O outro lado dos homens




Muito antes de Manuel Alberto Valente andar nas bocas do mundo em virtude da denúncia da jornalista Joana Emídio Marques, publicaram na secção de Livros/Cultura do Expresso, no mês de Março, um texto saído do seu punho. Para mim, o agora cronista do Expresso, era o editor que traduziu o inesquecível Quino, ligado à Porto Editora, casado com a escritora Maria Rosário Pedreira, editora na Leya, que escreveu livros infanto-juvenis e letras de canções, que escreve em Horas extraordinárias, um blogue por onde passo de vez em quando, entre outras.

Tenho um respeito considerável por quem edita livros, é um trabalho que exige um perfil complexo, que apela à sensibilidade, ao bom senso, que exige cultura, postura negocial, idealismo, visão. Enfim, tenho apreço por quem procura fazer livros porque gosto de ler e de livros, e sei que um bom editor pode fazer muito pelo escritor. Não que necessariamente transforme o seu livro num êxito mas, pelo menos, que o aprimore e o consiga chegar ao máximo número de leitores. Mas no panorama actual  onde publicar e chegar ao público até já não é monopólio das editoras, o escritor até se pode dar ao luxo de editar por sua conta e risco, com relativa facilidade, já não está completamente refém de uma editora como acontecia no passado. Se isso é o ideal? Consoante o tipo de livro, a pessoa e os seus meios e talentos, até pode ser, tudo depende. Mas ser publicado numa boa editora representa desde logo um voto de confiança que o público reconhece: é meio caminho andado para o êxito. 

Pensava eu que o editor era uma criatura que acarinhava o escritor, que se deviam respeito e consideração mútuas. Que se estabelecia entre eles uma relação de confiança, até de amizade. Mas talvez eu seja ingénua. Ou talvez não e este editor de quem agora se fala seja apenas machista.

O que digo deve-se ao facto de, pouco depois da denúncia da jornalista Joana Emídio Marques, ter lido o texto Susana em lágrimas, que voltou a circular, da autoria do denunciado. Perante o teor do mesmo dei por mim a pensar WTF. Desculpem-me, mas ainda não me consegui munir de uma palavra sintética e ideal para emprestar a esses momentos de estupefação e incredulidade que acontecem quando vejo em espaços de jornais, ou revistas, que se pensa terem uma certa reputação, croniquetas que parecem ter sido escritas numa folha de papel higiénico entre uma ida à casa de banho e um telefonema. Juro que não entendo a frequência de textos medíocres, exercícios sem grande valor, nem de entretenimento, nem literário, nem de reflexão, nem de humor, nada, zero, mas que, talvez porque justificados pela "estrela" que os assina, são publicados aqui e ali com uma frequência assustadora. É que há blogues para isso, e redes. Mas...nos "jornais"?!

Se não tens nada para escrever que possa interessar aos outros então não escrevas. É como eu penso. Durante anos assumi, aqui neste blogue, que nem me importava com leitores: 1 ou 1111, era-me indiferente. Eu escrevia para me ler, não achava que tivesse algo para dar os outros. Era puro narcisismo. Como gostava e gosto de escrever, escrevia. Apenas isso. Depois achei que era  muito desrespeito pelos leitores, que afinal os tinha, e calei-me.

Agora que reli Susana em lágrimas, para poder escrever este apontamento, continuo sem perceber o que é que fãs da escritora, ou o público do Expresso, possa ter apreciado neste texto. Talvez Valente esteja a escrever para si mesmo, para os amigos, os seus fãs? Para aqueles que, quando a gente escreve no Facebook, nos estão sempre a dizer que escrevemos tão bem que devíamos publicar um livro? E a gente a saber que não, que não é assim? Para aqueles que conheciam, como ele, o restaurante alfacinha onde foi com a sua cliente e que era um must?

Do que entretanto entendi o editor reformou-se e agora escreve ali. Como foi um tipo importante, num círculo atractivo, deve ter tido uma vida profissional e social preenchida, logo, um baú de histórias que ele acha que nos interessam e que o Expresso confirma ao acolhê-lo nas suas páginas. (Mas será que lhe paga? Ou ele escreve por amor ao outro lado dos livros?) Como o Expresso é só para assinantes não pude ler outras peças para avaliar se "Susana" foi um percalço de principiante ou se é este o seu "estilo". Valente até pode ter muitas  histórias e não sabê-las contar. 

Quando terminei, observei o rosto carcomido pelo tempo do outrora editor de sucesso e agora candidato a escritor de pinderiquices do ano. Torci o nariz e pensei: velho parvo. Estávamos bem melhor sem conhecer o outro lado dos homens. Susana em lágrimas não passa de uma memória, um regurgito lúbrico sobre uma "asquenaze" que "dava nas vistas", que ele "levou a jantar" quando a editora ASA, onde ele trabalhava, lançou o livro de Alona Kimchi com aquele título. Alona, a "loira, alta, bonita", "apareceu-lhe" de mini-saia quando ele a foi buscar ao hotel. WTF? "Apareceu-lhe"- como se se tivesse vestido, ou despido para ele- com uma mini-saia que deixava ver umas "pernas deslumbrantes". O restaurante alfacinha era um "must" e tinha uma escada de pedra. E depois ele pergunta ao leitor: "Já estão a adivinhar, não estão?" De novo, WTF. Estou a adivinhar, o quê, Valente? Que a moça caiu na escada de pedra? Partiu uma perna e acabaste nas urgências do hospital? WTF, Valente. O escriba queria que eu adivinhasse que depois de terem "atingido o alto da escada" - o "alto", Valente? Queres dizer o clímax da escada? - que conduz à sala de refeições, todos os olhos se fixaram neles, e que os comensais não tinham outro pensamento "a ecoar nas suas cabeças" que não fosse perguntarem-se "quanto é que ele teria pago para ir jantar com um modelo  daqueles",- o Valente até lhe trocou o sexo! - que ainda por cima está de saltos altos, ao lado daquele "zé-ninguém". Ó Valente. No meu mundo não faltam homens inatractivos que vão jantar com mulheres bonitas e que não precisaram de pagar por serviços para terem a sua companhia. No meu mundo, os homens e as mulheres que topam com esses pares, não assumem de imediato que os "zés ninguém" são clientes de um serviço de escorts. Diz ele que "não foi fácil" até porque no dia anterior tinha ido com Alona ao El Corte Inglês e a escritora tinha comprado uma metralhadora de plástico para o filho. WTF elevado ao quadrado, Valente! O que queres tu dizer, pá? Se já tinhas ido ao El Corte Inglês com "o modelo", já devias estar habituado a ser metralhado com o olhar. A minha cabeça neste momento implodiu. Sobretudo fiquei a pensar: uma metralhadora daquelas de balas de borracha-espuma ou das que lançam água? Uma Nerf? Ou será que sentiste remorso por estarem a pensar algo de uma mulher, talentosa, mãe, que até te dá dinheiro a ganhar, e que devias tratar de forma mais elogiosa em vez de a reduzires a um par de pernas?

Era um jantar entre profissionais, um editor de renome e uma jovem escritora talentosa, mas o que o editor  recuperou desse momento esquecido no tempo, é a história de um tipo "sem atractivos", emparelhado com uma mulher vistosa, com quem entra numa sala de gente fina a dar ao dente, o equivalente do velho ao volante do descapotável vermelho que acelera junto à esplanada da marisqueira da moda. No mínimo, ridículo.

E entra Maio, e a jornalista Joana Emídio Marques, mais uma mulher que não sei quem é, denuncia que um editor a assediou. E adivinhem quem a levou a jantar? O Valente. Se ela tivesse demorado mais um pouco, quem sabe não teria também direito a uma crónica no Expresso. 


Comentários