Os EUA andam a lixar o mundo
"I want to tell people in US this: recycle in your own yard."
Eser Çağlayan, 33
Os EUA andam a lixar o mundo. Nada que não soubessemos já. Vou tentar não repetir aqui a postagem do Konigvs, no seu Bucólico Anónimo. Ele aconselha a leitura deste título "Estados Unidos do Plástico ou o Segredo sujo da América" e dá a conhecer parte do seu conteúdo.Tal como ele, apelo à leitura da sequência de artigos que o The Guardian irá publicar sobre esta temática.
Se forem minimamente interessados em questões ambientais talvez se recordem das afirmações recentes de Donald Trump quando em conversa com o Príncipe Carlos, de Inglaterra, que queria convencer o líder laranja a fazer mais neste âmbito, disse, sem rodeios que os EUA têm um clima do mais limpo que há e que os responsáveis pela poluição e crise ambiental são os outros países. Aos olhos de Trump o Príncipe é uma boa pessoa pois quer um mundo limpo para as gerações futuras. Disse até que ficou comovido com a sua paixão pelas gerações vindouras. Eu fico comovida, no mau sentido, é com a palhaçada em torno das questões ambientais que os EUA sempre preconizam.
Se perderam esse episódio, podem escolher de muitos. Por exemplo, há uns anos atrás, Trump recusou continuar signatário dos acordos de Paris, aquilo que seria uma corajosa decisão em nome da América. Trump considerara as alterações climáticas um hoax, num tweet, durante a sua campanha eleitoral. Também disse que tinha sido eleito para representar os americanos e não os parisienses, e assim foi que os EUA, Síria e a Nicarágua são hoje os únicos fora do acordo que, basicamente, deseja que os países estabeleçam metas para reduzir das emissões de carbono. Ora, Trump estava muito irritado com a possibilidade que o acordo dava a uma cambada de burocratas de poderem controlar a forma como os EUA usavam a sua energia e os seus recursos dentro do país, mas não tem qualquer pudor em causar danos nos recursos naturais de países terceiros, a culpa será destes, evidentemente, que se estão nas tintas para o clima. Já lá iremos. Os episódios somam e seguem: aquando do lançamento da campanha a semana passada, na Flórida, Trump voltou a dizer que os EUA têm dos melhores ar e água entre os vários países, num momento em que são dominantes na produção de petróleo e gás natural. Bullshit, claro. Há estudos onde foram relatados abrandamentos na diminuição de emissões mas isso é demasiado científico para ter importância.
Ora, imaginem-me, ainda com esta fresca na memória, a ler o artigo sobre o destino que os EUA dão aos plásticos que o Konigvs mencionou no seu blogue. Uma investigação do The Guardian descobriu que centenas de milhares de toneladas de plástico dos EUA são despachadas todos os anos para países subdesenvolvidos e sem regulamentos adequados nesta matéria. Os detritos são tratados em empresas sem as condições devidas, sem licença de operação, não há tratamento de fumos ou águas contaminadas: vai tudo para o regaço da boa da natureza. Os trabalhadores e residentes, como sempre pessoas que não têm alternativa de susbsistência ou relocalização, ressentem-se com os fumos tóxicos, mas o ar e a água dos EUA são dos melhores no planeta, yes sir. É isto que o mister Trump diz aos americanos e é isto que eles querem ouvir. Bom, nem todos, conheço alguns que estão loucos com o que por lá se passa e que se sentem miseravelmente impotentes e desgraçados, para já não dizer envergonhados.
É nesses países - Laos, Bangladesh, Etiópia, Senegal - que empresas sem escrúpulos operam a reciclagem à revelia de todas as regras ambientais. A reciclagem é apenas mais um meio de alguns fazerem dinheiro. As consequências para a saúde pública e o meio ambiente estão à vista e, por isso, 187 países assinaram um acordo - a Convenção Basel - para restringir que estes resíduos fossem recambiados para países pobres sem sequer haver uma autorização local. Adivinhem quem é que se recusou a assinar, entre outros países: os EUA, claro.
Na Tailândia, na Malásia e na Indonésia, onde dantes dominava a agricultura, fala-se de cidades transformadas em lixeiras no decurso de um ano. "Só a América gera 34,5 milhões de toneladas de lixo plástico a cada ano, o suficiente para encher 1.000 vezes o estádio Astrodome de Houston.", lê-se no texto do The Guardian. O que se passa quando o lixo é enviado? Se não for plástico limpo, isto é, se contiver comidas ou lixo à mistura, não pode ser reciclado e então vai acumular-se nos destinos.
EM 2017 a China cancelou a reciclagem de plástico proveniente dos EUA. A Malásia tornou-se, depois disso, o maior receptor. O Vietnam é outro dos países onde o lixo americano se acumula apesar de o Primeiro Ministro ter já imposto restrições: há contentores em espera na alfândega mas chega por outras vias. O texto refere impactos na cidade de Minh Khai e nas praias poluídas de Bình Thuận.
Outros destinos são encontrados à medida que alguns países se recusam a recebê-lo. No Cambodja, a cidade costeira de Sihanoukville é palco de um desastre ambiental: a praia e o mar estão inundados de plástico. O país não tem um sistema de reciclagem eficaz nem para os seus próprios detritos e ainda recebe lixo plástico dos EUA.
Nas Filipinas, nos arredores da capital, existe uma "Cidade do Plástico" onde o ar se torna por vezes irrespirável em virtude dos fumos provenientes da reciclagem. Os locais desconhecem que ali é transformado lixo proveniente dos EUA e os operadores das empresas de reciclagem não quiseram falar com os repórters. À Turquia também chega o lixo dos EUA, e de outros países europeus.Os turcos querem pôr um fim à chegada de mais lixo estrangeiro.
Enquanto Trump se vangloria na televisão americana do seu "ar e águas mais puros que cristal", eis o que está a acontecer nos países do Sudeste Asiático que recebem o lixo americano: o abastecimento de água contaminada às populações, a morte de plantações, o aumento de doenças respiratórias devido a exposição à queima de plástico nas áreas onde este negócio é desenvolvido. Os EUA respiram prosperidade enquanto os países para onde são enviadas as toneladas de lixo e a sua população sufocam debaixo de pilhas de plástico e ar irrespirável. É muita hipocrisia. São esses países pobres que suportam o custo elevado das operações de reciclagem com que os EUA não conseguem lidar, nem mesmo a cidade de S. Francisco, considerada um modelo. Para esses ficam os enormes impactos sociais e ambientais da poluição gerada pelo plástico que se irá repercutir por gerações. Parabéns, Sr. Trump, por fazer a América grande à custa do sofrimento alheio. Agora ficamos a aguardar pelo seu tweet a dizer que tudo não passa de fake news.
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