixinha de Pudim Mandarim, e uma caixa de bolachas Maria,  e até juntou uma receita para eu experimentar, que até já se tornou tradicional: a do pudim de bolacha Maria e Mandarim. Foi um dos doces do jantar de São João.

A bolacha Maria é outro caso de popularidade em Portugal, e também em Espanha. Quando eu era bebé comia bolacha Maria esmagada com banana. Não voltei a comer bolacha em papinha mas esse sabor está no meu ADN pelo que tudo o que saiba a bolacha Maria não será mal recebido pelas minhas papilas gustativas. Quando andava no Liceu, acabadas as aulas da tarde, adorava chegar a casa e beber leite frio e comer Marias "casadinhas" com manteiga. Mais tarde, na faculdade, tive uma nova fase de Marias, desta vez demolhadas em café sem açucar. Depois deixei quase de comer quaisquer bolachas. Além da bolacha baunilha, e da Maria ainda houve outra, da Cuétara, a Tostarrica, uma bolacha grande, de formato rectangular, bem doce e aromatizada a canela que também deve ter sido responsável por me adicionar quilos de doçura nos anos 80. Ainda hoje gosto destas bolachas mesmo se depois surgiram no mercado outras mais requintadas. As Marias estão presentes em variadas sobremesas, o bolo de bolacha e a serradura são duas das mais conhecidas.

Relativamente ao nome, "Maria", a história liga-se ao casamento da Grã-Duquesa Maria Alexandrovna da Rússia com Alfredo, o Duque de Edimburgo. Para comemorar a ocasião, à semelhança do que já tinha sido feito para o príncipe Alberto ou Garibaldi,  foi criada uma bolacha doce com o nome Maria carimbado na face, e ainda bem pois bolachas marca "Alfredo" não teria futuro. Como ela era filha do czar Alexandre II da Rússia, o "cake designer" da altura, ou o "biscuit designer", colocou uns arabescos ao redor da bolacha, um padrão que era moda na Rússia por esse tempo nas fachadas dos edifícios. A Maria nasceu na Inglaterra, em Bermondsey, Londres, na fábrica Peek Freans. A Peek Freans hoje já não existe com este nome mas teve tanto sucesso a fazer bolachas para o exército francês, e não só, que Bermondsey passou a ser conhecida como "a cidade das bolachas". As primeiras bolachas inglesas deviam ser as bolachas "marinheiras", simplesmente elaboradas com farinha, água e sal. Não eram refinadas como as que viriam depois, mais finas e doces. Mais tarde foi daqui que seguiram  os bolos de casamento da Rainha Isabel II e também da Lady Diana.

Bolachas quadradas com furinhos para impedir que enfolassem com pães, boas para acomodar e fazer seguir em barcos ou comboios, foram parte da inovação. Depois vieram as doces, o que incluíu a conhecida "Shortcake". As latas bem bonitas, herméticas, protegiam da humidade e permitiam que seguissem para longe sem se estragar.  Ou seja, a bolacha Maria é talvez uma das mais bem sucedidas exportações britânicas  depois das tricas sobre a família real britânica: produzem-se hoje em países do mundo inteiro, até com nomes diferentes.



Fonte: ebay.ca/sch/Collectibles

As primeiras fábricas de biscoitos espanholas foram abertas na Catalunha a partir de 1859. Mas os biscoitos Maria não começaram a ser feitos antes de serem criadas no País Basco e do norte de Valência. O primeiro biscoito espanhol Maria foi provavelmente o Maria Olibet. A fábrica Olibet foi fundada em Renteria em 1886. Mais tarde, vieram a Artiach, em 1907, em Bilbau, e Fontaneda que deixaram de vender a granel.Fontaneda começou a fazer biscoitos em 1912 na cidade Palencia de Aguilar de Campoo. Desde o início, seu objetivo era vender biscoitos baratos e torná-los populares. 


Fonte: recuerdaconmigo.blogspot.com

As Marias foram os primeiros biscoitos produzidos em quantidade na vizinha Espanha, mais tarde que em Inglaterra, já na viragem do século XX, ganhando grande popularidade após a Guerra Civil Espanhola, em 1939, quando excedentes de uma colheita de trigo levaram ao fabrico de "Marias" que inundaram o mercado. Os cafés exibiam uma placa de "Maria", que se tornou um símbolo da prosperidade da economia, mas que também foi entendida como propaganda do governo de Francisco Franco.

Fonte: todocoleccion.net - Uma lata de bolachas espanhola

Apenas os passarinhos estão bem apetrechados para  debicar grãos directamente das plantas. Inventivos, os homens ou as mulheres de antigamente começaram por moer os duros grãos entre pedras, pois custavam a trincar e mastigar, e depois a amolecê-los para serem mais facilmente mastigáveis. Essa pasta terá primeiro secado ao ar e depois com a descoberta e o uso do fogo, este passou a fazer as vezes do sol. Esse deve ter sido o antepassado do biscoito.

E atenção que biscoito não quer dizer duplo coito! Quer dizer cozido duas vezes! A palavra tem origem latina: biscoctus. O biscoito fazia parte da alimentação dos marinheiros que seguiam viagem nas naus. Era um pão de farinha de trigo, de forma achatada, cozido no forno duas vezes, ou mais,  de modo a assegurar que durasse por muito tempo. Cada marujo teria uma "ração de biscoito". Esse biscoito, que nem sal levaria, evolui à medida que se começa a experimentar adoçar com mel, ou aromatizar com chá, e por ai fora. A diferença entre biscoitos e bolachas? Uma bolacha é um biscoito que se confecciona de forma deliberadamente achatada? Para mim, seria assim. Mas há quem opine que a destrinça está nos ingredientes: as bolachas podem ter inúmeros ingredientes e aromas, os biscoitos muito menos e básicos. Parece que é um assunto complicado com os termos "biscuit" e "cookie" a confundirem-se. Não que importe: biscoitos e bolachas nunca amargaram.


E agora, finalmente, a receita de Pudim de Bolacha Maria e Mandarim!


Ingredientes

20 bolachas Maria
1L de leite
3 ovos
6 colheres de sopa de açúcar
Caramelo líquido q.b.
1 colher de sopa rasa de café solúvel
2 saquetas de pudim Mandarim

Preparação

Numa taça, colocar as bolachas Maria com o leite para que amoleçam, (parti-as ao meio) mas guardar cerca de uma chávena de leite para dissolver, à parte, o conteúdo de duas saquetas de pudim Mandarim. 

Numa chávena ou tacinha como leite, desfazer o pó até não haver grumos.

Adicionar os restantes ingredientes (ovos, café solúvel, açúcar e sal, e a mistura do pudim) à taça que contém as bolachas.

Com a varinha mágica, triturar tudo até ficar homogéneo.

Levar ao lume médio num tacho, mexer sempre até ferver. Retirar do lume e deitar em forma de pudim previamente revestida com caramelo líquido. Deixar arrefecer, colocar a tampa e levar ao frigorífico. 

Desenformar para um prato, adicionar mais um pouco de caramelo e levar à mesa.

Algumas notas!

Entretanto, já dei com várias versões deste pudim na internet! Uma sugeria até separar as gemas das claras e bater as claras em castelo. Não sei se o trabalho extra se traduzirá em vantagem.  Noutra, o leite e as bolachas vão ao lume num tacho, e à parte, numa taça,  são batidos o açúcar, as duas carteiras de pudim e os ovos até ficar tudo bem ligado. Quando o leite e as bolachas começam a ferver, adiciona-se o preparado anterior e mexe-se tudo com uma vara de arames até começar novamente a ferver e a engrossar e as bolachas ficarem desfeitas. Acho que prefiro a versão que a minha mãe me deu! Até desconfio que todos os ingredientes num liquidificador também resultava...

Aconteceu-me um pequeno problema: o preparado criou grumos quando estava ao lume! Tive de voltar a meter a varinha para os desfazer... No fim tudo correu bem: como podem ver pela fotografia, o pudim ficou suave, sem qualquer grumo. Em vez de 6 colheres de açucar podem talvez colocar 8-10. Usei colheres rasas de açucar e na minha opinião o pudim devia ser um pouco mais doce. 

Todos gostaram do pudim e da próxima vez que o fizer - a caixinha de Pudim mandarim traz quatro saquetas - vou aromatizar com vinho do Porto em vez de café, se bem que café e bolacha, como sabemos, é uma combinação perfeita. Ao contrário do pudim de pão, cujo sabor final não lembra de forma alguma o pão, este pudim não engana ninguém: o sabor predominante é o da bolacha Maria. Façam também e depois contem-me como foi.

Comentários