Oscars 2020. Parabéns Parasite!
É oficial. Filmes legendados são tão bons como quaisquer outros para Hollywood. Pelo menos este ano, são, no que toca à opinião da Academia. Não há garantia de que no próximo ano ainda sejam. Foi épico, ah, pois foi. Parabéns Parasite, que tal como a família pobre infiltrada na casa dos ricos se conseguiu infiltrar subrepticiamente na casa forte dos filmes sem legendas! Foi uma noitada e tanto. Já não me recordo, e não quero recordar, da última vez que assisti em directo à entrega dos Oscars. Não é preciso fazer contas ao tempo que passou, basta olhar as caras de Spielberg ou de Tom Hanks ou Laura Dern.
Anos depois constato que a cerimónia da entrega dos Oscars é o que é, não mudou assim tanto, um anfitrião a menos, mais prémios para distribuir, mais mulheres e mais negros, mas, parece, ainda não que baste. Ainda assim os resultados, no que à diversidade toca, foram até positivos mesmo se o espectáculo tenha dado muito palco aos ausentes, e não apenas no in memoriam, - onde, paradoxalmente, alguns foram esquecidos - como se a Academia sentisse culpa e se quisesse redimir de alguma coisa: o dilema de fazer nomeações que agradem a todos e todas continua presente.
Logo no número de abertura, Janelle Monae cantou com a energia e garras habituais, e dançou com o manto de flores de Dani, com bailarinos também vestidos como as personagens de Midsommar, e de Us, onde Lupita Nyong'o interpreta dois papéis - representantes de um eterno género esquecido pelos Oscars, até The shining não ganhou nenhum - Queen and Slim – que não vi - e Dolemite, - um filme com alguns bons créditos enquanto comédia, uma boa interpretação de Eddy Murphy, e que homenageia a história do cinema improvável. Depois, a reunião do trio de actrizes Gal Gadot, Brie Larson e, Sigourney Weaver, a Super Mulher, a Capitã Marvel e a Tenente Ripley, e um discurso sobre todas as mulheres serem super heroínas. São apenas dois inequívocos apontamentos sobre o facto de tanto afro-americanos como mulheres ainda não estarem presentes nas listas de nomeados como seria desejável. Esta questão acaba também por informar o humor que agita a noite, e, a dado momento, parece ser verdade aquilo que depois Phoenix vem dizer, que o cinema – e, em particular o palco privilegiado dos Oscars - cria uma plataforma para dar voz aos que não têm voz. Esta nuvem que paira sobre os Oscars – e a indústria em geral - faz com alguns cinéfilos se enfadem e digam que antigamente é que era lindo. Não esperem que a controvérsia desapareça. Um dia até será possível que deixem de existir Oscars para as mulheres e para os homens. Afinal o que fazem uns e outros? Levantam pesos? Não, apenas representam papéis. Já pensaram nisso?
Os Oscars são os Oscars, mas, também, apenas os Oscars, mais um prémio, entre muitos, com um fito específico, como tantos outros, apenas o mais desejado ou popular, assim nos é vendido. Parasite já era um grande filme antes de ganhar os Oscars. Agora ganhou prestígio. Todavia, o grande juiz sobre a grandeza de um filme não são os Oscars, nem os Bafta, nem os Leões, nem as Palmas – eis um festival que premeia mais a autoria do que a qualidade comercial e técnica conjugadas, estes certo paradigma de valores de produção que são a fórmula aparente dos Oscars – e ninguém precisa deles para ver cinema. Há bom e mau cinema nos Oscars e fora deles, idem. Não é uma questão matemática, é de ponto de vista. Os Oscars são boa publicidade, são a indústria a dizer que está viva e de boa saúde, e a vender-se um poucochinho mais ao mundo a cada ano. Só isso. Quem é que ainda é ingénuo e não sabe? E quem é que fica acordado a ver os Oscars sabendo como é e o que a casa gasta para depois apenas censurar? Se não presta para nada, mudem de canal, vão ler um livro, vão fazer amor, dormir, qualquer coisa. Não são apenas os portugueses que estão fartos da cerimónia, são também os americanos. É o mundo inteiro. Mas querer que os Oscars sejam algo diferente do que são é como querer que o Festival da Canção seja outra coisa. É de esperar sentado e ir fechando os olhos como o Scorsese fez enquanto Eminem agitava a sala, com a sua canção oscarizada, Lose yourself, que já tem barbas, como ele mesmo, num dos poucos momentos verdadeiramente animados da noite.
Assistir à cerimónia até ao fim foi tal e qual como ver filmes cujo final coroa todo o slow-burning de uma história. Parasite tornou-se o primeiro filme em língua estrangeira a vencer o certame. Bong Joon tinha dito que quando as pessoas (os americanos) se habituassem a ver filmes com legendas podiam descobrir bom cinema, uma afirmação questionável, sendo o cinema uma linguagem da imagem, uma expressão universal. Parece que foi ouvido. A culpa de muitos filmes passarem despercebidos talvez seja menos das legendas que de outra coisa que também condena os pequenos filmes independentes norte-americanos a dificilmente alcançarem a ribalta. Ter super-poderes não chega para voar até ao palco do Dolby Theater, nem para mulheres, nem para homens, nem mesmo para os filmes se não existir dinheiro no bolso dos produtores para fazer toda uma campanha. Não são só as legendas. O universo cinematográfico é vasto e está repleto de estrelas de várias grandezas. Felizmente, deixar que os Oscars as ofusquem com todo este seu conhecido brilho e barulho mediático também depende da nossa vontade.
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Bjxxx
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