Pandemia Covid 19. Só me apetece gritar!

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A contestação tem marcado a pandemia desde o seu início. Inicialmente dizia-se até que o coronavírus era uma mentira. As TV mostravam gente a morrer em Itália mas o vírus era uma mentira. Os enfermeiros apelavam a cuidados sanitários e recolhimento mas era tudo uma farsa. Ainda hoje há quem negue a sua existência mas sobretudo contesta-se a severidade das medidas sanitárias adoptadas para o conter. As críticas arrasam as escolhas dos governantes, acusados de estratégias desajustadas, erráticas, ultrapassadas. 

A forma mais simples que eu encontrei de acatar as medidas, que ninguém pode negar serem duras, foi, realmente, pensar no pessoal médico que tem de tratar os doentes e nos recursos de que dispomos. Ao tomar conhecimento, cedo,  do que estava a suceder em Itália, foi o que mais temi: que as camas dos hospitais portugueses ficassem tão cheias de infectados com Covid 19 que nem esses nem outros doentes conseguissem obter cuidados de saúde.

Não tem sido fácil pegar no tema e escrever sobre ele. Não tem sido fácil prescindir da minha liberdade de movimentação, limitar os meus contactos sociais ao mínimo. Independentemente do que se lê, que não, que é psicológico ou embirração, custa-me até suportar o uso da máscara, sinto que me custa respirar, em especial no tempo quente, que é para o que caminhamos de novo. Ao pensar nos enfermeiros, que têm vivido o seu quotidiano revestidos de protecções, horas a fim, até sinto vergonha da minha pieguice! A minha vida normal alterou-se muito e sinto a falta dela. Não de toda ela, mas de alguma. E por vezes questiono se o meu esforço serviu mesmo de alguma coisa. Para não ter ainda contraído o vírus até ao momento, pelo menos, serviu. Mas não estou a salvo de o contrair, e vacinas, a avaliar pelas simulações, só lá para o Natal. 

Tem dias que me pergunto como reagirá o meu organismo ao vírus? Bem? Mal?  Não sei se quem o nega e as suas consequências o faz para se poupar a mais preocupações, se é egoista ou apenas tonto. Para mim não vale a pena correr o risco, colocando-me e aos outros na incerteza do desfecho, prefiro ter cautela. Todos os dias faço as aspirações das bombas, todos os dias sou lembrada do que é não conseguir respirar. Mas os da "gripezinha" levam tudo isto na desportiva e não distinguem sequer entre sair para ir comprar pão ou sair para ir comprar gomas quando se aconselha a ficar em casa para evitar a movimentação de pessoas e possibilidade de contactos, mesmo que fortuitos. Enquanto eu evito fazer certos pratos pois teria de me desocar ao super para buscar um ingrediente em falta, optando por outra possibildiade, aguardando até me faltarem mais coisas, assim evitando deslocações, uns espertos decidem ir comprar gomas fruto de um capricho do momento, mas isso é entendido como uma necessidade razoável. O meu sacríficio é que é estúpido.

Um grupo que também não tem sido poupado às críticas é o dos jornalistas, os media em geral, culpados de estarem a fazer educação de massas e não informação isenta, de terem alinhado na propaganda da subjugação, e de alimentarem a tese do medo. A falta de imparcialidade é um defeito, mas o perigo, a ameaça, o mal é que vendem, são antes feitio. O normal não é notícia. Todavia o mal, quando se torna normal, acaba também por gerar indiferença. O mal, para ser mobilizador, tem de ser ainda de alguma forma capaz de apropriação pelo indivíduo, ou seja, devemos sentir que somos capazes de lutar contra ele. Se sentirmos que nada mais poderemos fazer, que tudo está perdido, então fechamos os olhos e a cabeça para nossa protecção, quedamo-nos, indiferentes, aceitando a coisa como perdida. Também questiono muitas vezes se a maioria dos que fazem a informação são mesmo capacitados para a fazer, se pesquisaram, se percebem mesmo aquilo que têm de noticiar, e ainda  se a pressa de fazer notícias e ganhar audiências não ajudou a transformar um assunto devastadoramente sério em mero espectáculo informativo.

Além da luta contra a doença tem vingado uma luta pela verdade entre ""covideiros" e "negacionistas", muito evidente nas redes sociais, visível nas manifestações anti-confinamento que se têm sucedido pelo mundo, sendo que para alguns destes últimos a verdade ganha muitas vezes o contorno de uma mega conspiração: primeiro o vírus era o agente de controlo, agora são as vacinas o agente de controlo das massas humanas submissas. Arrebanham-se os argumentos que mais jeito der, que peritos no vírus abundam, faz-se um copy-paste de factos sem check, emitem-se opiniões com certeza de sentenças, os inteligentes chamam burros aos estúpidos, os lobos chamam carneirada às ovelhas mansas. Se o insulto fácil  infectasse, tenho a certeza que já não havia camas nos cuidados intensivos.

As facções esgrimam com dados estatísticos, os números da pandemia, - que os negacionistas chamam de "fraudemia" - são uma constante neste mundo de variáveis. A guerrilha de gráficos e curvas para todos os gostos tem sido constante, diária, semanal. Os números estão sempre em actualização mas a maior parte das vezes estão é desactualizados, e quantas vezes descontextualizados, mas isso não importa. O que é preciso é haver números para mostrar: o número de testes, o de casos positivos, o número de doentes, o número de mortes, o número de mortes por, o número de infectados, o número de vacinados, etc. Contra factos não há argumentos mas contra números há sempre mais números na manga. Que em Portugal morreram até agora vinte mil pessoas, no mundo cerca de 3 milhões, dizem uns. Logo outros dizem que não é assim: morreram, sim, mas que se distinga entre os que morreram com Covid e não de Covid. Quando se fecha a torneira dos números actuais vão-se buscar os números das pandemias que já varreram o mundo, os números de mortes causadas por outras doenças, para comparar, em Portugal e no mundo. Os números não são o meu forte, mas tenho um trunfo: sou uma pessoa atenta ao detalhe. E por isso os números da pandemia suscitaram-me quase sempre mais dúvidas que certezas. Desisti de seguir toda essa numerologia para ter alguma serenidade e também por não ter tempo para isso, e ainda porque um cansaço enorme tomou conta de mim.  

Não sei se sou a única que já não tem mais paciência para números e gráficos e tantas disputas, textos e mais textos, tanta argumentação viral, memes sobre a Covid 19. Pior que tudo, por mais que queira acreditar que o pior já passou, que as vacinas são capazes de fazer a diferença, que já faltou mais para podermos respirar sem contrangimentos, passa-me pela cabeça que nos possam esperar meses de confinamentos e desconfinamentos sucessivos antes da bonança e só me apetece gritar!

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