Carlos Relvas, pioneiro português da fotografia

Banhistas na praia da Figueira da Foz, c.1880-1890 
Foto: Carlos Relvas / Casa Estúdio Carlos Relvas

O Fernando Curado partilhou esta curiosa fotografia no Facebook, banhistas na praia da Figueira da Foz, o que me deu o mote para escrever algumas linhas sobre o seu extraordinário autor: Carlos Relvas. Ainda desconhecido para muitos, Carlos Relvas, um ribatejano, nascido em 1838, foi um pioneiro da fotografia portuguesa e uma figura singular, que acumulou até lendas a seu respeito, a par de numerosos elogios  pelas suas experiências no âmbito da fotografia e medalhas nos certames onde participou.

Nasceu no seio de família abastada e por isso pode instruir-se e viajar pela Europa para se inteirar das novas técnicas e arte da fotografia. Tanto fotografou os desconhecidos de Portugal como as personalidades mais importantes da sua época, incluindo a realeza. Os mais ricos e os mais remediados, os mendigos, todos foram foco do seu interesse, sendo retratados com idêntica dignidade naquele que seria o acontecimento de uma vida inteira: entrar no estranho e belo edifício transparente da Golegã e ser fotografado! Além de retratista, captou o património construído e paisagístico, os locais preferidos do Romantismo e outros onde releva a identidade nacional. Também os animais não foram esquecidos tendo sido  fotografados com idêntico rigor, em especial, cavalos, a sua paixão, touros e carneiros. Especula-se que terá sido autor da primeira colecção de nús em fotografia, destruida pela sua segunda mulher, Mariana.

António Pedro Vicente, historiador, autor do estudo "Carlos Relvas Fotógrafo – Contribuição para a História da Fotografia em Portugal no século XIX", diz-nos que foi por volta de 1862 que Relvas se começou a interessar pela nova arte, ao contactar com fotógrafos do Porto.  A primeira exposição significativa de fotografia em Portugal, organizada pela Associação Industrial Portuense, teve lugar nesse ano. O fotógrafo começou a ter reputação internacional seis anos depois, acabando por se tornar membro da prestigiada Sociedade Francesa de Fotografia e por expor ao longo da vida em cidades como Madrid, Paris, Viena, Berlim, Lyon, Filadélfia e Chicago, recebendo vários prémios.

O seu estúdio, na Golegã, foi também a sua casa, quando para ali se mudou com Mariana, um casamento mal recebido pela família.  Muito precisado de recuperação, foi  restaurado entre 2001 e 2003, pelo Arquitecto Victor Mestre, e reaberto em 2007. É hoje uma bela Casa Museu que merece uma visita pela sua singularidade quer arquitectónica quer em virtude do seu interesse para a história da fotografia em Portugal e até no mundo: trata-se de um dos primeiros estúdios fotográficos construidos de raiz. Após a sua apresentação na Grande Exposição Internacional de 1889 (aquela em que foi inaugurada a Torre Eiffel)  como " o mais perfeito estúdio fotográfico do mundo" que "se encontra na Golegã, em Portugal, e foi construído pelo senhor Carlos Relvas", este verdadeiro "templo" da fotografia tornou-se popular. O fotógrafo já pertencia à Sociedade Francesa de Fotografia, na altura o melhor e mais selecto grupo na arte de fotografar, e arrecadou a medalha de ouro com uma fotografia desta casa.


Casa Museu Carlos Relvas - Conjunto arquitectónico oitocentista, da autoria do arquitecto Henrique Carlos Afonso, constituído por um imóvel e jardim do qual sobressaem algumas espécies exóticas, um lago e um parque infantil é, hoje em dia a Casa Museu de Carlos Relvas. Do acervo aqui existente destacam-se o arquivo fotográfico, mobiliário e instrumentos musicais, para além da biblioteca particular de Carlos Relvas que conta com cerca de quatro mil volumes. A construção do edifício, que se destinava a funcionar como estúdio e laboratório de fotografia, ocorreu entre 1872 e 1875. Alguns anos mais tarde, em 1887, o imóvel sofreu obras de adaptação a residência o que ocasionou uma grande transformação no seu interior. 
Trata-se de um edifício de dois pisos de planta longitudinal formado pela articulação de diversos corpos, com cobertura diferenciada em telhados de duas águas e em pavilhão.
Na fachada principal podemos ver os bustos de Nièpce e de Daguerre, os percursores da fotografia.
 
Em 1981, o edifício foi doado à Câmara Municipal da Golegã que o transformou na Casa Museu Carlos Relvas.
Ana Mântua

Carlos Relvas era um fidalgo, adepto da monarquia, um senhor de uma grande casa agrícola, afamado criador de cavalos, toureiro, desportista, inventor. Dedicou-se à fotografia por paixão e nunca cobrou a ninguém pelos retratos: não necessitava mas era por amor à arte que trabalhava. A fotografia tinha nascido nem há 50 anos e ele, no seu estúdio construído na Quinta do Outeiro, propriedade da família onde se produzia trigo, aveia, azeite e vinho, com o Tejo a correr por perto, fotografava utilizando a técnica do colódio húmido, um processo fotográfico para negativos em vidro, cuja chapa era coberta com uma solução de colódio e iodeto de cádmio. Note-se bem que tudo era manual aquele tempo em que fotografar era um autêntico privilégio e um gesto demorado em nada comparável ao clique, a que hoje quase se reduz.


Foto: Carlos Relvas / Casa Estúdio Carlos Relvas

Em1871 iniciou a construção do seu estúdio, que estaria concluída em três anos. Foram necessários mais de trinta toneladas de ferro para uma casa de dois pisos!  Toda a estrutura de ferro da casa foi feita em Lordelo do Ouro (Porto), seguindo um projecto arquitectónico de Henrique Carlos Afonso e depois transportada para a Golegã. O piso superior é uma fantástica galeria envidraçada que possui um sistema de cordas para subir e baixar cenários e cortinas para abrir e fechar a luz do sol e assim conseguir obter o melhor efeito na produção das fotos.  Encontrava-se apetrechada com os melhores equipamentos da época  e adereços. No piso inferior, o chão está coberto de mosaicos franceses e a escada de caracol que leva ao primeiro andar, uma elegante estrutura em madeira, foi importada de Itália.  É ali que ficava o território das sombras, o ideal para preparar negativos e dar largas ao mistério da revelação: câmaras-escuras e laboratórios, com sala de estar e de recepção. À volta do edifício, vegetação diversa e árvores, pois ele construiu o atelier no jardim da sua casa. Carlos Relvas, um homem invulgar para o seu tempo, levou uma vida fascinante, sempre ávido de conhecimento, de desafios, e de perfecionismo, quando o assunto era fotografar. Faleceu neste pequeno palacete romântico, em Janeiro de 1894, na sequência de septiecemia contraída numa queda de um cavalo. De certa forma, a Casa Estúdio também morreu. Esteve fechada quase um século.

Um auto-retrato divertido de carlos Relvas

"Este filme - Amateur -  tem como objectivo recolocar a fotografia no tempo, integrando-a como objecto de estudo científico e artístico na história da modernização em Portugal. Pioneiro da fotografia no Séc.XIX, Carlos Relvas foi um homem de cultura e inovação, que deixou um impressionante legado de aproximadamente 12.000 fotografias. A maioria destas foi cuidadosamente restaurada ao longo dos últimos anos e não são ainda do conhecimento público. A sua “casa- estúdio” na Golegã,  é uma estrutura única e reconhecida como uma peça fundamental na história da fotografia a nível mundial.

O filme dá visibilidade ao trabalho técnico e artístico de Relvas através dos seus retratos realizados no estúdio de luz natural da Golegã e em exteriores no Ribatejo, Lisboa, Porto e no estrangeiro. Imagens que nos trazem com surpreendente vivacidade espaços e vivências com mais de 100 
anos."

Nota da produtora B'Lizzard

Filme sobre o fotógrafo Carlos Relvas. 
O cartaz oficial é da autoria de João Pombeiro.


Parte 1 - ver aqui

Parte 2 - ver aqui

Sugestão de leitura:

 Museu Casa Estúdio - site institucional

A CASA-ESTÚDIO CARLOS RELVAS

A maquete do estúdio na National Geographic

Fotografar reis, mendigos e cavalos da mesma maneira

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