A costureira


Esta fotografia dá pano para mangas, tanta coisa que nela se pode ler e refletir. Mas fez-me, em particular, recordar um momento, lá pelos meus 13 anos, de menina prendada. Já sabia coser à máquina e decidi fazer umas calças compridas num tecido acinzentado que sobrava lá por casa. Só porque via a minha mãe costurar achei que era capaz, coisa fácil, bastava fazer e depois seguir o molde, prender com alfinetes o tecido esquivo, cortar, alinhavar, chulear e depois fazer correr o pano sob o calcanhar metálico da Oliva. Não estava era preparada para certas exigências de finalização, por exemplo, inserir o fecho de correr na abertura frontal, ou casear a casinha do botão do cinto. Já não recordo como ultrapassei esses desafios, mas antes deles, foi preciso fazer esse dito cinto. Já volteava ao espelho envergando a minha obra de costura e estudava a marcação das bainhas em cada perna quando tomei consciência de que não fazia ideia de como marcar a minha linha de cintura na peça. Talvez o molde que desenhei fosse mais comprido do que o necessário, talvez tivesse deixado tecido extra, à cautela. Não me recordo, mas era preciso cortar aquele excesso que, bem ajeitado, quase dava para fazer umas jardineiras! A afoita costureira corria naqueles centímetros o risco de cortar ou muito abaixo ou muito acima. Neste caso não seria problemático mas uma tesourada abaixo do certo ditaria a ruina da peça, exigiria emendar pano, enfim, atrasaria a conclusão, e por algum motivo eu encontrava-me numa corrida contra o tempo, ou então num despique apenas comigo mesma. Então, vestidas as calças, talvez ainda sem as costuras abertas a poder de vapor, usei uma corda que usava para saltar- era o que havia, decerto, à mão - e apertei-as à roda da cintura. Depois, com um lápis a cocegar-me o corpo, arrisquei riscar o caminho no tecido por onde deveria cortar. Resultou. Completei esse par de calças num dia, no entender da minha mãe, um feito chocante. Modista de profissão, ela era extremamente exigente com cada ponto, cada remate: cada centímetro de pano que descansava sobre o corpo das clientes era trabalhado até assentar milimetricamente, o avesso tão perfeito quanto o direito. A pressa era uma declarada inimiga da perfeição. O improviso inexistente. Por isso ainda mais horrorizada ficou quando lhe contei do meu expedito processo. Usei essas calças de Verão até se romperem, com muito orgulho, ainda que aos olhos de todos parecessem banais no seu terylene cinza. As minhas primeiras e desenhadas à medida!

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