O cartaz do Iniciativa Liberal diz que precisamos de educação
Sabemos bem que uma interrupção brusca de qualquer ciclo de aprendizagem, seja escolar, seja profissional, tem consequências imprevisíveis e até nefastas para os envolvidos. E que nessa situação serão as pessoas com menos capacidade de adaptação e meios que mais sofrerão o impacto. Pior quando estão em causa as crianças e ainda mais aquelas que só encontram oportunidades de aprendizagem na escola.
A escola presencial foi encerrada. Mas existem outras formas de ensinar e aprender? Sim, existem. Mas no caso de aprendizagens essenciais a escola é a chave, e quanto mais pequenos forem os alunos, mais importante é o papel da escola. Por outro lado, quanto mais à frente do ciclo de aprendizagem, quando alunos já conseguem ser mais autónomos e metódicos, mais premente se torna a questão da avaliação. Os resultados contam para acesso a outros níveis de aprendizagem ou ciclo de estudos superiores. A progressão nos estudos causa natural apreensão em alunos e educadores e a incerteza quanto a processos de avaliação que interrupções lectivas e diferentes métodos de aprendizagem introduziram, mais ainda. Ninguém quer perder pontos nem anos, também porque perder tempo é perder dinheiro. Tudo tem um custo, tudo isto pode acabar por se pagar caro, no mínimo em saúde mental deteriorada, porque as preocupações é sabido que não matam, mas moem a nossa robustez psicológica.
A escola é também um ponto de interação social e crescimento de crianças e jovens, além de exercer a função social de providenciar alimentação a um vasto número de alunos carenciados, e de ser um refúgio para muitas crianças e jovens que vivem em contextos mais marginais e desfavorecidos. A permanência forçada de crianças e jovens a lares disfuncionais retira-lhes um escape, apoios eventuais, além de, em muitos casos, a sua casa não ser um lugar propício à aprendizagem. Também acontece serem deixadas sozinhas, uma solução que por vezes comporta riscos. A rede familiar nem sempre funciona e em tempos modernos cada vez menos, com as famílias a fixarem-se longe, a deslocarem-se, e, ainda mais, com as limitações decorrentes do isolamento sanitário. Em último caso, pais revezam-se e vão faltando ao trabalho para poderem dar assistência aos filhos. Por aqui se vê a instabilidade social que se pode gerar ao encerrar as escolas.
Devo ter sido das primeiras pessoas que em Portugal contactou com a plataforma Moodle. Fiz uma pós-graduação online quando isso era uma novidade, tenho também formação como e-formadora, em ambiente Moodle, outra em design instrucional, e por isso sei que a transição para este tipo de ensino a distancia (EAD) não é fácil nem para docentes nem para alunos nem para os próprios pais. Haverá sempre quem não se consiga adaptar, mesmo que o queira. Não é por passarem o tempo a jogar vídeos nos computadores, ou a navegar pelo Twitter ou Instagram, que as crianças e jovens vão ter sucesso na transição. O lazer e a aprendizagem são áreas diferentes, embora se possa aprender a brincar. Aliás, há muito que me pergunto por que razão não existe uma disciplina - a velha Tecnologias da Informação, que deveria ter crescido com o tempo e ser reformulada - para cobrir uma área tão importante como é a o acesso e utilização segura da internet e uso de softwares e tecnologias. Em vez de ter ganho autonomia, fruto da sua importância crescente, esta disciplina diluiu-se, tanto quanto sei.
O mesmo se diga para professores que podem ser excelentes profissionais na sua área e excelentes comunicadores em sala de aula e sentirem-se inaptos, ou, pior, nem sequer terem consciência de que dar aulas online exige uma abordagem e método diferente. Por último, os pais que são chamados a desbloquear dificuldades dos seus educandos e que também só sabem usar o computador para andar a brincar nas redes sociais e preencher o IRS. Na verdade, nem todos os pais usam computadores. Muitos, hoje, usam apenas o telemóvel, há pessoas que não têm computador em casa. Por outro lado, uma família com um computador em casa e dois filhos em idade escolar vê-se em papos de aranha para se organizar. Não admira que se tenham vendido mais tablets e computadores. Mas só compra quem pode, quem não pode, teve computadores emprestados, quando pôde ter, nem tudo, realmente, funcionou a 100%.
O EAD tem características próprias, é algo que não se pode confundir com ensino presencial. O método não é impossível de prosseguir com êxito. Ensinar e aprender online é um grande desafio, mas quando dizem isto as pessoas parecem esquecer que aprender presencialmente também o é. O regime online é sem dúvida mais indicado para quem consegue fazer um estudo de forma autónoma, e que se motiva endogenamente com facilidade, que tem método. Ao tentar fazer a substituição da escola em sala por escola online, num processo contra o tempo, e de grande pressão, com carácter de urgência e quase com carácter de experiência, os professores fizeram milagres. Mas receio que quando tudo isto tiver passado vá perdurar o estigma e não as vantagens desta abordagem, que, a meu ver, são ainda pouco aproveitadas em Portugal. Não pretendo alargar-me em considerações, mas explorar as vantagens do EAD ao nível da flexibilidade, diminuição de custos, etc, sem prejuízo para o rigor académico, devia ser uma aposta há já muito tempo. Oxalá as experiências e debate durante a pandemia possam contribuir para o alargamento da oferta de cursos online, com programas de qualidade e acompanhamento rigoroso, e diplomas reconhecidos, sobretudo a nível de prosseguimento de estudos superiores. Abaixo desse nível, um regime híbrido também teria enormes vantagens.
As consequências do encerramento das escolas têm sido, para alguns, o desastre total. Defendem que a criançada em idade escolar irá sofrer perdas de aprendizagem brutais que se irão refletir ao longo da vida e das quais nunca irão recuperar. Se bem me lembro, antes da pandemia, quando saíam aqueles rankings e percentagens, no final do ano lectivo, os resultados, em média, dos alunos não eram nenhum espelho de excelência. Perante esse já negro quadro nem imagino o apocalipse educacional que está para estoirar. Assim que as escolas abram portas, vai ser preciso compensar estas perdas ou estes alunos irão ficar para sempre um passo atrás mercê da pandemia. Se por alguma razão não tiverem ou não quiserem ter sucesso, sempre poderão alegar a muleta pandémica e suscitar a compaixão dos vindouros. Serão para sempre a geração Covid. Ou seja, senhores directores e professores, preparem-se: se dantes vos era exigido o impossível, agora será exigido o impossível do impossível. Desculpem-me, mas acho estas ideias um pouco ridículas e derrotistas.
Outros - desculpem, mas li algures esse texto, aliás várias opiniões neste sentido, que fui retendo, não tenho o link - dizem que o país também sai tramado deste sortilégio: como o desenvolvimento depende das capacidades e competências adquiridas ao longo da vida, vislumbra-se uma grave estagnação. As possibilidades digitais de ensino a distancia não terão servido para nada, antes tivessem ficado todos de férias, passado o dia a jogar Minecraf e os professores passado estes meses a resolver palavras cruzadas. Uma parte dos alunos não se conseguiu adaptar às plataformas, outra parte não tinha acesso digital e isto foi remediado ou mal remediado, e faltou apoio porque os pais não são professores, além de também serem uns manetas digitais, nem a eles se conseguiram bastar no teletrabalho quanto mais socorrer a filharada. Ora, agora é que vão ser elas, blá, blá, blá. A sério? Então a escola pára uns meses e está tudo perdido? Até final do seu percurso de aprendizagem, as crianças e jovens não conseguem recuperar? Porquê?
Como eu disse, uma transição da escola em sala para o método online seria sempre complicada, os resultados seriam sempre variáveis, e fruto das circunstâncias em que as plataformas foram introduzidas, podem, sem dúvida, ser até questionáveis. Mas ao contrário desta gente alarmista, que sabe inglês e gosta de Pink Floyd, prefiro acreditar que nem tudo foi em vão e que nada está perdido. Pensem lá nisto: neste mês de Março passaram 10 anos sobre o terramoto e tsunami do Japão. Se os sobreviventes sobreviveram a tão terrível cataclismo, se o país se recompôs de tamanho horror e tragédia, estas crianças e jovens não vão ser capazes de dar a volta por cima? Só não dão se não quiserem e se não formos competentes o suficiente para ajudá-las, e sem esquecer que nem todos os alunos gostam, entendem a necessidade e vantagem de, e querem estar na escola.
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