José Mário Branco, 1942-2019.
O álbum Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades, foi o primeiro álbum a solo de José Mário Branco. Gravado em 1971, em Paris, onde o cantor estava exilado devido à ditadura do Estado Novo, é uma obra fundamental da música nacional. Assisti a um único concerto de JMB, no CCB, em 1997. O último CD a ser editado, Inéditos, saiu o ano passado.
CCB, 1997
O homem está morto.
Aceito, sob protesto.
Abertura (Gare d'Austerlitz) (José Mário Branco)
Cantiga para Pedir Dois Tostões (Sérgio Godinho/José Mário Branco)
Cantiga do Fogo e da Guerra (Sérgio Godinho/José Mário Branco)
O Charlatão (Sérgio Godinho/José Mário Branco)
Queixa das Almas Jovens Censuradas (Natália Correia/José Mário Branco)
Nevoeiro (José Mário Branco)
Mariazinha (José Mário Branco)
Casa Comigo Marta (Sérgio Godinho/José Mário Branco)
Perfilados de Medo (Alexandre O'Neill/José Mário Branco)
Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades (Luís de Camões - José Mário Branco/Jean Sommer)
Cantiga do fogo e da guerra
Há um fogo enorme no jardim da guerra
E os homens semeiam fagulhas na terra
Os homens passeiam co'os pés no carvão
que os Deuses acendem luzindo um tição
Pra apagar o fogo vêm embaixadores
trazendo no peito água e extintores
Extinguem as vidas dos que caiem na rede
e dão água aos mortos que já não têm sede
Ao circo da guerra chegam piromagos
abrem grande a boca quando são bem pagos
soltam labaredas pela boca cariada
fogo que não arde nem queima nem nada
Senhores importantes fazem piqueniques
churrascam o frango no ardor dos despiques
Engolem sangria dos sangues fanados
E enxugam os beiços na pele dos queimados
É guerra de trapos no pulmão que cessa
do óleo cansado que arde depressa
Os homens maciços cavam-se por dentro
e o fogo penetra, vai directo ao centro
Música: José Mário Branco
Letra: Sérgio Godinho
Cartoon de Vasco Gargalo
Num registo algo diferente, José Mário Branco canta Quando eu for grande quero ser , com o Bando dos Gambozinos, no teatro Rivoli, no Porto, a 30 de Julho de 2000.
Quando eu for grande quero ser
Um bichinho pequenino
P'ra me poder aquecer
Na mão de qualquer menino
Quando eu for grande quero ser
Mais pequeno que uma noz
P'ra tudo o que eu sou caber
Na mão de qualquer de vós
Quando eu for grande quero ser
Uma laje de granito
Tudo em mim se pode erguer
Quando me pisam não grito
Quando eu for grande quero ser
Uma pedra do asfalto
O que lá estou a fazer
Só se nota quando falto
Quando eu for grande quero ser
Ponte de uma a outra margem
Para unir sem escolher
E servir só de passagem
Quando eu for grande quero ser
Como o rio dessa ponte
Nunca parar de correr
Sem nunca esquecer a fonte
Quando eu for grande quero ser
Um bichinho pequenino
Quando eu for grande quero ser
Mais pequeno que uma noz
Quando eu for grande quero ser
Uma laje de granito
Quando eu for grande quero ser
Uma pedra do asfalto
Quando eu for grande...
Quando eu for grande...
Quando eu for grande quero ter
O tamanho que não tenho
P'ra nunca deixar de ser
Do meu exacto tamanho
Música: José Mário Branco
Letra: Manuela de Freitas
In: José Mário Branco: "Correspondências", 1991
Uma história contada pelo próprio:
"Há uma história gira com a Grândola, que resulta de um erro técnico meu”, contou José Mário Branco, citado pelo Diário de Notícias. “O Zeca chegou a Paris com aquela canção, tinha três quadras, era uma canção que ele dedicava a uma coletividade de Grândola… eu de miúdo conhecia o Alentejo. Era a época da Monda, eles iam para lá de manhã e quando voltavam ao fim do dia os homens e mulheres vinham abraçados cantando. O passo deles era: arrasta, pousa, arrasta, pousa.
‘Ó Zeca, vamos dar a isto a forma do cante alentejano.’ Tens de fazer a estrutura e eu queria acrescentar os passos dos gajos. O Zeca gostou da ideia. Há uma fotografia dele a aprender como são esses passos. Pedi ao técnico para estender cabos de 30/40 metros, marcámos o beat numa das pistas e gravámos três ou quatro minutos de passos como eles faziam, à volta dos quatro microfones. Foi às quatro da manhã, para não haver ruídos. Só que na mistura eu não estive atento e soa ao dobro da velocidade, parecem soldados.
Um dia perguntei ao Otelo: ‘Porque é que vocês escolheram a Grândola, pá?’ E ele: ‘É uma música tradicional que levantaria menos suspeitas da censura e porque tem aqueles passos que são mesmo de marcha militar’.”
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