O Padre Nosso dos Negacionistas

 


Padre Nosso dos Negacionistas:

"Covid 19 que não estás no Ar,
Santificado seja o vosso inexistente vírus,
perdoai as nossas imbecilidades,
assim como nós perdoamos aos mascarados,
Não nos deixeis cair da maca ao chão,
perdoai as nossas idiotices,
assim na nossa terra como no estrangeiro,
amém

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Em 1918, em S. Francisco, realizaram-se protestos contra o uso da máscara durante a pandemia da gripe espanhola ou penumónica. Os cidadãos estavam cansados das restrições e não acreditavam que a máscara tivesse utilidade na contenção da doença. O ano passado, inicialmente desaconselhada, depois imposta, a máscara tornou-se um símbolo de opressão da pandemia Covid 19. A exigência de manter uma distância social de segurança e a prática do isolamento social alteraram por completo o panorama das relações humanas um pouco por todo o mundo traduzindo-se em perdas diversas e difíceis de comptabilizar. Muitos foram forçados a entrar no mundo digital, gostassem ou não da possibilidade. A par da difícil adaptação a todo o novo quadro, a contestação instalou-se. Quando surgiram as desejadas vacinas,  nova onda de protestos ganhou forma, agora contra os negócios lucrativos e controladores das farmacêuticas, a qualidade das próprias vacinas, o acto de vacinação. Alguns dizem-se abertamente contra a ciência, outros espalham desinformação, especialistas contradizem especialistas. 

No passado fim de semana, em várias cidades europeias, as pessoas sairam à rua para protestar contra as regras restritivas que os respectivos Governos têm imposto no âmbito da pandemia Covid-19. Assim foi na Áustria, no Reino Unido, na Suiça e também por cá. Não é novidade. Em meados de 2020 já se verificava contestação, um pouco por todo o mundo. Lembro-me do Trump, no Twitter, a dar apoio a manifestantes que se recusavam a ficar em casa bem no início da crise pandémica. Também recordo, em Janeiro, na Holanda, distúrbios entre a polícia e grupos de jovens que se manifestaram contra as medidas de confinamento, e que causaram estragos avultados. Ou seja, como se já não existissem problemas de sobra, toca a criar mais problemas. Em alguns países verificaram-se agora confrontos entre as autoridades e os manifestantes mas por cá decorreu tudo pacificamente. 

Pois sim, têm todo o direito de se manifestar, isso é Democracia, assim como o Vitor Rua tem o direito de fazer humor à conta dos manifestantes. O Vitor e todos nós. São uma minoria, é verdade, dizem que têm mais medo de não viver do que de morrer. Alguns ainda insistem na ideia de que Covid 19 é uma gripezinha sem sequelas de maior ou que só morrem velhos, que se não morressem de Covid morreriam de qualquer outra coisa. Pior que a especulação, são as teorias absurdas que encontram para fundarem a sua indignação. Seria mesmo preciso? Não há suficiente relato de gente a passar dificuldades, mesmo sem estar entubada nas unidades de cuidados intensivos? Quantas a enfrentar problemas de subsistência diária, capaz de fundar outros pontos de vista sem recorrer a teses estapafúrdias? Não me digam que sou a única que já questionou se não haveria outra forma de proceder? Se este confinar e desconfinar sucessivo veio para ficar, ano após ano? Evidentemente que cumpro as directivas, longe de mim negar a existência do vírus ou as suas consequências, mas isso não me impede de pensar e desejar alternativas, em especial quando vejo negócios a afundar-se, amigos desesperados, sem trabalho, eu própria sem perspectivas. 

Foram três mil pessoas que se juntaram no topo do Parque Eduardo VII para dali seguirem até ao Rossio, a pé, sem máscaras e sem observarem o distanciamento social. O que este grupo pretende especificamente, têm um "manifesto", é que sejam cancelados planos de passaportes de vacinação, que se acabe com as medidas de “segurança” que restringem os direitos humanos básicos e liberdades civis (viajar, trabalhar, lazer, consumir etc), que se combata a crescente vigilância digital e que seja convocada uma comissão de especialistas independentes e diversificados para examinar criticamente a eficácia de todas as medidas impostas pelos governos para combater a pandemia.

Nas fotos que vi podiam ler-se frases de protesto contra o uso de máscara, apelo à não vacinação, palavras de ordem contra o confinamento. Apesar disso, alguns testemunhos chocam pela demonstração de ignorância de alguns dos envolvidos. Como é possível ignorar que é obrigatório o uso de máscara para o acesso, circulação ou permanência nos espaços e vias públicas "sempre que o distanciamento físico recomendado pelas autoridades de saúde se mostre impraticável", o que ra o caso? 

Fazer uma manifestação em Democracia é uma coisa normal e desejável. É o que significa viver em Democracia: podemos fazer greve, podemos ir para a rua protestar por ter uma opinião divergente da autoridade ou da maioria. Mas os manifestantes deviam ter acatado as regras de distanciamento social impostas pela DGS, bem como o uso de máscaras. Afinal Democracia também é isso: havia regras a cumprir, que embora passíveis de contestação, visavam a protecção de todos. A manifestação já bastaria como forma de contestação. Não usar máscara durante a mesma, contribuindo para propagar o vírus, implica já  uma lesão de direitos ou bens constitucionalmente protegidos de outrém, havendo aqui um excesso desnecessário, a que o direito de se manifestar contra já não dará cobertura. Em muitas manifestações contra o confinamento vimos pessoas de máscara e muitas sem ela. O que me faz até lembrar aquela frase do Henry David Thoreau: As leis injustas existem. Deveremos nós contentar-nos com obedecer ou devemos antes fazer tudo para as emendarmos? Deveremos cumpri-las até conseguirmos emendá-las ou deveremos transgredi-las sem mais? Agora a PSP está a preparar uma queixa-crime contra os organizadores que vão ser acusados de crimes como o atentado à saúde pública e instigação à violação das normas sanitárias. Pois, está certo, por mais rocambulesco que possa tudo isto parecer.

Daí a um dia li a notícia de que uma das pessoas envolvidas na organização da manifestação contra o confinamento estava infetada com Covid-19. O facto suscitava riso e comentários sarcásticos nas redes sociais, mas também de apreensão pela disseminação do vírus que essa pessoa e outros manifestantes tivessem causado naquele encontro, além de apelos à punição da pessoa infectada, no momento em que precisasse de auxílio médico, evidentemente a ser negado.

Em virtude da manifestação tomei também conhecimento da existência de um juiz que se revoltou contra aquilo que diz ser um ataque violento e sistemático aos mais elementares direitos fundamentais. Não coloca em causa a existência da pandemia, mas antes nota o ataque perpetrado aos direitos, liberdades e garantias. O juiz, que também exerceu advocacia, fundou um movimento pela verdade, fez vídeos, e também elaborou peças de contestação a contraordenações por ausência do uso de máscara, circulação não autorizada entre concelhos, incumprimento do recolhimento obrigatório, e outras, para ajudar os que estão contra as medidas decretadas pelo estado de emergência. Agora o Conselho Superior de Magistratura e a Ordem dos Advogados andam atrás dele, para o sancionar, se não é por isto é por aquilo, actos que não podia realizar, ética que lhe era exigida, etc. É só mais um exemplo dos estranhos acontecimentos que se sucedem nestes surreais "dias da peste".

A somar a esse, termino este breve roteiro com menção a mais algumas notícias covídicas que li: a 23 de Março, pouco depois da meia-noite, a PSP de Coimbra foi chamada porque 7 pessoas estavam a festejar um aniversário numa casa particular. Os jovens, com idades entre os 19 e 20 anos, não estavam a cumprir o dever geral de recolhimento domiciliário exigido pelo Estado de Emergência e então o presente extra a que todos tiveram direito foi um Auto de Contraordenação. Pois é, não deviam ter cantado os Parabéns a você tão alto! Possivelmente os vizinhos também queriam uma fatia de bolo e o anfitrião esqueceu-se! Acredito que neste caso tenham sido mais as relações de má vizinhança do que a preocupação com a propagação da Covid 19 que motivou a denúncia. Semanas antes, na parte inferior da Ponte Rainha Santa, junto ao Rio Mondego, um grupo de sete jovens estudantes, também resolveu festejar um aniversário: um recipiente com gelo contendo várias garrafas de cerveja e 1 garrafa de Vodka motivou  autos de contra ordenação por consumo de bebidas alcoólicas na via pública. Pelo menos não tinham que se preocupar em abrir as janelas para arejar o espaço nem com vizinhos incomodados!

Outros dois homens foram autuados em 200 euros, cada um, por estarem a comer gomas junto a uma máquina de vending, na Lousã, em Fevereiro. Os indivíduos, certamente uns gulosos de primeira, estavam na rua quando em vigor o dever geral de recolher obrigatório domiciliário, (4 de Fevereiro) ou seja, quando excepto para um conjunto de deslocações estavam autorizadas, nomeadamente, aquisição de bens e serviços essenciais, desempenho de actividades profissionais quando não houvesse lugar a teletrabalho, entre outras, o pessoal devia evitar sair. Nem duvido que para eles as gomas fossem essenciais. No meu caso é gengibre cristalizado. Ai quando me falta o gengibre. Fico logo com sintomas de abstinência. Também não era permitida a venda ao postigo no âmbito das medidas de combate à Covid-19 e as máquinas de vending não sabiam e continuaram a pratica ro ilícito, as malandras. Clara a  discriminiação, neste infeliz caso: as máquinas não foram autuadas. O auto de contraordenação foi agora divulgado nas redes, e os comentários não se fizeram esperar: que estamos em plena ditadura, que morreu a democracia, que os polícias são uns filhos da puta e cobardes, uns ridículos e patéticos, que o que querem é fazer caça à multa, etc.

Sim, é verdade, eu até rezava um Padre Nosso se isso servisse de alguma coisa para abreviar o fim do vírus e trazer o regresso da normalidade de volta às nossas vidas. Mas não sou religiosa. Ainda assim, haja fé em melhores dias. Quando é que isso será é que não sei. Até lá...saúde!



Comentários

Mafalda S. disse…
Subscrevo tudo o que dizes. É triste que por causa da imbecilidade de alguns, muitos tenham de perder a vida (tive um colega de 40 e poucos anos ligado a um ventilador, felizmente sobreviveu, mas vai ficar com sequelas nos pulmões para a vida...).
Quem me dera que seguíssemos o bom exemplo da Nova Zelândia... os negacionistas parece que não percebem que só contribuem para o arrastar da situação. E isso é mau para a saúde ou vida de muitos, mas também para a economia.