Martelinhos de São João da Fábrica Estrela do Paraíso
Martelinhos de São João da fábrica Estrela do Paraíso
Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.
Em Abril fui forçada a fazer uma grande limpeza no sotão ainda em virtude de estragos provocados pela passagem da tempestade tropical Leslie a 13 de Outubro do ano passado. Passei alguns dias a remexer caixotes e prateleiras onde se acumularam, ao longo dos anos, coisas de que até já me tinha esquecido. Se não fosse a tempestade tropical Leslie ter arrancado a janela do sotão eu nunca teria descoberto este par de martelinhos de São João, um meu e outro da minha irmã, num caixote que talvez não fosse aberto há mais de 30 anos. Foram comprados no final dos anos 70 ou início dos anos 80, em Braga, onde os festejos do São João têm, ainda hoje, grande importância. "São João, São João, dá cá um balão para eu brincar", era um verso de uma marchinha que eu cantava e que devo ter aprendido com a minha mãe. Mas do que eu gostava mesmo era de brincar com o martelo. Assim que deitava as mãos a um não parava mais de fazer barulho com ele e de infernizar os ouvidos a toda a gente lá de casa! Ao revê-los estranhei o seu tamanho: na minha ideia eram bem maiores! Acreditem que é verdade: eu devo ter sido a única criança que gostava mais do São João do que do Pai Natal.
Estes "martelos musicais", como se lê nas letras em relevo, no cabo, atestam a durabilidade do vil plástico. O plástico foi há cem anos uma invenção revolucionária que permitiu avanços na tecnologia e na indústria. Hoje é um vilão. Todavia, há quem defenda que não é tanto o plástico mas a forma como o utilizamos e descartamos que cria problemas. É mais grave descartar plástico na Natureza em virtude da nossa falta de civismo do que transformar a matéria prima, que é um processo mais limpo e que gasta menos energia que qualquer dos seus substitutos. Igualmente a reciclagem do plástico é um processo fácil - se ele for descartado nos pontos devidos- e rápida, se não estiver contaminado por resíduos orgânicos. Com tantas opiniões a serem martelarem a nossa cabeça, uma coisa é certa: menos lixo, melhor ambiente, seja qual for o tipo de lixo. Menos será sempre mais neste departamento.
Os dois martelos estão impecáveis. São originários de uma fábrica que existia em Rio Tinto, a "Estrela do Paraíso", assim chamada porque começou a laborar na Rua do Paraíso, no Porto. Produzia brinquedos e utilidades em plástico. Manuel António Boaventura era o proprietário e o que se conta é que ele inventou o martelo depois de uma ida ao estrangeiro onde viu um saleiro-pimenteiro que o terá inspirado. Os estudantes andavam à procura de algo ruidoso com que se divertissem na Queima das Fitas e foi assim o martelo se popularizou. Os lojistas começaram a vendê-lo por ocasião das festas de São João com idêntico êxito. O alho-porro, símbolo do São João do Porto, encontrava assim concorrência modernaça e colorida. Em 1963, Manuel Boaventura não podia prever o sucesso que o objecto iria ter.
Naquela época ainda não havia uma guerra contra o plástico, mas uns anos passados, o Presidente e o Vereador da Cultura da Câmara do Porto consideraram que o martelo era um objecto estranho dentro da tradição sanjoanina e expuseram as suas razões em queixa ao Governador Civil do Porto. Os martelos foram considerados impróprios para os festejos e seriam apreendidos nas lojas que ousassem vendê-los. E até uma multa se criou no valore de 70$00 para quem fosse apanhado de martelinho na mão. Mas as pessoas já estavam habituadas ao objecto e fizeram ouvidos moucos ao preceituado, continuando a usar o martelinho para se divertirem nas festas de São João.Os dois martelos estão impecáveis. São originários de uma fábrica que existia em Rio Tinto, a "Estrela do Paraíso", assim chamada porque começou a laborar na Rua do Paraíso, no Porto. Produzia brinquedos e utilidades em plástico. Manuel António Boaventura era o proprietário e o que se conta é que ele inventou o martelo depois de uma ida ao estrangeiro onde viu um saleiro-pimenteiro que o terá inspirado. Os estudantes andavam à procura de algo ruidoso com que se divertissem na Queima das Fitas e foi assim o martelo se popularizou. Os lojistas começaram a vendê-lo por ocasião das festas de São João com idêntico êxito. O alho-porro, símbolo do São João do Porto, encontrava assim concorrência modernaça e colorida. Em 1963, Manuel Boaventura não podia prever o sucesso que o objecto iria ter.
Manuel António Boaventura intentou uma acção em tribunal para voltar a poder produzir os martelinhos mas perdeu nas 1ª e 2ª instâncias. Interpôs recurso para o Supremo Tribunal em 1973 e ganhou. E por isso o meu pai pode então comprar estes martelos nas tendas que eram montadas ao longo da avenida da Liberdade, antes do 25 de Abril julgo que tinha outro nome, de que não me recordo já. Manuel Boaventura faleceu e a fábrica continuou na família. Em 2012, infelizmente, o neto, Manuel Ventura, teve de encerrar a fábrica e partir para o estrangeiro, possivelmente em virtude da concorrência. O seu legado ficou, pelo menos até alguém vir apresentar uma proposta da sua extinção em nome de um São João mais ecológico. (Espero que não.)
Há quem não suporte o mês de Junho por causa dos arraiais. As queixas parecem ser mais frequentes no grupo dos alfacinhas do que no dos invictos. O mar de gente nos bairros, o ruído descontrolado, os pares dançantes ao som da insuportável música pimba, as marchas na av. da Liberdade, o fumo com cheiro a sardinha, a ideia do peixinho equilibrado em cima de uma fatia de pão, a sangria, as bejecas e o tinto, é tudo muito irritante, suado e popularucho, pimba mesmo. Algumas queixas têm inteira razão de ser: ruído e desacatos podem ser muito incómodos para residentes que apenas querem passar a noite a dormir e que têm direito ao seu descanso. Mas são apenas uns dias por ano, não?
Nunca fui às festas de Lisboa, mas sou assídua do S. João do Porto - vejam aqui o video. Gosto muito do convívio e da ementa de caldo verde, broa, chouriço, sardinhas e pimentos assados, bem regada a cerveja ou vinho. Gosto de chegar ao Porto e de ver as pessoas a começarem a montar as mesas no meio da rua, os fogareiros à porta, à espera do carvão, as ruas enfeitadas a bandeirolas, os manjericos gordos à venda, as cascatas. Não dispenso um manjerico em casa mas nestes dois últimos anos os que tenho comprado secam e nunca chegam ao S. João! Agora que já não sou criança prefiro andar toda a noite de alho-porro na mão, mas guardo um martelo de meio metro que se enche com ar e que foi comprado talvez no São João de 2001. Se perder o fogo de artifício na Ponte Dom Luís não me importo muito e, quase sempre, acabo por não descer até ao rio, pendurada na conversa. Uma vez fui da Praça do Cubo à praia dos Ingleses, vi o sol nascer, mas não fui ao banho! Gosto de observar o corropio de gente nas ruas, os balões a subir ao céu: eis outra tradição potencialmente em risco de ser extinta em nome de preocupações ecológicas. Gosto de fechar a noite a ouvir o som dos martelinhos, em especial ao longe, quando chego à cama cansada e deito a cabeça na almofada!
Uma coisa que sempre me intrigou nos versos da marcha de António Lopes Ribeiro que o filme O pátio das cantigas tornou popular é a referência ao S. João apenas depois das festas dos outros santos. O calendário não engana quantos aos festejos dos santos populares: Stº António, a 13 de Junho, São João a 24, e, finalmente, São Pedro a 29 de Junho. Se alguém souber de uma razão para isto que não a liberdade poética, informe, que agradeço de antemão.
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Fonte da imagem |
O pátio das cantigas - filme de Franscisco Ribeiro lançado em 1942 |
Maria das Neves e outros cantam São João Bonito |
Bem bonito que ele é.
Bem bonito que ele é
Com os seus caracóis de oiro,
E seu cordeirinho ao pé.
E seu cordeirinho ao pé
Não há nenhum assim, pelo menos para mim
Nem mesmo São José.
Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.
Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.
Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.
São João vem ver as moças
Que bonitas que elas são, que bonitas que elas são.
São ainda mais bonitas
Na noite de São João, na noite de São João.
Não escapa um só rapaz, o que é que o santo lhes faz
Vai tudo no balão.
Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.
Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.
Sugestão de leitura
Paraíso perdeu exclusivo e já há martelos que vêm da China
Faliu a fábrica que viu nascer os martelinhos de São João - Manuel Marinho, neto do criador, não conseguiu enfrentar a concorrência e o negócio acabou. Partiu para o Brasil à procura de vida nova.
Comentários
Se antigamente como referiu ninguém cumpria a lei anti martelos, agora também ninguém cumpre a lei da Proteção Civil e continuam a mandar, de forma totalmente irresponsável, balões pelo ar. Nada contra quem se quer divertir, mas as populações vizinhas de Gondomar e Gaia não têm que levar com incêndios por causa de gente que não tem nada dentro da cabeça. E 140€ de multa parece-me irrisório para o mal que pode causar.