O transporte do gás engarrafado e outros poemas de Alexandre O'Neill



O Transporte do Gás Engarrafado

Fernandes, a transportadora, bem gostava
de não encontrar, logo à primeira, o cliente.
De cada vez-garrafa ela cobrava
vinte e oito e seiscentos, minha gente!

Passeava a garrafa, consoante o utente
em sua residência se encontrava ou não
(ou a transportadora dizia que era ausente);
e assim, de cada vez, Fernandes facturava,
vinte e oito e seiscentos, salvo erro ou omissão.

Por seu turno, o usuário protestava
contra os atrasos da distribuição.
Que sim! Que sim! Que estava sempre gente em casa!
E olhava, desolado, esquentador, fogão.

Somava e seguia sobre rodas
a Fernandes, que as sabia todas,
e a Cilda, até às vezes lhe pagava
mais do que recebia pela garrafa.

Entretanto, trabalhadores tomaram
a situação em mão
e a distribuição do gás já repensaram
para bem da população.

Que faz do meu país o baladeiro audaz?
Canta raivas, amores… Por que não canta o gás,
Mais a Fernandes e a distribuição?



Balada da Ameixa Seca


Vai à mercearia e compra ameixa seca.
P’ra o intestino a ameixa é levada da breca!

O mal do Ocidente – quem há que não o sinta? –
é não ter a tripa sempre limpa.

Com seus altos valores, o Ocidente
dá por demais ao dente, dá por demais ao dente.

Põe-me os olhos nos povos que só comem arroz:
dão melhores guerrilheiros do que nós.

Um saquitel de arroz, uma biciclet’,
arma na bandoleira – e lá vai o viet.

«Noss’povo», ao contrário, come o que apanha à mão.
Até parece fome de muita geração!

E larga, já comido, o corpo em qualquer canto.
Sonha Terceiro Mundo e é Europa, entretanto.

Encostado ao sobreiro ou ao ficheiro,
«Noss’povo» já nada tem de marinheiro.

Sua tripa, represa, é trabalhosa.
Sua prosápia já só é má prosa.

Portugal-do-casqueiro à Europa-das-latas
manda cortiça, vinho, diplomatas.

Espera contrapartidas: sol-e-vistas
é cartaz que atrai muitos turistas.

Mas com a ameixa seca – coisa pouca! –
é que pode acordar sem amargos de boca.

Vai à mercearia e compra ameixa seca.
P´ra o intestino a ameixa é levada da breca!


O Chaparrão de Glória ou o Caso do Camionista Arboricida


De um chaparro se orgulhava
Glória, a do Ribatejo
chaparrão tricentenário
- uma árvore que botava!-
e à volta da qual dançava
o povo homenageário

Não digo que ele chegava
em seu poder tutelar
ao carvalho de Guernica
esse carvalho sagrado
à sombra do qual os reis
- contrariados, quem sabe? –
Juravam, por sua fé
respeitar as liberdades
dos Bascos, povo de lei
gente que foi o que foi,
gente que é o que é

O Chaparrão de Glória
- trezentos anos contados –
nunca quis crescer na História
nunca foi bombardeado
como a árvore de Guernica
pela Condor, legião nazista.
Iria morrer, coitado,
- e isto já se antecipa –
aos golpes de um camionista.
De qualquer modo, o chaparro
de Glória do Ribatejo
era o mais velho da terra
- objecção não prevejo! –.
Como não ia ao Café,
iam ter com ele, não é?

Ora um dia, um camionista
- que eu chamo de Maximínimo –
sentiu no toutiço a crista
de galo de muita briga
e resolveu – que menino! –
à falta de rapariga
(“Espera aí, que eu já te agarro!”)
bater no velho chaparro.

Por que tascas se arrastara
p’ra estar assim tão à rasca?
Camionista que se preze
e transporta anchas cargas
conta tanto com as árvores
como conta com a estrada!

Ao grito: “Democracia
e…portanto mando eu!”
o camião já enfia,
o pobre desse sandeu,
contra o chaparro ancião
e com as vigas de cimento
- a carga que transportava –
tantas vezes lhe batera,
tantas vezes lhe bateu
que o chaparrão derrubava
e em três estúpidos tempos
nos três séculos matava
o aprumo da terra ao céu!

E assim, p’ra vossa memória,
aqui fica a triste história
do Chaparrão da Glória.

P.S. às autoridades
Se encontrarem o camionista,
não receiem, por favor
que ele não é nenhum bombista…
Tirem-lhe a carta e a crista
e tratem-no com rigor.

Comentários

Maria disse…
No dia que comemoramos o nascimento de Cristo, desejo que no seu coração renasçam a esperança, a fé e a paz. Feliz Natal! Que você possa viver esta época natalina em plena alegria, e na companhia da sua família. Que o amor e todos os bons sentimentos prevaleçam sobre o materialismo dos presentes. E que Deus conceda a você e toda sua família muita felicidade e saúde o ano todo. Tenha um Natal abençoado!