Sozinha no sotão com a tempestade Leslie

1 - Garantir que está tudo bem fixo - Nem pensar em deixar a gaiola com o pássaro na varanda, ou aquele vasinho suspenso em macramé que o tio hippie ofereceu há muitos anos, ou o canteiro da salsa preso no varandim. Cadeiras de praia que se arrumam por lá durante o Inverno podem dar o salto. Convém fechar correr persianas e até cortinados. E ficar longe das janelas não vá entrar por lá uma lufada de ar inesperada.

2 - Cuidado com as árvores - Ora bem, toda a gente pensa que as árvores morrem de pé, em especial as pessoas que assistiram à peça de teatro do dramaturgo espanhol Alejandro Casona. Infelizmente, durante tempestades assim, as árvores morrem decepadas, prostradas no chão, inteiras ou aos bocados, às mãos do vento. Quem anda à chuva, molha-se, quem anda ao vento, arrisca-se a levar com uma árvore a morrer em cima de si. Nada de ideias loucas como ir num ápice à floresta apanhar cogumelos nem mesmo se for um desejo de grávida.

3 - Evite circular na rua, particularmente junto ao mar - Aguente. Esqueça que a rua existe ou mesmo que a sua varanda existe. Não é hora de ir ao super buscar uma grade de cerveja. Ou papel higiénico. Vá fumar para a casa de banho. A sua mulher desculpará se apagar a beata no autoclismo como costumava fazer nos wc da discoteca. É uma situação de excepção.  Esqueça o passeio higiénico do canídeo. É natural até que com o ruído do vento e da chuva o canídeo fique com a bexiga e os intestinos e tudo preso. Também pode ficar com tudo solto no meio da alcatifa. É uma situação de excepção.  Não culpe o canídeo. Keep calm e vá fumar.

4 - Evitar qualquer actividade relacionada com o mar - Aquele desporto radical tão popular no inverno, conhecido por observação de ondas gigantes a quebrar na zona ribeirinha o mais perto de si que conseguir, não é opção de entretenimento. Se já é desaconselhável durante um inverno regular, durante um fenómeno deste calibre é coisa proibida. Se for até perto daquele molhe ou cais, é pouco provável que vá ser impedido por alguém porque o único maluco será você. Não estacione para ver se aproveita uma onda para lavar o carro já que está por ali, porque há um filme que se chama E tudo a onda levou à espera de ser escrito e pode ser você a inspiração.

5 - Garanta que caleiras e outros sistemas de escoamento estão bem limpos - É habitual que caia uma quantidade de água colossal em muito pouco tempo quando estes fenómenos ocorrem. Toca a limpar. Prenda a casota do cão não vá ser arrastada pelas águas, as bolas,  os brinquedos do cão, e outras coisas que andem à solta no jardim, não vão entupir algum esgoto depois de ter andado a limpar com afinco. Não é agradável sair de casa depois da borrasca e descobrir o carro afogado na garagem. Ah! Não se esqueça de não prender o cão, leve-o para dentro de casa. 

6 - Condução defensiva - Se não teve alternativa e ainda se encontra ao volante durante as horas sinalizadas pelos senhores do tempo como de risco, devagar se vai ao longe: adopte uma condução defensiva, reduzindo a velocidade e tendo especial cuidado com a possível acumulação ramos, galhos e folhas nas estradas que irá encontrar, e a formação de lençóis de água nas vias. Se estiver perto de um local que possa ser seguro, pare, estacione e abrigue-se até a situação estabilizar. A melhor condução defensiva nesta situação é estar parado. Acredite: circular nem sempre é viver.

7 - Evite as zonas inundadas - Você não tem estofo de herói e sabe-o muito bem. E ainda por cima nunca foi nadador que prestasse. Lá por isso,  não queira ficar na história como uma vítima de uma tempestade que não tinha mais nada que fazer senão cruzar-se consigo na estrada. Evite atravessar zonas inundadas: aquilo que a gente não vê, não sabe. E você não é nenhum peixe. Pode ser arrastado pela corrente, a sua viatura pode ficar presa num buraco no pavimento ou numa caixa de esgoto aberta, e até pode aparecer algum monstro aquático. Fique bem, fique seco.

8 - Esteja contactável e informado - Se está em apuros comunique a sua posição para poder ser ajudado, se não está, comunique a sua posição para ajudar quem não sabe de si a sair desse apuro. Se não pode comunicar, lamento. Não é bom sinal. A trajectória de uma tempestade furibunda é muito imprevisível, pelo que o cenário pode alterar-se a qualquer momento. É um mau dia para ser apanhado sem bateria no telemóvel. Mas há boas hipóteses das comunicações falharem e de tanto fazer ter levado três Powerbank consigo como nenhum. Esteja atento às informações da meteorologia e às indicações da Proteção Civil e Forças de Segurança. Pode-se-lhe deparar um daqueles casos em que diante de si havia duas estradas, e que tenha de escolher a menos percorrida, o que fará toda a diferença.

( Desejo a todos os meus leitores que nunca tenham de passar por nada disto. Nem carregar pilhas de revistas para o Ecoponto durante um fim-de-semana solarengo. ) 

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