Cinema no Netflix: opinião sobe A mulher à janela
Realizado por Joe Wright, cujos filmes não sendo dos meus favoritos, também nunca me causaram fastio, e com um grupo de actores com méritos reconhecidos, Amy Adams, Gary Oldman, Jennifer Jason Leigh e Anthony Mackie, quem pensaria duas vezes antes de escolher o filme a A mulher à janela para desopilar? Infelizmente, o Netflix parece atrair filmes que me aborrecem e me fazem dar o meu tempo por perdido com certa frequência. Não sabia nada sobre este filme, nem sequer que era uma adaptação de um livro, conforme descobri depois. É a história de uma mulher, que perdeu a família num acidente de viação, e cuja culpa por isso a tornou fóbica, incapaz de sair à rua há meses. Deambula pela casa em roupão, dorme, vê filmes e olha a rua pela janela. Fica empolgada com a mudança de uma família para o prédio em frente, talvez porque ela lhe recorda a sua, perdida. Anna Fox consulta-se com um psiquiatra mas desafia a sua medicação e conselhos, ingerindo generosas quantidades de vinho, sofrendo, por isso, efeitos secundários na forma de alucinações. O mistério do filme assenta num jogo de equívocos e no facto dela não ser confiável psicologicamente pelo que o crime que ela diz ter visto acontecer do lado de lá da rua, na casa dos recém instalados vizinhos, pode não passar de uma invenção da sua cabeça delirante.
Bom, antes de continuar, se quiserem o meu conselho, aqui vão três. Se querem ver um filme estimulante em que um protagonista se acha reduzido, confinado, ao seu espaço, fechado em casa e lhe resta observar os vizinhos para passar o tempo, acontecendo um crime neste entretanto, escolham antes Janela Indiscreta (Rear window). É de Alfred Hitchcock, claro. Quem é que não conhece este filme dos anso 50 protagonizado por James Stewart e Grace Kelly?
Muito menos conhecido e interessante do que este, mas ainda assim razoável, é Copycat que foi realizado nos anos 90 filme. Nele uma psicóloga criminal especialista em serial killers - personagens que tinham muito saída no cinema dos anos 90, e que foram objecto recente de uma excelente série de David Fincher, Mindhunter, disponível no Netflix - debate-se para conseguir regressar ao mundo real depois de ter sofrido um trauma às mãos de um psicopata que a tornou igualmente agorafóbica. É solicitada pela polícia para ajudar na resolução de uma série de crimes, passado um tempo sobre o ataque sofrido. Tal como sucede com Anna Fox neste filme, também aquela psicóloga bebe demais e é forçada a emergir do seu casulo de segurança e a subir para o telhado, para se defender de um psicopata. Vi-o há uns bons anos, quando saiu, apenas recordando uma história simples, também a lembrar algum Hitchcock, ou até mais O silêncio dos inocentes, que era por essa altura o filme de referência que todos copiavam. Copycat é, talvez, se a memoria não me falha, mais eficaz que este, A mulher na janela, com menos ambições estilísticas, mas com um duo de bons desempenhos de Holly Hunter e Sigourney Weaver, que deram corpo a personagens credíveis e a que nos ligávamos facilmente. Já neste filme senti alguma dificuldade nesse aspecto. Copycat também tem a curiosidade, pelo menos para mim, de ter Harry Connick Jr. no elenco, um músico que sempre apreciei, melhor músico do que actor.
Outro conselho que se me afigura ser um bom conselho é que leiam o livro em que este filme se baseia, que poderá ser uma melhor experiência que gastar os olhos neste atabalhoado filme.
Por último, se querem ver um filme mais interessante protagonizado pela Amy Adams, eles existem, e há também uma mini-série que se chama Sharp objects. Aí, Amy interpreta uma repórter que investiga dois crimes e tal como a personagem deste filme também apresenta alguns distúrbios emocionais, fruto de um trauma e más escolhas. A dose de mistério é bem superior e a atmosfera muito mais conseguida, embora exija alguma paciência do espectador.
Mas Amy Adams é o menor problema deste filme que não me dá argumentos para tecer grandes elogios, bom, talvez a cinematografia. E o que dizer de Gary Oldman? Ainda há pouco o vi brilhar em Mank! O homem limitou-se a entrar e a sair de cena e a vociferar algumas frases. Esquisito, aliás, como quase todos, com excepção da Julianne Moore, de Fred Hechingere, (o jovem) que, a partir do primeiro momento nos impressiona e intriga, e do gato Punch. Fui bem enganada pelo gato, que pensava que morreria, que apareceria enforcado ou cortado em fatias. Não. O gato viveu para contar. O filme também conta com a sua dose de objectos estilhaçados e partidos, os adereços usuais neste tipo de histórias, metáforas mais que gastas, supostamente utilizadas para criar a tal tensão mas não.
Esta fita caiu-me tão mal quanto o vinho e as drogas no estômago da pobre psicóloga infantil traumatizada. Nem sei para que estou a escrever estas linhas. Regra geral, se não gosto de um filme, não escrevo sobre ele. O mesmo sucede quando gosto muito de um filme. No primeiro caso, não vale a pena perder mais tempo do que já perdi, no segundo sei que nunca consigo expressar o que me transmitiu em palavras.
Quando A mulher à janela começa, a televisão que está ligada em casa da psicóloga, - um casarão, com uma escada em espiral, o símbolo da espiral em que a mulher está mergulhada, tinha de ser, um thriller sem uma não é um thriller - mostra que ela estava a ver o filme Rear Window, e à medida que evoluiu é impossível não pensar que o Hitchcock estaria às voltas na tumba se soubesse disso. É uma homenagem, ou é o quê? Um lembrete para os mais distraídos? É impossível não pensar naquela janela, onde não havia uma mulher e antes um homem. Já comparar os dois se torna até penoso de tão fraco que é este exercício de suspense e de tudo. Quantas vezes é que já vimos personagens em filmes a dizer: "Eu sei que não estou louca, vocês não acreditam em mim, mas eu sei o que vi"? Muitas, sem dúvida, em muitos thrillers. Mas esta tem de ser uma das piores vezes. Apesar de pegar em matéria conhecida podia ter corrido bem. Tomem o exemplo do filme The invisible man. Eis uma história onde nada é novo e, no entanto, é tudo tão bom. Não podia ser mais clássico! Mas desde a abertura que se torna "fresco" e nos agarra, depois absorve-nos e o suspense está lá, o mistério, a tensão. Sobretudo a história é muito bem contada: é isso que não acontece nesta "neo-noir" tentativa.
E quantas vezes já vimos personagens no sofá a enfardarem filmes atrás de filmes e a dizerem as falas dos actores de cor? Mais que muitas e nem sempre com efeito útil: esta é só mais uma dessas vezes. Tudo me pareceu forçado ou estafado, déjà vu, desde o início, e, sobretudo, sem a tensão que um bom thriller exige. Joe Wright pode ser bom nos dramas, mas aqui meteu os pés pelas mãos. E a dupla de detectives a levarem os vizinhos que vivem do outro lado da rua para a sala de estar da psicóloga? Aqueles confrontos? Deve ter sido a cena mais irrealista que já vi! É um dos momentos do filme em que até parece que estamos a assistir a uma má peça de teatro. Até os extraterrestres - polvo no filme Arrival com que Amy tentava contactar conseguiam ser mais realistas ao tentar comunicar com ela. Quando pensava que o pior já tinha passado, chega o final, supostamente aterrador: a cena no terraço da casa. Não, calma! Antes disso houve uma cena desinteressante, que se arrastou por tempo demasiado, granitada, em tons esverdeados, em que a psicóloga ensaiava a gravação de uma nota de suicídio no telemóvel por várias vezes.
O desfecho no terraço é o culminar de uma perseguição escada acima, com golpes de garrafa, apunhalamentos, puxa pernas, vidros estilhaçados, e a pobre Amy a a defender-se com tudo aquilo que pode antes de ser trespassada por um ancinho na bochecha! Fiquei contente por ver o jovem vizinho perseguidor estatelado no chão, depois da claraboia ter cedido, não porque o vilão psicopata mais que previsível do ano tivesse morrido, mas porque o filme tinha chegado ao fim. Vão dizer que estou a exagerar porque o realizador fez A hora mais negra, ou Orgulho e Preconceito, ou Expiação? Não, não estou. É ver para crer. No melhor pano cai a nódoa. Uma nódoa de vinho à mistura com Elevan.
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