Animal lovers: não pode ser o "vale tudo"
Imaginem que eu, mulher de meia idade, descabelada e macilenta após violento acordar em cima do meio-dia devido a nocturna maratona de cinema, e ainda antes de ter bebido o meu providencial café, envergando o meu coçado fato de treino de confinamento, e calçada com um par de sapatilhas sujas e descoladas, me fazia ao parque com a Luna usando uma trela de corda improvisada porque não encontrei a trela da Luna no meio da pan-balbúrdia caseira em que vivo, e a bicha não parava de ladrar urgência para ir fazer as suas necessidades, deixando-me sem alternativa. Imaginem ainda que a Luna coxeava. Imaginem que uma mulher saía do seu automóvel e me parava no caminho, e me perguntava se podia tirar uma foto, ao que eu rspondia que não com certo mau modo. Mas que ela, nada ligando, já de telemóvel artilhado, disparava a matar antes que eu pudesse sequer sacar do meu, ao estilo do bom velho faroeste. Daí a pouco a minha imagem nesses vergonhosos preparos estava por aqui, pelo nosso Facebook, a ser partilhada sem fim, apelo feito pela madame, a par da suspeita implícita de que eu não era uma boa dona para a Luna: afinal, aparentava nem de mim estar a cuidar muito bem! A mulher, no seu afã de praticar uma boa acção por dia, este coração generoso e amigo dos animais, esta anjinha da guarda dos canídeos errantes, perguntava-vos também se andavam à procura daquele animal, e dizia que tinha sido ameaçada por ter tirado a foto. Não sei se sabem mas eu realmente detesto esta cultura do tudo pespegar na internet, gosto de ter vida privada, e cada vez mais. Seguramente teria metralhado esta mulher com palavrão de redondo calibre. E se apanhasse uma garrafa ou uma lata de Coca a jeito, também era capaz de a atirar à traseira da viatura em marcha, bem sei, uma acção violenta que vocês em caso algum deverão desculpar apenas por ser esta vossa querida a obreira da mesma. Pois bem, ontem vi aqui uma fotografia de um rapaz cigano com um cão. Uma mulher tinha tirado essa foto, contra a sua vontade, e publicado para saber se alguém andava à procura daquele cão que vinha com ele, que coxeava e tinha uma trela de plástico. Foi ameaçada, disse. Conseguem, claro, imaginar a tempestade que entretanto aconteceu na sequência da publicação. Não vou abordar essa polémica, vou apenas partilhar o que me deixou mais perplexa, pois aquela seria o esperado. O que eu não esperava era saber, hoje, que a mulher é formada em Direito e acha que procedeu correctamente. Tirou fotos contra a vontade do fulano, partilhou na rede social e acha que é coisa fina: que merce uma medalha. No tempo em que estudei Teoria Geral do Direito não era. Mas a internet parece ter dado a volta à cabeça de muita gente. Como é que eu hei-de censurar a malta comum que partilha fotos que não são suas como sendo suas, se esta alminha, que andou na faculdade de Direito, não conhece os limites? É claro que lhe moveria um processo penal, faria queixa, é preciso fazer queixa, a imagem é um bem jurídico pessoal. No caso presente, o ciganito não deverá apresentar porra nenhuma. Li que a GNR investigou e que o cão tem chip, ele é o dono, e até é acompanhado no veterinário, tem um problema no osso, que os faz mancar. Mas há um par de horas ainda muitas vozes juram que ele maltrata animais, não sei se por terem provas disso ou apenas porque é o que os ciganos fazem. Parece-me haver claro abuso por parte de alguns animal lovers em algumas situações: vejo denunciar antes de inquirir, levantar falsas suspeitas, causar transtornos, atropelar a lei, etc. A causa é mais que justa, o trabalho é meritório mas não pode valer tudo. E agora tenho de levar a Luna à relva e espero não ter maus encontros. Este confinamento não está a fazer nada bem à minha imagem.
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