Primavera Sound: Vas bien Rosalía tra tra!

Capa do disco

«No veig la música compartimentada en gèneres, l’entenc com un tot. I m’agrada experimentar-hi», assegura Rosalía, convençuda que els gèneres no defineixen els artistes de la generació millenial, els quals, subratlla, «cada vegada són més globals i reben influències de tot el món»
. Fonte

Rosalía esteve no passado fim-de semana no Primavera Sound, no Porto. Quase me deu pena não ter estado lá, embora prefira salas de espectáculos a qualquer tipo de mega-evento musical ao ar livre. A minha ideia quanto a estes é que mega-acumulações de gente, não raras vezes mais interessada em dizer que foi e esteve lá do que naquilo que está a acontecer no palco, não servem a música nem quem lá vai por ela. Pura e simplesmente já lá vai o tempo em que olhava para o cartaz dos festivais. Por outro lado, uma sala é uma sala: sou muito apegada ao arco de proscénio!

Rosalía já vai no segundo disco. Uma pessoa não consegue chegar a todo lado, aos livros, aos filmes, aos discos, às exposições. A vida não deixa. Desconhecia o "fenómeno". Li uma opinião empolgada sobre a ida dela ao Festival, dizia que tinha sido elogiada e apoiada por Pharrell Williams, J Balvin, Charli XCX, Dua Lipa, Alejandro Sanz e Lana del Rey. Mesmo assim não fiquei nada convencida. Ouvir para crer.  Foi o segundo disco, "El Mal Querer", editado em 2018,  que fez com que a cantora catalã ultrapassasse fronteiras e recebesse prémios vários nos Grammy. Calhou então ter disponibilidade auditiva, e não só, para colocar os auscultadores e agora estou rendida. Talvez não seja a primeira artista a tentar misturar música tradicional espanhola com outros ritmos, mas está a fazê-lo na melhor altura possível e com enorme profissionalismo. No CD inspirado por uma novela cigana de séculos passados, onde cada faixa tem um título e um subtítulo, ouvem-se ReB e sons urbanos, as palmas características do flamenco, coros de vozes inocentes de crianças, beats e efeitos sonoros, loops, samplers, vocalizações em auto-tune. Tudo muito experimental, muito criativo e fresco. Ora, numa altura em que as radios nos servem (ainda) Despacitos, em que o desinteressante, para mim, claro, reggaetón, se tornou uma das apostas mais populares da música latina, haja alguém com ganas de quebrar este fastidioso círculo e de tornar o pop espanholado mais interessante: Rosalía, claro. Além do mais, a sua voz tem nuances muito particulares e sem a podermos assemelhar à de ninguém que conheçamos, há nela uma singularidade bem vinda. A outra faceta mais global de Rosalía impele-a  a seguir a onda e a protagonizar vídeos de visual sexy onde as unhas longas são como armas da feminilidade radical.  Embora sejam apelativos e concorram para a construção do seu universo particular, as suas coreografias já não tão originais e distintas das outras artistas pop quanto também se desejava. Mas isso são detalhes, pois Rosalía vive-se sobretudo através da música.


Rosalía chega de perto, é nossa vizinha, mas soa como se de longe viesse, até um pouco a Medio Oriente, mas também de longe no tempo, em virtude da sonoridade tradicional com raízes históricas que aparece em evidência em algumas faixas. No entanto, há momentos em que parece que veio do futuro.

Rosalía nasceu nos arredores de Barcelona. Começou por cantar em bares mas depois o seu passatempo tornou-se sério: tem 25 anos e passou os últimos dez anos a estudar música, nomeadamente o flamenco. Escreve, compõe, canta, produz. A expressão tão espanhola "me encanta" resume o que penso da moça. Ainda não ouvi o primeiro CD que se chama Los Angeles pois não quero gastar de rajada tudo o que há dela que se possa ouvir. Mas El mal querer foi mesmo uma surpresa boa e, muito fácil de gostar, talvez porque, ouça outras línguas e formas de abordar a canção ou a música com frequência. Estou certa que me vai acompanhar Verão adentro. 

As notícias pós-actuação de Rosalía no Primavera Sound referiam todas a "revolução do flamengo". Ora, isso foi o suficiente para ter agitado as águas em Espanha, tal como aqui sempre que alguém escreve sobre uma fadista e menciona a palavra "revolução". As heranças musicais são coisa séria, património, arte, e,  para uns, não devem ser intervencionadas. É perigoso. Outros também disseram que ela andava  a aproveitar-se da música Andaluz e do seu mistério, - a tal da "apropriação cultural" - e outros torceram o nariz ao facto de uma catalã cantar flamenco! Onde é que já se viu?  Mas os cães ladraram e a caravana passou. Rosalía não se importou com essas opiniões de velhos do Restelo, que também os há em Espanha, um pouco de polémica é sempre salutar, e arriscou a sua visão pessoalíssima do que a música devia ser. Diz que não gosta de compartimentar a música por géneros, que a entende como um todo. E que respeita as suas origens. Penso que pode haver espaço para todos: os cultores da tradição e os inovadores, mas quem sou eu. Por cá, agradeço a quem tentou outro caminho a minha aproximação ao fado, algo que nunca me tocou na alma antes disso. Creio que quer fado, quer flamenco são um tipo de música altamente emocional, música que se sente ou que não se entenderá. Logo, para o português, treinado no fado, talvez seja fácil gostar de Rosalía. Bastará sentir.

Ainda me sobrou tempo para ouvir Rosalía em algumas entrevistas onde ela demonstra saber muito bem o que anda a fazer. Afirma que tudo quanto faz é a sua visão e de mais ninguém, que não admite interferências, e que a isso se deve o sucesso, embora dando também crédito a uma equipa muito poderosa de artistas, que com ela colaboram também no campo visual, nas fotografias de promoção, nos videoclipes, destacando ainda o papel da sua irmã em todo o processo.

Nós dizemos amiúde que de Espanha nem bom vento nem bom casamento. Mas Silvia Pérez Cruz e agora Rosalía, contrariam essa ideia! 

Comentários