Desafio de escrita dos pássaros #11: Sábado. Por Chernobyl
Beijador (Helostoma temminckii)
Bom dia. Permitam que me apresente: Chernobyl, peixe kinguio japonês. Ganhei o meu nome quando desenvolvi uma enorme bola na cabeça, um tumor. Até aí era simplesmente tratado por “Peixinho”. Hoje, com 13 anos, e 20 cm de comprimento, seria ridículo. Todavia, a única radioactividade a que fui exposto é a música clássica da Antena 2 que o namorado da mulher com quem partilho apartamento põe a tocar ao sábado, mal chega a casa. Nesse dia, a rotina altera-se radicalmente. A voz dele ecoa pelo ar e faz tremer as paredes de vidro do meu aquário. Um vero Parvarotti e um beijoqueiro. A primeira vez que o vi beijá-la pensei que ele a fosse matar. Na loja do shopping, há muito tempo, conheci um peixe-beijador. Guardava respeitosa distância, embora ele fosse agressivo apenas para com os da sua espécie. Afinal o homem é inofensivo, aquilo não era briga, antes preliminar do acasalamento. (Nunca os vi a procriar, nem quero.)
À hora do almoço, ele é um mãos largas com os grânulos, diferente da mulher, sempre com a mania da dieta, uma unhas de fome. Espero em vão por coração de boi, cozido e esmigalhadinho com ervilhas semi-cozidas, levemente amassadas! Anseio por artémias, larvas de mosquito, moscas de fruta! Mas só me dão enlatados industriais. O pior é vê-los à mesa a devorar os meus semelhantes. Inicialmente, atemorizado, até julguei que me destinavam ao estômago. Vi douradas, robalos, sardinhas, e muitos outros, a chegarem ali a fumegar em bandejas metálicas! Sacrilégio! No meu país natal são mais civilizados: comem-nos crus, e até vivos, bem frescos, como deve ser! Não sei que barbárie é esta, mas a cena repete-se duas vezes por dia. Ao jantar até acendem velas na mesa como se tudo aquilo fosse um sacrifício aos deuses.
Chega a noite, novo suplício. Sentam-se abraçados no sofá a ver filmes de terror. Lá por não ter pálpebras, não quer dizer que não durma. De sono leve, a cada grito sobressalto-me, dou meia volta e provoco um tsunami. Ignoram-me. Cada vez se agarram mais um ao outro: deve ser o medo, não? E voltam aos beijos antes de se irem embora dali, apressados, sem sequer saber como a história acaba. A TV fica acesa, a luz ligada. Que desperdício. Resto eu. E que tédio: morreram todos novamente! Que filmes mais previsíveis. Humanos! E dizem-se eles os seres mais evoluídos do planeta. Pff!
Tema: Um dia na tua família… do ponto de vista do teu animal de estimação.
À hora do almoço, ele é um mãos largas com os grânulos, diferente da mulher, sempre com a mania da dieta, uma unhas de fome. Espero em vão por coração de boi, cozido e esmigalhadinho com ervilhas semi-cozidas, levemente amassadas! Anseio por artémias, larvas de mosquito, moscas de fruta! Mas só me dão enlatados industriais. O pior é vê-los à mesa a devorar os meus semelhantes. Inicialmente, atemorizado, até julguei que me destinavam ao estômago. Vi douradas, robalos, sardinhas, e muitos outros, a chegarem ali a fumegar em bandejas metálicas! Sacrilégio! No meu país natal são mais civilizados: comem-nos crus, e até vivos, bem frescos, como deve ser! Não sei que barbárie é esta, mas a cena repete-se duas vezes por dia. Ao jantar até acendem velas na mesa como se tudo aquilo fosse um sacrifício aos deuses.
Chega a noite, novo suplício. Sentam-se abraçados no sofá a ver filmes de terror. Lá por não ter pálpebras, não quer dizer que não durma. De sono leve, a cada grito sobressalto-me, dou meia volta e provoco um tsunami. Ignoram-me. Cada vez se agarram mais um ao outro: deve ser o medo, não? E voltam aos beijos antes de se irem embora dali, apressados, sem sequer saber como a história acaba. A TV fica acesa, a luz ligada. Que desperdício. Resto eu. E que tédio: morreram todos novamente! Que filmes mais previsíveis. Humanos! E dizem-se eles os seres mais evoluídos do planeta. Pff!
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