O paradigma de Pennebaker e a escrita expressiva



Será este livro - A escrita expressiva - palavras que curam - mais um daqueles suspeitos livros de auto-ajuda? Ou será que a escrita pode mesmo ajudar-nos a melhorar a saúde? A nossa intuição diz-nos que falar ou escrever são duas formas que parecem ajudar no processamento dos eventos traumáticos. Numa consulta com o psicoterapeuta, o mais habitual a fazer é responder às suas questões. Portanto não é de estranhar que a escrita seja uma prática que pode ser utilizada para obter bem-estar físico e psicológico. A linguagem, na sua forma oral ou escrita, pode ter poder de cura, ou, pelo menos, de alívio. A escrita que promete cura ou alívio é chamada terapêutica, curativa ou expressiva. 

James Pennebaker , psicólogo americano, da universidade do Texas, é o pioneiro da escrita expressiva. Foi quem elaborou o paradigma de Pennebaker. Na base da sua teoria está a ideia de que inibir activamente pensamentos e sentimentos sobre eventos traumáticos exige esforço, serve como um stressante cumulativo no corpo e está associado ao aumento da actividade fisiológica, ao pensamento obsessivo ou à ruminação sobre o evento e a longo prazo a doença. Segundo o mesmo, escrever sobre um evento traumático ajuda a compreendê-lo, reduzindo o impacto negativo que pensamentos e sentimentos relacionados com esse tipo de acontecimentos podem ter, ou seja, o stress que causam, tendo um efeito positivo quer a nível da saúde física, quer mental, do indivíduo. Escrever sobre um trauma psicológico é, assim,  uma forma eficaz de terapia.

No primeiro estudo sobre escrita expressiva (Pennebaker e Beall, 1986), estudantes universitários escreveram por 15 minutos em 3 dias consecutivos sobre as experiências mais traumáticas ou perturbadoras das suas vidas inteiras, enquanto os que serviam de controlo escreviam sobre tópicos (como o seu quarto ou sapatos, sem emoções ou opiniões). O objectivo não era escrever uma história para outra pessoa ler, mas criar uma história coerente para eles mesmos. Os participantes que escreveram sobre seus pensamentos mais profundos e sentimentos relataram benefícios significativos quando avaliados objectivamente em termos de saúde 4 meses depois, com visitas menos frequentes ao centro de saúde e uma tendência para menos dias de falta devido à doença.

O paradigma básico de escrita expressiva de Pennebaker continua a ser usado:

“Durante os próximos 3 dias, gostaria que escrevesse sobre os seus pensamentos e sentimentos mais íntimos, relativamente a um assunto emocional extremamente importante que o tem afectado a si e à sua vida. Enquanto escreve, gostaria que se deixasse ir e explorasse os seus pensamentos e emoções mais profundos. Pode associar o seu tópico de escrita às suas relações com os outros, incluindo pais, parceiros amorosos, amigos ou familiares; pode escrever sobre o seu passado, presente ou futuro; ou sobre quem tem sido, quem gostaria de ser, ou quem é actualmente. Pode escrever sobre os mesmos assuntos ou experiências gerais todos os dias de escrita, ou sobre tópicos diferentes a cada dia. Tudo o que escrever será totalmente confidencial. Não se preocupe em escrever correctamente, com a estrutura das frases, ou com a gramática. A única regra consiste em a partir do momento que comece a escrever, continue a fazê-lo até que o tempo termine.”

Muitos estudos se seguiram ao de Pennebaker. Por exemplo, as conclusões de  Karen A. Baikie, psicóloga clínica, e Kay Whilelm, psiquiatra, em  Emotional and physical health benefits of expressive writing, de 2005, aparecem citadas com frequência na internet. Aqui se referem os benefícios imediatos e a longo prazo observados através do recurso à escrita expressiva. O impacto imediato da escrita expressiva é geralmente um aumento a curto prazo da angústia, e uma diminuição na humor positivo dos participantes em comparação com os do grupo de controlo. No entanto, no longo prazo, muitos estudos continuaram a encontrar evidências de benefícios na saúde objectivamente avaliados por exemplo, menos visitas ao médico, melhoria do funcionamento do sistema imunitário, redução da pressão sanguínea, etc - e auto-relatados quer na saúde física, quer na saúde emocional: menos faltas ao trabalho, melhor humor, mais bem estar e menos sintomas depressivos. Também resultados comportamentais foram registados: aumento da memória de trabalho, comportamento social e linguístico melhorado. Foram realizados estudos que permitiram perceber que pacientes de situações clínicas diversas obtiveram benefícios: melhoria do funcionamento pulmonar em doentes com asma, melhoria do sono em pacientes com insónia, melhor resposta imunitária em pacientes com HIV, etc.

Desde o primeiro estudo de Pennebaker e colegas que se sucederam outros  que se dedicaram a examinar o impacto da escrita expressiva na saúde, demonstrando efectivamente alguns efeitos benéficos quer a nível físico quer psicológico. De acordo com as autoras, os resultados são por vezes ambíguos é no que toca a esclarecer para que indivíduos é que escrever é claramente eficaz, mais pesquisas serão necessárias para o descobrir, mas existem evidências suficientes para médicos poderem aplicar a escrita expressiva em terapêuticas com cautela.

Quanto aos mecanismos através dos quais a escrita expressiva funciona, as estudiosas referidas concluíram que o processo de catarse emocional é improvável. Mais aceitável é que a escrita opere através do confronto das emoções previamente inibidas, podendo reduzir o stress fisiológico resultante da inibição, mas é improvável que seja a única explicação. Outra hipótese é o processamento cognitivo: é provável que o desenvolvimento de uma narrativa coerente ajude a reorganizar e estruturar memórias traumáticas, resultando em esquemas internos mais adaptáveis. Uma quarta explicação, é a exposição repetida, embora tenham sido recolhidos dados ambíguos: pode envolver extinção de respostas emocionais negativas a memórias traumáticas. Aceita-se a probabilidade de ser o resultado de uma combinação de mecanismos.

Em virtude da sua simplicidade, a escrita expressiva parece ter grande potencial como ferramenta terapêutica em diversas situações clínicas ou como um meio de auto-ajuda, sozinho ou um complemento às terapias tradicionais.

Independentemente dos benefícios demonstrados, a escrita expressiva não deve substituir tratamento médico ou psicológico adequado; deve ser usada como um complemento para tratamento padrão enquanto outras pesquisas estão sendo conduzidas.

Como psicóloga clínica trabalhando num hospital, Karen termina o estudo com algumas notas dizendo que considera útil a escrita expressiva para intervenções psicológicas de curto prazo para pessoas que se auto-agridem nas enfermarias e pacientes externos com sintomas de ansiedade e depressão. Refere que escrever ajudou as pessoas a resolver problemas de longa data, questões sobre relacionamentos em casa e trabalho, e a colocar em palavras sentimentos que eram muito sensíveis para descrever cara a cara. Alguns pacientes mostraram a sua escrita para outras pessoas significantes e acharam isso útil. Pesquisas sugerem que a escrita pode ser mais benéfica para homens. A redacção é destinada aos pacientes para usar como uma intervenção de curto prazo para iniciar um processo de diálogo com eles mesmos ou "desbloquear" uma questão difícil. Não se destina a substituir o face-a-face o enfrentar a interacção, e aconselha que resulta melhor se depois tiver lugar uma consulta de acompanhamento. Como o objectivo é trazer à tona questões que são muito carregadas emocionalmente, é importante trabalhar o melhor momento para o paciente escrever e ter um plano de contingência se o paciente ficar angustiado. Diz que para algumas pessoas, a experiência foi extremamente útil e resolveu rapidamente questões que foram ponderadas - às vezes por anos - sem resolução.

Em Expressive Writing- Words that heal,  Pennebaker actualiza e amplia o conteúdo do   anterior livro Writing to heal, publicado em 2004. Pennebaker confessa que descobriu acidentalmente o poder da escrita na sua famosa experiência nos anos 80 e cita evidências estatísticas e estudos que garantem integridade científica às suas ideias. À medida que se sucedem estudos, os resultados demasiado surpreendentes, não raro suscitavam incredulidade. Assegura que as pessoas que escrevem sobre experiências traumáticas fazem menos visitas ao médico e levam uma vida mais feliz. A secção introdutória do livro cobre o material do livro publicado anteriormente, as técnicas básicas. A segunda é mais experimental, e a terceira combina a experiência de ambos os autores, a do psicólogo e a de Evans, com grande experiência clínica, para fornecer uma abordagem mais estruturada do uso da escrita para melhorar a saúde física e mental. Recursos sugeridos, uma lista de leitura, referências e leituras científicas adicionais concluem o livro. 

John F. Evans, especialista em escrita expressiva e treinador de saúde integrativa, Evans trabalha com grupos, indivíduos e profissionais de saúde, ensinando-os a usar a escrita para melhorar a saúde física, emocional e espiritual. É autor de cinco livros e ensina journaling e escrita para o auto-desenvolvimento há mais de trinta anos.  Refere que o livro original de Pennebaker o ajudou a título pessoal a lidar com sérios problemas de saúde e que sem ele talvez não tivesse sobrevivido e co-escrito este. 

Um excerto: "Para continuar esse crescimento e cura pessoal, tente ver sua escrita como uma prática, como ioga ou meditação, ou como ir regularmente ao ginásio. Use sua escrita para reformular experiências, escreva sobre eventos de uma perspectiva de compaixão e empatia, escreva sobre os acontecimentos do dia a dia com muita atenção aos detalhes e com espírito de atenção plena e escreva sua gratidão e gratidão pelo que muitos chamam de pequenas coisas - coisas que sabemos que são as únicas coisas necessárias ".


Comentários

Konigvs disse…
Isso é senso comum. Falar e/ou escrever é aliviar a pressão que se acumula dentro da panela. E se a pressão continuar a aumentar um dia salta-lhe o testo.
Falar dos problemas emocionais é meio caminho para os aceitar. Não para ficarmos curados deles, mas pelo menos para os aceitarmos e seguirmos em frente.
Eu tenho muita "escrita expressiva" no blogue!
redonda disse…
Eu já faço isto, de vez em quando, nos meus diários chatos (chatos porque às vezes releio o que escrevo)
Falar por vezes ajuda mais que "admitir" palavras/expressões só no papel. Mas, "palavras vão com o vento" e o que escrevemos se eterniza. Dura contradição, mas, ambas as coisas valem a pena, o que temos de entender, qual é o momento que vivemos... O do VERBO, ou o de VERBALIZAR?!
Gostei do teu blog e vou seguir.
Até breve!