Madeira com nova identidade visual e logotipo polémico

 



A Madeira é um jardim
A Madeira é um jardim
Como não há outro igual
Como não há outro igual
Seus encantos não têm fim
Seus encantos não têm fim
Na ilhas de Portugal
Na ilhas de Portugal


Vendo almofada Madeira retro. Baratinha. É apenas uma piada tola, eu sei. Mas não estranhem se  quando visitarem a Madeira se depararem com algum souvenir com um padrão assim. É o novo logotipo da marca Madeira que parece ter unido quase toda a gente no mesmo tom de desagrado: profissionais da comunicação, cidadãos comuns, sem formação em design, das ilhas e do continente, e até do estrangeiro, todos vetam o logotipo multicolorido. 

Tal como o logotipo de uma empresa,  este deve identificar instantaneamente a marca Madeira sendo capaz de   simbolizar os seus valores essenciais, a sua história, da forma mais memorável que for possível. É a representação gráfica da marca. Faz parte da identidade visual do produto Madeira. Esta identidade é criada de forma a torná-la única  em relação a outros destinos turísticos e facilmente identificável pelos turistas e operadores. "Madeira. Tão tua” é a assinatura que, em conjunto com o novo logo, dá vida à nova identidade. "Madeira, tão tua” desenvolve-se em quatro linhas: “Um lugar onde me sinto bem”; “Um lugar onde me sinto entre amigos”; “Um lugar em que vivo como um local”; e “Um lugar ao qual quero sempre voltar”.


Fonte criada por Philippe  Cossete

Já conhecia uma fonte parecida à que foi usada no logotipo da Madeira porque a internet não é assim um jardim tão grande como isso e porque parte do meu trabalho é procurar e selecionar fontes, uma tarefa nem sempre grata, há que dizê-lo. Vão dizer que as coincidências acontecem e isso é verdade. Mas quando estamos a fazer um logotipo uma das linhas que deve nortear o nosso esforço criativo é desencantarmos algo único. Isso é um objectivo muitas vezes impossível de concretizar pois ser original e único está, quase sempre, para além das possibilidades até dos melhores gráficos e artistas. Mas a vocação primordial de um logotipo é que seja único, ou tendencialmente único, o mais distinto dos outros possível. Quando o público a que se dirige o vê deve ser capaz de o identificar como único e não ficar confundido e hesitante. Por isso não me parece que adaptar uma fonte existente ou partir de uma fonte já existente como inspiração ou ter acabado numa fonte similar a uma existente tenha sido um resultado feliz ou particularmente profissional. E não ter sido capaz de descobrir isso e  reavaliar o resultado pode ter sido o erro principal deste trabalho. Isto aqui é tal e qual como invocar o desconhecimento da lei para escapar à culpa. Não dá. Temos de pesquisar o que existe pois não nos servirá de nada entregar ao cliente um logotipo semelhante a algum outro e dizer que não sabíamos. Isso não é servir o melhor interesse dele nem justifica o nosso trabalho. Não estamos no campo da homenagem e muito menos no da paródia. Claro que não podemos conhecer todos os logotipos do universo mas devemos fazer uma pesquisa razoável. Por isso não entendo como pode ter passado uma tal escolha num projecto desta dimensão. É normal que encontremos inspiração em materiais, que façamos deles o nosso ponto de partida. Mas neste caso impunha-se, quanto a mim, um particular cuidado. Podem dizer que a maioria  do público alvo talvez nunca tenha visto esta fonte em utilização e que achará tratar-se de algo original. Primeiro, não creio. Existem muitas utilizações semelhantes a esta, mesmo sem recurso a esta particular fonte. Segundo, mas, que maioria? Este é um logo que vai circular amplamente: a Madeira é um dos nossos destinos nacionais mais publicitados. Portanto, muita gente o irá ver. 


O contrato foi celebrado em 2017, havia 255 dias para entregar a obra mas aparece que só agora é que o resultado foi dado à luz. A troco de 560 mil euros entregues por ajuste directo a uma empresa de comunicação saiu da forja dos criativos um logotipo que mais parece ter nascido nos anos 60 e adolescido nos anos 70 do que em pleno século XXI! Não tem frescura alguma. Não tem perfume de flores. Não tem surpresa. Não tem um pormenor que cative. Parece um jogo de tangram. Uma amálgama. Ser retro  até poderia estar certo se isso estivesse alinhado com o que a Madeira é e a representasse. Mas quanto a mim, o retro  não serve a imagem e os valores da ilha da Madeira. Estarei errada? O poder de atração de um logotipo liga-se sobretudo à sua capacidade de ser novo e diferente, ou de ter aquele detalhe que o diferencia dos demais. E por mais que olhe estes círculos desconstruídos para mim é um logo do mais déjá vu possível. Já para Miguel Albuquerque, presidente do governo madeirense, a nova marca da Madeira é “um trabalho excepcional”, que envolveu muita gente e demorou muito tempo...

Foi com incredulidade que se li nas notícias que este trabalho resultou de um "grande estudo de conceção, que envolveu um inquérito a cerca de 9.000 agentes e profissionais do setor do turismo". O estudo profundo visou identificar os maiores atributos do território. Conclusão: a Madeira é um lugar de pertença onde todos sentem que fazem parte. O logotipo pretende representar uma Madeira simples, vibrante e playfull.  Li que o logo foi pensado a partir da desconstrução do círculo - obviamente. Círculo que representa simbolicamente a união e a inclusão madeirense. A Madeira é capaz de fazer com que cada pessoa sinta que pertence à Madeira. Daí o "Belong". E o que dizer de "Madeira Islands. Belongs to all"? Por onde é que andava o revisor ? Já escrevi memórias descritivas de trabalhos que fiz, e para outras pessoas que eram melhores do que eu a conceber e desenhar logotipos mas com menor destreza para a escrita. A justificação do logotipo da Madeira não me convenceu nadinha, não creio sequer que convença os Madeirenses que a leiam. Ficaram mal servidos, todos nós, o nosso turismo, ficámos mal servidos. É apenas a minha opinião a fazer coro com as demais.

Mas mais importante para o veto do logotipo é a questão que muitos apontam, e que salta à vista, da sua  falta de legibilidade. Isto decorre da não observância de uma regra que é a da simplicidade. Um logotipo tem de ser simples pois só assim será facilmente reconhecível, fácil de ler e memorável. Simples para todos e não apenas para os designers que estão habituados a ver e procurar relações e associações no papel. Usamos as cores, as fontes e os símbolos com o objectivo de reduzir o complexo ao que é simples. Jogamos com cores, - que despertam emoções - fontes, símbolos que permitem reduzir o complexo ao simples. Também as proporções, a composição, e o contraste entre as formas devem seguir um critério de simplicidade. Repetimos a cada passo: menos é sem dúvida mais.

Não se trata aqui de discutir futilidades. A concepção de uma identidade visual  é importante para as empresas e um trabalho caro e difícil de executar. Notaram bem o montante? Numa altura em que o turismo está tão globalmente deprimido em virtude da pandemia, chega até a ser pornográfico que uma verba destas seja entregue para a criação de um logotipo por mais que relevante ele possa ser na identificação do produto Madeira. Quando se trata de logotipos importantes os números são sempre gordos, gordíssimos, pois ninguém entrega este tipo de trabalho a pequenos gabinetes. E a  própria natureza do projecto dita muitas vezes preços algo elevados. 

Mas este bailinho em que andamos não deverá servir de grande coisa. Em breve o novo logotipo andará a viajar pelo mundo nos mais variados suportes. Não acredito, todavia, que vá ter vida longa. Pensem no logo da Apple, da Nike, da Coca-cola. Com pequenas afinações vão-se mantendo por anos e anos. Nada atesta melhor a qualidade de um logotipo que a sua habilidade de perdurar no tempo. E este não parece fadado para isso, logo, um desperdício de tempo, energias criativas e dinheiro. Madeira. Tão cara.

Comentários