Os neo-românticos ou futuristas Duran Duran no Rock in Rio

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Há dias foi notícia que o grupo Duran Duran vai estar no palco da 9.ª edição do Rock in Rio Lisboa, que foi reagendada para os dias 18, 19, 25 e 26 de Junho de 2022, no Parque da Bela Vista. Chamem-me retrógrada mas esses mega-ajuntamentos à volta de um palco nunca foram a minha praia, nem mesmo antes da pandemia vir ditar regras de distanciamento de três metros entre chapéus de sol. Nunca fui ao Rock in Rio, nunca irei. Sempre evitei os Festivais. Assisti a concertos diversos do programa da Queima das Fitas, em Coimbra, que se estendiam por vastos espaços. Não gostei muito, era o que podia ser, aproveitava-se. Aqui se incluem, por exemplo, o concerto do Caetano Veloso ou o primeiro dos Divine Comedy. Vi o concerto que os Muse levaram ao estádio do Dragão porque havia um falatório tal em relação à tournée que fiquei curiosa, mesmo nem conhecendo bem a música deles. São excepções. Prefiro concertos mais intimistas, em recintos fechados, de preferência apenas com uma banda de apoio. Este sistema de multi-bandas e bandocas, onde num mesmo terreiro se juntam pessoas que gostam de umas e se estão nas tintas para outras, não gera, quanto a mim, a mesma energia nem atmosfera de um Coliseu repleto e a vibrar por um só nome. Há gostos para tudo, há quem esteja disposto a fazer sacrifícios, cedências, porque mais vale. Eu não, eu já não, há muito tempo.

Entre 1981 e 1984, os Duran Duran, provenientes de Birmingham, foram um dos mais populares grupos internacionais em Portugal. Estiveram por cá em 1982 e esse teria sido o momento em que mais gostaria de ter assistido a um concerto deles mas foi impossível ir vê-los a Cascais. Recordo-me perfeitamente de esperar que aparecessem imagens na televisão. E apareceram, num telejornal. Mas que raio de sítio para se fazer um concerto, Cascais, era o que todas nós pensávamos, mesmo se a zona centro, fosse ainda, e continusasse a ser, por muitos anos, um palco marcado pela aridez de espectáculos.

Os Duran Duran, que se juntaram em finais dos anos 70, vieram depois a Portugal para um concerto no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, em 2005, aquando da promoção do seu álbum Astronaut. Lembro-me que alguns elementos deixaram o grupo e depois, em 2003, voltaram a reunir-se e a ser Nick Rhodes (teclas), John Taylor (baixo), Roger Taylor (bateria), Andy Taylor (guitarras) e Simon LeBon (voz), daí resultando este trabalho. Não fui vê-los, já não me diziam nada. Quando foram lançados Big Thing (1988) e The Wedding Album (1993), já eu navegava noutras ondas sonoras e não me lembro de lhes ter ligado substancialmente. 

O nome do grupo tem origem em Dr. Durand Durand, o vilão do filme de 1968, Barbarella. Influenciados por David Bowie, pela pop electrónica e pelos ritmos dançáveis do seu tempo, faziam uma música de consumo fácil e imediato, que contrastava com o "punk", o oposto dos "românticos". Os Roxy Music, ou melhor Brian Ferry, são a cara chapada desta onda romântica: obviamente, também tenho um ou dois LP deles. Além de Brian Ferry, também os quase esquecidos Visage mostraram o caminho da fama e do lucro a este bando de rapazolas que eram giros, trabalhavam os cabelos e usavam maquilhagem. Conforme as opiniões, vestiam bem, ou mal, tecidos de cores vivas, modelos com folhos e drapeados, e as célebres almofadas a enformarem os ombros nos casacos. Os Duran Duran ora eram objecto de gozação ora de adoração. Não me espantará se se registar uma romaria nostálgica para os ver, mesmo daqueles que, na ocasião, tentavam que me envergonhasse do meu gosto musical nos corredores do Liceu. A nostalgia é uma espécie de doença que se instala sem darmos conta. Pintei a capa do LP Rio numa placa de vidro que ficou durante anos pendurada na parede e até desenhei o meu favorito da banda no caderno, o baixista John Taylor, que cheguei a mostrar à professora de História com apaixonado orgulho de fã.

A estreia dos telediscos dos Duran Duran na TV eram momentos de enorme expectativa. Foram as adolescentes, como eu, que tinha 13-14 anos na altura, que os levaram aos tops e os tornaram conhecidos. Planet Earth e Girls on film foram um êxito enorme em Portugal. Só mais tarde soube que o teledisco deste último tinha sido banido pela BBC. Depois, Hungry like the wolf e Rio, cujo teledisco foi gravado no Brasil, fazia as nossas delícias. Esperava-se pelo programa Vivamusica, apresentado pelo Jorge Pego, nas tardes de sábado, para ver o teledisco e isso era uma festa. Este Jorge Pego era um locutor da Rádio Comercial, onde também apresentava um top, seguido e discutido por todas. Este programa também teve um papel central na divulgação do chamado "novo rock português". Ainda recordo um outro, chamado Top Disco, apresentado por Marcos André, mas penso que mais tardio. Mais tarde, creio, chegaria o Álvaro Costa com um programa mais alternativo chamado Videopolis. O Álvaro Costa era um caso à parte. Era dono do perfil certo e do jeito certo para ser um grande apresentador de conteúdos de música. Outros cromos da minha coleção de memórias da altura são umas estrelícias internacionais: o Adam Curry que apresentava o Countdown, e o Nino Firetto, que dizia "I'm big in Portugal", estourava o estúdio e fazia macaquices...

Is there something I should know, era outra das minhas canções favoritas, dos Duran. Já Union of the snake nunca me agradou por aí além, melhor era New moon on monday.  Save a prayer nunca me conseguiu cativar embora se tenha tornado uma espécie de hino para as fãs, daqueles que em concertos dão direito a isqueiro aceso ou (nos dias de hoje) lanterna do telemóvel. Sempre preferi as suas canções mais ritmadas às mais baladeiras. Em 1985 ainda assisti com algum entusiasmo à revelação da canção que fizeram para a banda sonora do filme James Bond: A view to a kill. Depois deste êxito, desinteressei-me de todo e creio que foi também quando alguns elementos deixaram o grupo. Daí em diante tudo foi diferente para eles e para nós, as miúdas que os tinham conduzido ao estrelato musical. É possível que eles tenham desejado descolar dessa imagem de ídolos juvenis, experimentar conquistar outros públicos. Tanto a banda, como nós, estávamos a crescer e desejávamos coisas diferentes. Já nos anos 90, Ordinary World e Come undone ou Perfect day, uma cover de Lou Reed, ainda conseguiram chamar a minha atenção, mas a partir daí é uma branca total. Não faço ideia do que lhes aconteceu. Ir vê-los ao Rock in Rio está hoje fora de questão. "O que foi não volta a ser", é o que cantam os Xutos e Pontapés. Não sou nem saudosista nem uma revivalista. Não eei que iria sair do recinto decepcionada, mas sei que iria para lá já contrariada, mega-ajuntamentos e multi.artistas não são modelo da minha preferência,  e há coisas que só têm sentido no seu tempo próprio.

Não que ignore a música dos anos 80, anos mágicos de descoberta, marcado sobretudo por David Bowie com o seu Modern Love, que se havia de tornar um dos meus artistas predilectos. Eles ficaram marcados por esta vaga de grupos que vieram a formar um movimento que se dizia new wave, ou neo-românticos, ou futuristas, onde, além dos Duran Duran, meus favoritos, também se incluíam os Spandau Ballet, os Classix Nouveaux, os Human League, ou os ABC. Estas bandas traziam canções pop simples, melódicas, apoiadas por novos sintetizadores e baterias eletrónicas. Os seus membros apostavam muito na imagem sofisticada, ou trabalhada, que era explorada através de telediscos - era assim que dizíamos, e não videoclipes, ou vídeos, ou clips. A radio e a televisão eram, então determinantes, para tomarmos contacto com a novidade musical. Aos sábados de manhã eu costumava ouvir A febre se Sábado de Manhã, do Júlio Isidro. E lá andavam eles. Também me recordo de um programa que se chamava A cor do Som, era apresentado pelo Rui Pego. Ouvir cassettes, ver TV, ouvir radio e colecionar com devoção recortes de jornais e algumas revistas que publicavam posters e notícias  dos rapazes: eis o que significava ser fã dos Duran Duran nos anos 80. Fui uma grande fã do apesar de nunca ter comprado nenhum dos seus mais conhecidos LP: Duran Duran (1981), Rio (1982), Seven & The Ragged Tiger (1983), ou Notorious (1986). Nesse tempo, nos anos 80, não havia gira-discos em minha casa. Tocava cassettes com as canções deles, em contínuo. O pior que podia acontecer era a fita ser engolida, o que acontecia, às vezes irreparavelmente! 


De tempos a tempos ainda gosto de escutar os Duran Duran e algumas das canções dos anos 80. Têm o condão de me acalmar e de me fazer sentir bem, talvez por me transportarem para uma época da minha vida em que tudo era vivido com menos urgência do que hoje. A facilidade com que agora se pode aceder à música, partilhar, e transportar é estonteante, algo que só percebe inteiramente quem passou pelos anos 80 e tinha de aguardar uma semana para rever um teledisco! A música era então um bem mais raro e menos descartável, a oferta musical que nos chegava era muito diminuta. Nem todas as famílias tinham em casa um gira-discos, hoje todas têm pelo menos um computador, um telemóvel, que lhes dá a possibilidade de se ligarem a todo o tipo de conteúdos musicais. Muito mudou, mas o prazer que hoje se retira de uma música de que se gosta continua a ser exactamente o mesmo. Não duvido que, para muitas/muitos, tenha começado uma contagem decrescente para ir ao Rock in Rio! Pela minha parte basto-me com estas "Careless memories".


Deixo uma amostra dos outros artistas referidos no texto que para alguns devem ser completamente desconhecidos, com excepção do David Bowie:




RoxyMusic - Avalon




Classix Nouveaux - Is it a dream


Spandau Ballet - True


Visage - Fade to grey


David Bowie - Modern Love

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