Sobre os testes do Presidente da República e o confinamento. Escreve Gustavo Carona
Fonte: https://www.facebook.com/gustavocaronahumanitariandoctor/
Sobre os testes do Presidente da República
Dispensávamos este circo, mas aconteceu. Os que estão pela compreensão da questão ouvirão os peritos, os restantes aproveitarão para confabular teorias da constipação, e todas as visões paralelas da realidade, e isso é perigoso, porque paga-se em vidas, em atraso da recuperação económica, e da nossa alegria de viver.
Premissas a ter em conta:
- Há 20-30% das pessoas que têm infecção assintomática. Ou seja, têm contacto com o vírus, têm seropositividade, mas não se apercebem de qualquer sintoma (tal como no HIV, VHB e VHC, p.e. nas fases inciais)
- Não há testes falsos-postivos. A especificidade dos testes PCR é cerca de 99% , o que quer dizer que o teste quando dá positivo identifica sem margem para dúvida (razoável) a presença de genes do vírus no corpo.
- A doença tem uma fase de virémia que vem depois da incubação, que dura cerca de uma semana (pode ser mais nos casos mais graves) e é nesta fase que temos mais vírus no corpo.
- Depois da fase de virémia, já não estamos contagiosos, mas podemos ainda ter pedaços do vírus no organismo, que fazem com que a pessoa tenha o teste PCR positivo, mas pode estar curada, se esteve sintomático. Vimos isto na 1a vaga inúmeras vezes. Pessoas após a infecção terem ficado curadas, mas tinham durante muito tempo testes positivos. Nesta altura até se pedia dois testes de cura negativos. E vimos muitos (ex) doentes a ter um teste negativo e depois positivo, ou ao contrário. Mas isto não é um falso-positivo. Seria um falso-positivo se a pessoa nunca tivesse tido contacto com o vírus. Daí que testar assintomáticos seja sempre um exercício difícil. Quando há 1 teste PCR SARS-CoV2 positivo temos a certeza que a pessoa já teve contacto com o vírus, mas só saberemos em que fase da doença está, se teve sintomas. (Existem sim, falsos-negativos. Ou seja, doentes com sintomas, com alterações nas análises e na TAC Torácica características, em que 1 teste vem negativo, embora se venha a confirmar por um outro teste que efectivamente se trata de infecção por SARS CoV-2. Mas os falsos-negativos, não interessam muito para compreender o caso do Presidente) O Presidente, não tendo nos últimos tempos referência a qualquer sintoma, torna-se difícil interpretar o timing do contacto com o vírus, mas que teve, teve. E daí, um dos grandes desafios desta pandemia.
Aproveitar este "episódio" para desacreditar a comunidade ciêtifica é um exercício de pura má-fé. Ou então, acham que temos mais de 4200 doentes a fingir que estão doentes, e 600 dos quais a fingir que estão a morrer nos Cuidados Intensivos, e claro todos os profissionais de saúde a fingir que estão a fazer o trabalho que sempre fizeram.
Podem dar as voltas que quiserem ao tema. A razão pela qual temos que confinar (na minha opinião, claro) não tem a ver com o número de casos positivos por dia , mas sim o gigantesco número de internamentos de doentes Covid que estão em risco de vida se não tiverem cuidados hospitalares, e o que estes números de doentes obrigam a condicionar no tratamento de uma série de doenças não-Covid, em particular as que causam risco de vida iminente.
Está a acontecer em todo o mundo, e até a Suécia vai para confinamento. Os organismos de saúde nacionais, europeus e mundias têm o aconselhamento de TODA a comunidade ciêntifica, que se questiona, discute, e de uma forma consesual e colegial informa todas as pessoas que estejam disponíveis para ouvir. Ser sensato e acreditar em quem sempre fez ciência e olhou pela nossa saúde, ontem, hoje e sempre, é um exercício de enorme inteligência.
Sobre o CONFINAMENTO
- 1) Quanto mais precoce, mais eficaz. Já devia ter sido há muito tempo. Países que fecharam mais cedo, abriram mais cedo (tal como Portugal na 1a vaga).
- 2) Vai acontecer desta vez porque esta a avalanche de doentes está acontecer também na grande Lisboa, perto dos decisores políticos, gente "famosa" e por aí fora vai ser mais susceptível. Porque se houvesse razão em vez de emoção nas decisões deveria ter acontecido em Outubro/Novembro, para ser mais curto e mais eficaz.
- 3) É imperativo que se fechem as escolas, no mínimo as idades que não precisam dos pais a tomar conta em casa. As crianças/adolescentes/jovens são dos maiores propagadores do vírus de uma família para a outra.
- 4) É péssimo estarmos em eleições em que reina a demagogia barata, dos que têm soluções milagrosas de salvar vidas, salvar o ensino, salvar a economia, falar dos "não-Covid", salvar "grupos de risco" , etc. Salvam tudo, o que quer dizer que não salvam ninguém. Não ouçam demagogos, ouçam os especialistas.
- 5) Isto é um desafio de probabilidades, a cada contacto que temos, sem distanciamento e sem máscara, estamos a potenciar a propagação da pandemia.
- 6) Só há 2 soluções preponderantes: 1)Identificar os positivos pelos sintomas e por testes e isolá-lo juntamente com os seus contactos, e 2) diminuir o contacto entre as pessoas enquanto os serviços de saúde estiverem em ruptura.
Todos estamos preocupados com as vidas que se perdem, com a economia e a crise social, com e os terríveis impactos do ensino fora das escolas, e ainda com os efeitos que a falta de socialização tem na nossa felicidade e saúde mental. Fechar mais cedo, fechar "totalmente" é mais eficaz e será mais curto. Temos de ir da emoção à razão, e da razão à emoção novamente para nos segurarmos uns aos outros nestes tempos tão difíceis. Comecem já, a tirar do ordenado das pessoas que, como eu, não estão a ser afectadas economicamente por esta crise para proteger financeiramente os que têm que limitar o seu negócio para salvar vidas. Os números a analisar, na minha opinião devem ser os internamentos, porque o grande limitador é a pressão hospitalar que está a impedir o tratamento de doentes Covid e não-Covid. Quando os internamentos baixarem drasticamente, entendo que deveremos aos poucos regressar ao "normal". Repugno o nacionalismo por estar nas antípodas dos direitos humanos, mas tenho um enorme orgulho em ser Português. E se queremos ter mais orgulho em nós e na nossa sociedade temos que fazer um grande esforço para encontrar humildemente o nosso papel no bem-comum.
Este é o maior desafio das nossas vidas. Abram os vossos corações.
Comentários
E, enquanto o governo brincava aos suecos, todos os partidos da oposição, da esquerda à extrema-direita gritavam que era demasiado! Não se pode confinar! Teremos mais um ano de 2021 de pandemia, bem pior que o de 2020. Mas alegremo-nos, já há vacinas! Pena que não ressuscitem todos os que já morreram.