O novo coronavírus não sabe que é Natal


Covid 19 e contaminações durante as Festas. Já pensaram nisso a sério? Este banner é de uma campanha lançada em Portimão há umas semanas. Apelava ao cumprimento das regras sanitárias (uso de máscara, etiqueta respiratória, arejamento de espaços, distanciamento social, higiene das mãos) pelos cidadãos para poderem ter o seu Natal do costume. Infelizmente os números de infectados e mortos continuam a subir, aqui e na Europa. A propósito disso mesmo, Merkel fez um discurso dos mais emotivos que se lhe conhece, tornou-se viral. Na Alemanha, que na primeira fase da pandemia conseguiu números invejados pela maioria dos países, a população ainda não parou se assistir ao aumento de número de mortes. Ou seja, às portas do Natal é já muito difícil acreditar que vamos ter o nosso Natal, aquele que todos queríamos, aqui ou na Europa, por ventura, no mundo. 

O que se impõe é então repensar o Natal, já o sabemos. Somos instados a pensar nas consequências dos nossos comportamentos e a questionar se o que desejamos de presente é começar o ano novo com dois meses de limitações mais duras e angústias acrescidas em nome da tradição. Ou se, pelo contrário,  não será possível reajustar a tradição ao momento presente que atravessamos e os nossos comportamentos para evitar a subida dos números.  

A quem dar ouvidos neste momento, ao Ministro, à OMS, ao médico de família, ao especialista, ao amigo negacionista, cansados que estamos de tantas indicações, avanços e recuos, mais incertezas que certezas, vozes dissonantes, pode ser também um quebra cabeças. Pois, bem sei, é complicado mas pode até ser simples, se assim o quisermos. O seguro morreu de velho e, bem vistas as coisas, festas de Natal e Ano Novo nunca foram uma questão de vida ou de morte para ninguém. Todos nós, por algum motivo, já passámos por uma ou pelas duas ocasiões festivas sem grande alarde, ou até desejámos não ter de passar por nenhum desses acontecimentos ciclicamente trazidos pelo calendário, fruto de circunstâncias que podem ser muito variáveis. E aqui estamos, vivos ainda,  para contar que sim, que assim foi. No entanto, este ano, dizem-nos que das nossas celebrações familiares tradicionais poderão resultar mortes, ou, pelo menos, internamentos  prolongados, com sequelas imprevistas. Serão poucas? Talvez. Mas uma morte que não passa de estatística para uns, é sempre demais para  alguns poucos ou muitos, como sabemos. 

Já que chegámos até aqui, Dezembro, um ano quase decorrido do surto em Wuhan, ao momento em que estamos a um passo de vacinar grande parte das pessoas, e em que devemos ser optimistas pela primeira vez desde que isto começou, pese embora o processo expedito com que as vacinas  foram produzidas, propício a dúvidas quanto ao seu resultado que parece ser quase milagroso, - mas que pode apenas ser o resultado de conhecimento científico acumulado e  de conjugação de esforços -  creio que esquecer a "obrigatoriedade" de festejar o Natal e o Ano Novo em moldes convencionais não é pedir muito. No entanto, como tenho observado, de perto,  que  pessoas de todas as idades continuam  a proceder diariamente como não se passasse nada e fosse ficar tudo bem, não acredito muito na contenção da maioria. A maioria, quando tem liberdade de escolha, quando lhe é dada a possibilidade de decidir,  abusa, e quando não tem escolha e é obrigada a cumprir sob coação, só sabe é queixar-se de  que foi amordaçada nos seus direitos. Prova? O dia de Ação de Graças fez disparar o número de contágios nos EUA não obstante ter sido pedido aos norte-americanos que não se viajasse, que se celebrasse o importante dia apenas com o agregado familiar nuclear ou que se optasse pelo exterior para as reuniões.  

Saio à rua e os altifalantes alternam entre música de Natal e avisos à população: "Lembramos que o vírus continua a circular. Cumpram as regras de prevenção." Sinto-me no cenário de um filme mesmo que seja a minha realidade de meses. Não tenho tido qualquer vontade de escrever sobre a Covid 19 neste espaço, refletir, esmiuçar. Não falta quem o faça em excesso, como se nenhum outro tema existisse a merecer atenção. Como devem ter constatado limito-me a partilhar algumas informações sobre o assunto. Como toda a gente, só anseio pela  hora de recuperar a normalidade. Nas notícias o mundo gira há meses cativo de estudos, testes e de pacotes de medidas Covid 19 como se nada mais houvesse de preocupante. Esta visão em túnel da realidade desgasta a aliena e faz-nos sentir mais impotentes ainda, e também descrentes na função de esclarecimento que nos é devida pelos órgãos informativos. 

Não creio que o vírus se vá embora das nossas vidas tão cedo, mas se nos estão a pedir que previnamos que as pessoas se despeçam de nós cedo demais, ainda que poucas sejam, ainda que não as conheçamos, creio que devemos fazer esse esforço  em seu nome e em nome de quem será chamado a socorrê-las no momento em que adoeçam. A classe profissional que tem carregado sobre si, de forma directa, o peso desta crise e pago a sua dedicação até com a morte, tem-se desdobrado em apelos mas não chega. Passado que foi o tempo da euforia ante os heróis e das palmas à janela,  ninguém esperava que tudo se arrastasse por meses e meses. As pessoas capitulam na sua vontade, é normal, mas temos de ser mais fortes. Até em nome de quem tem visto os seus negócios serem arruinados por causa da Covid 19 ao longo destes meses, ou mesmo de tantos outros profissionais para quem a rotina de trabalho se transfigurou de forma quase insuportável: lembro aqui os esquecidos assistentes operacionais das escolas, por exemplo, já para não falar dos professores que aula sim, aula não, são questionados pelos alunos sobre a Covid 19, ou então a lidar com as suas provocações e brincadeiras em torno da mesma, minando qualquer planeamento de aula e obrigando a esforço redobrado. E também em nome daqueles outros doentes a quem a sobrecarga da pandemia deixou relegados para segundo plano no atendimento das suas necessidades de saúde, sabemos que exames e certos tratamentos foram adiados, o mais provável é que com algum prejuízo dos pacientes. Estes esforços não foram em vão e quaisquer esforços continuarão a ser válidos para que possamos superar a pandemia e se não vencer o vírus pelo menos conviver com ele de maneira a que o controlemos e não ele a nós. Se pudermos fazer alguma coisa para fazer baixar o número de novos casos, novos internamentos, novas ausências ao trabalho, estamos a contribuir positivamente para que alguma da normalidade (anormal) dos nossos dias perdure. Tem de ser essa a nossa motivação. Ninguém quer acordar em 2021 para saber que tem de se confinar de novo, o que seria o pior cenário possível, agora, finalmente no início de uma nova etapa de luta contra o coronavírus. Ninguém aguenta outro confinamento: nem psicológica nem materialmente.

É verdade que à maioria nada de mais acontece quando contrai o vírus, nada mais que uma constipação ou uma "gripezinha", como  disse o Bolsonaro, para depois dizer que isso tinha sido uma invenção dos media. A maioria recupera e segue despreocupadamente a sua vida. No entanto,  as sequelas da infecção ainda não são de todo claras. Há quem, passados meses, continue a manifestar queixas. A esse desconhecido somam-se os relatos de alguns casos, independentemente da idade dos pacientes, graves, com sobrevivência em condições muito desanimadoras, com períodos de recuperação muito longos e trabalhosos, sendo um caso extremo o de um homem do norte, saudável, na casa dos 50, que esteve internado em coma 4 meses e que deixou de andar, estando a fazer fisioterapia até para treinar a escrita. Há meio ano que o vírus entrou na vida dele e a alterou radicalmente, e a da sua família. Portanto, se muitos não devem temer a morte por não fazerem parte dos grupos de risco, devem, pelo menos, atentar nesta margem de incerteza pois com o seu comportamento podem estar a contribuir para a disseminação do vírus, podendo condenar terceiros a largo sofrimento, ou a si mesmos, ainda que se julguem intocáveis. Sendo assim, não será apenas razoável ser cuidadoso naquilo em que se puder sê-lo? Mas no supermercado há pessoas que continuaram  sempre a colar-se às minhas costas, ignorando as marcas assinaladas no chão. Uma senhora, a quem fiz notar o facto, disse-me que aquilo não resolvia nada. Mesmo que ela acreditasse nisso, custava-lhe muito manter a distância? Será que por estar colada a mim iria ser atendida primeiro? Teria desconto nas compras? É exigir muito que se guarde alguma distância da desconhecida à nossa frente na fila do supermercado? Se nem isso alguns fazem, querem que os apelide de quê? Inconformistas, resistentes, idiotas?

É possível, creio que sim, que apesar de todos os esforços, que acabemos todos com o vírus a circular dentro de nós. Ontem li que em Espanha 1 em cada 10 pessoas está infectada, mas não averiguei se a notícia tinha ou não fundamento. Tento limitar o número de leituras sobre  a Covid 19 a um mínimo saudável. Se formos contagiados isso será muito, pouco ou nada impactante em nós ou no nosso círculo, mas só o saberemos quando nos acontecer. Podemos apenas conjecturar que seja assim ou assado. Para uns faz sentido adiar ao máximo essa experiência, enquanto que para outros parece que é o oposto: houve até quem fizesse festas para partilhar o vírus no grupo de amigos. Covid 19 e contaminações durante as Festas: o que fazer? 

Entendo que cada um deve fazer a escolha com que mais se sentir confortável. Viver com medo, não,  mas também não devemos viver como se não houvesse amanhã. É que o amanhã vai chegar e pode ser duro, mais doloroso do que o que já experimentámos. Não é preciso ser um grande comunicador para afirmar que, neste contexto, quando não sabemos ainda se a vacinação é mesmo a solução ou se o SNS se irá aguentar, se foi ou não reforçado, mais valerá prevenir do que remediar. Janeiro e Fevereiro poderão ser meses de congratulação ou de grande crispação. Não depende apenas do que fizermos, mas devemos fazer a nossa pequena parte, o que estiver ao nosso alcance, para evitar o pior. Não ficar refém do medo mas tão pouco fingir que só acontece aos outros ou pensar apenas no imediatismo.  O ideal é equilibrar a informação e bom senso, e, sobretudo, agir em conformidade. 

Parece ser consensual que a DGS não sabe comunicar de forma clara e prática e, talvez por isso, multiplicam-se as achegas para tornar a mensagem de prevenção e operacionalização durante as Festas o mais clara possível. Muitos riram à custa das medidas recomendadas pelo substituto de Graça Freitas, rir é o melhor remédio, é um bom exercício. As boas intenções não chegam: é preciso ser prático e claro, o que nem sempre exonera do risco de parecer igualmente ridículo ou despropositado. 

Encontrei na revista Visão este conjunto de regras para viver um Natal mais seguro. São da autoria de uma pneumologista, Raquel Duarte, que assim se junta ao esforço da DGS para nos fazer optar por viver um Natal diferente mas mais seguro. É assim: estamos a viver um dos períodos mais estranhos de que a maioria de nós terá memória e temos a opção de tentar evitar contágios através da adopção de certas medidas que não são o que gostaríamos de ler neste momento. Infelizmente o ano é 2020, há uma pandemia em curso, e o coronavírus não sabe que é Natal. 

1. NATAL XS O ideal é limitar as celebrações às pessoas que vivem na mesma casa mas, se não for esse o caso, existem alguns cuidados que podem diminuir a possibilidade de contágio.

2. SÓ MAIS UM AGREGADO “Se for convidar alguém, escolha apenas um único agregado familiar”,  Essas duas famílias criam uma “bolha” que deve ser mantida ao longo de toda a quadra, ou seja, as pessoas que se reúnem na consoada devem ser as mesmas que participam, por exemplo, no almoço de Natal. Caso sejam convidadas pessoas diferentes, aumenta o risco de um surto.

3. LIMITAR CONTACTOS É fundamental reduzir os contactos com pessoas que não pertencem ao mesmo agregado familiar nas duas semanas anteriores à quadra natalícia e, também, nas duas semanas seguintes para diminuir a probabilidade de contágio fora da “bolha”. Por isso, o melhor é mesmo esquecer aquele jantar com amigos para a troca de prendas do “amigo secreto”.

4. RESTAURANTE CASEIRO Em casa, devem cumprir-se as mesmas regras como se a consoada se realizasse num restaurante. A máscara só deve ser retirada enquanto se está a comer e deve voltar a ser colocada assim que se termina a refeição. O momento do repasto é o mais arriscado, desde que durante o resto do tempo se utilize máscara e se mantenha o distanciamento.

5. ORGANIZAR OS LUGARES Os membros do mesmo agregado podem estar sentados próximos uns dos outros, mas devem estar a dois metros de distância de outras famílias. “Se a mesa for demasiado pequena, uma solução pode ser sentar as pessoas em mesas diferentes”. Se não viverem na mesma casa, os convivas devem ser sentados lado a lado ou em ziguezague e nunca frente a frente. Se entre os convidados estiverem pessoas que pertencem a grupos de risco como, por exemplo, os idosos, é especialmente importante manter a distância e sentá-los numa zona da mesa em que possam ficar longe do resto da família.

6. NÃO PARTILHAR Apesar de a quadra apelar ao contrário, este Natal a partilha deve ser evitada ao máximo. Não se devem partilhar quaisquer objetos, nem deve ser servida comida que se coma com as mãos. Cada agregado familiar deve ter a sua própria travessa de comida e, também, utensílios de servir. Até as cestas de pão devem ser separadas por famílias, tal como as bebidas, como garrafas de vinho, sumo ou água. Mesmo dentro de casa deve manter-se a lavagem frequente das mãos e o cumprimento da etiqueta respiratória.

7. CONSOADA AREJADA Apesar do frio, as janelas devem manter-se abertas. Estando comprovado que o vírus SARS-CoV-2 também se transmite por aerossóis, além de gotículas, arejar as divisões é fundamental para o dissipar e diminuir a possibilidade de contágio. Em vez de toda a família se reunir na sala de estar para conversar, pode optar-se por uma caminhada no exterior, um encontro no jardim ou uma reunião na varanda. O melhor é mesmo levar um casaco para a consoada.

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