Ever Given: o mega porta-contentores que cativou o mundo







Os mares são cruzados por diversos tipos de embarcações que prosseguem variados fins: pesca, turismo, desporto, carga. Os navios de carga - graneleiros, tanques, petroleiros, porta-contentores, etc - não costumam cativar a opinião pública, apesar de cruciais para a enconomia. Se são notícia nunca é por  razões muito boas e antes por terem sucedido acidentes e desastres, eventos dramáticos. Ao longo dos últimos dias, um navio porta-contentores que saíu da China rumo a Roterdão capturou a atenção do mundo inteiro: o Ever Given, propriedade da empresa japonesa Shoei Kisen Kaisha que navega sob bandeira do Panamá, encalhou no canal de Suez com mais de 18.000 contentores a bordo, o que terá sucedido por ter sido atingido por uma tempestade de areia e ventos laterais que o deslocou da rota. Durante 6 dias cerca de 200 navios aguardaram que o embróglio fosse resolvido, enquanto se somavam e seguiam esforços para desencalhar o gigante e acumulavam prejuízos.

Mas este troço onde o Ever Given encalhou não é o histórico e antigo canal de Suez, o maior sem eclusas em virtude de todo o trajecto estar ao nível do mar, e que demora entre 13-15 horas a ser percorrido. O canal original demorou 10 anos a ser escavado por europeus e egipcios, muitos destes recrutados à força para a empresa, que também originou elevado número de vítimas. A obra de engenharia transformou-se num símbolo de poder para o Egipto. Ao permitir a ligação entre o Mar Mediterrâneo e o Mar Vermelho, a sua travessia tornou-se numa rota fundamental para encurtar as distâncias entre Oriente e Ocidente.

O canal conheceu significativa expansão em 2015 após intervenção que passou a permitir a passagem de mega navios de carga. No espaço de um ano foi construída uma nova via, de cerca de 72km, paralela ao antigo canal - chamada "o novo canal de Suez" - e feita a reparação de cerca de 37 km do percurso entre Port Said, no Mediterrâneo, a Suz, no Mar Vermelho, com alargamento e aprofundamento do leito. A obra foi contestada por parecer ter sido pensada mais para criar união nacional e afirmação política que servir interesses económicos, não havendo indicadores seguros de que o volume expectável de transações comerciais futuras exigisse o aumento da navegabilidade do canal. 

O canal de cerca de 160 km de extensão é um atalho valioso cruzado diariamente por meia centena de navios. Quase 12% do comércio mundial passa pelo canal de Suez e também metade do petróleo que chega do Médio Oriente e que move o mundo. Perante o bloqueio alguns cargueiros foram forçados a procurar rotas alternativas, usando a rota mais longa que contorna o extremo Sul de África, pelo cabo da Boa Esperança, embora nela exista o risco da pirataria, São mais 8.000 km e muitos dias de viagem. Se a viagem é mais longa, se a mercadoria fica mais tempo a bordo, a viagem é mais cara. Quem vai pagar? O consumidor final vai sentir esse impacto nos produtos que adquirir. Cerca de três dias, possivelmente mais, serão necessários para o tráfego ser normalizado no canal e o efeito do bloqueio ultrapassará o simples atraso na recepção da carga. Dizem os entendidos que terá repercussões de vários meses em várias cadeias de abastecimento.

O tamanho de um navio é determinado pela capacidade de carga. A sigla TEU (Twenty-Foot Equivalent Unit) refere-se à Unidade Equivalente de Transporte. Esta unidade corresponde ao padrão de um contentor de 20 pés. É a medida padrão para medir capacidade de contentores em navios. (Um contentor padrão tem 6.10m (comprimento) x 2.44m (largura) x 2.59m (altura), ou aproximadamente 39 m3.

O contentor criado na década de 50 representou uma inovação e um melhoramento surpreendentes. Ele veio evitar a perda da mercadoria por perda ou deterioração, o seu fácil desvio, e uma forma expedita de carga e descarga. A aparentemente simples caixa de metal permitiu uma autêntica revolução nos transportes: o seu custo baixou, o que fez baixar o preço dos produtos para os consumidores, e em breve foi possível enviar de forma segura mercadorias a longas distâncias, carregar e descarregar e até mudar de meio de transporte utilizado.

O transporte por via marítima ultrapassa de longe a opção da via aérea, talvez represente mais de metade desse volume, e abrange de tudo: vestuário, alimentos, brinquedos, materiais, equipamentos, energia e matérias-primas, etc. À medida que a Europa passou a consumir mais produtos asiáticos, maiores os navios cargueiros se tornaram. Navios maiores são mais competitivos a vários níveis. São mais rápidos que as antigas gerações e exigem uma tripulação diminuta. Alguns chegam a transportar mais de 20.000 contentores. Levam mais mercadorias, mas consomem menos combustível, é graças à eficiência energética dos motores que se tornaram mais económicos. 

O seu contributo ao nível da poluição é ainda assim significativo pois usam uma mistura de óleo diesel com óleos residuais pesados da destilação do petróleo bruto, que emite óxidos de enxofre como subproduto da sua combustão no motor. Já existem projectos para cargueiros que aproveitam a energia eólica, essa será a opção do futuro, uma espécie de retorno ao passado, pós-combustíveis fósseis.  Estes mega-navios, de comprimento igual a quatro campos de futebol e mais altos que a Torre Eiffel, não estão, pois,  isentos de questões, nem são A solução. Desde logo porque  nem todos os portos são dotados de infra-estruturas capazes de operar a descarga e armazenamento de tamanha carga, e nem todos os portos permitem o seu acesso e fundeamento. Os navios mais pequenos continuam a ser necessários para que as mercadorias alcancem todos os destinos. Alguns destes navios têm meios para carregarem e descarregarem de forma autónoma. Além disso nem todos os portos poderão ser reconvertidos, nem isso faria sentido porfalta de viabilidade económica, ou da sua geo-localização, por exemplo, ou do investimento. Além de tudo o mais,e exactamente como acontece com o canal do Suez, que, por exemplo, enfrenta competição do canal do Panamá, ou do preço do combustível, que, a baixar, pode justificar a escolha de uma rota mais longa, ou ainda, o facto de degelo possibilitar uma rota pelo Ártico, ainda que sazonal, com quebra-gelos,  ou até ver a sua exploração ser posta em causa pela estagnação do crescimento económico, também estes gigantes podem vir a ser confrontados  com um futuro onde o seu tamanho se venha a tornar uma desvantagem, correndo o risco de ficarem "encalhados". Talvez o incidente do Ever Given no Suez seja então recordado como um aviso.

Os maiores porta-contentores que cruzam os mares

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O Ever Given em Belém?

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Uma verdadeira onda de memes do Ever Given varreu a internet.

Eis alguns:











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