O casamento por conveniência na Idade Média

Cranach Digital Archive

Um par mal combinado
, é o nome desta pintura. É uma obra de Lucas Cranach, o Velho, de 1530. Querem ver um exemplo de como o Facebook  só me faz perder tempo? Entro no Facebook para desopilar um pouco e vejo que o Rui B. acaba de publicar uma fórmula onde se explica a diferença entre gostar de alguém, estar apaixonado por alguém e amar alguém. Leio. Gosta-se quando a gente se apega a alguém e se começa a apreciar a pessoa; apaixonamo-nos quando achamos que a pessoa em questão é perfeita, e finalmente amamos essa pessoa quando, concluindo que a pessoa não é perfeita, aprendemos a amar os seus defeitos. Ora, era informação de que não precisava, mas é sempre bonito rever conhecimentos adquiridos.

Continuo a fazer scroll pelo feed e outro Rui (V.) acaba de publicar uma pintura de um cavaleiro. Era esse o título da mesma e foi assim que soube qual o estatuto deste janota, um homem de cabelos ruivos, barba penteada e um acrobático bigode que se abre de par em par sob o aquilino nariz. Gosto do que estou a ver e começo a examinar a obra prima. Na cabeça um chapéu preto marginado a penas que lhe tomba para o lado direito. Tem o pescoço atormentado por um colarinho dourado, mais propriamente uma feminina gargantilha que parece não pertencer à camisa pregueada que salta à vista do amplo decote quadrangular da vestimenta e onde assenta uma corrente dourada com uma pequena medalha. O tronco está bem cingido por essa peça que mais parece um vestido, desta forma o seu peito é quase um coração tal a sufocante cintura de vespa que depois se alarga, mas não muito. Ficamos pelo meio corpo, o pintor não se abalançou a mais, os olhos vão-se-nos nas mangas de verde escaravelho tufadas até ao cotovelo, dali em diante bem justas até culminar nas mãos, uma na anquinha, outra na espada. A expressão do cavaleiro é a que eu devia fazer em miúda quando ia obrigatoriamente fazer as radiografias torácicas no âmbito escolar e o radiologista me dizia: não mexe, não respira. O peito do homem também parece estar repleto de ar e pronto a estoirar.

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O autor deste retrato é Lukas Cranach, o Novo. Era filho do Lukas, o Velho. Assim que vi o nome lembrei logo que um deles, o novo ou o velho, pintou o retrato de Lutero. Mas qual? À semelhança da fórmula romântica, também não precisava de ter visto esta pintura hoje. Mas já que vi uma, porque não ver mais algumas? É coisa para que estou sempre pronta. A memória já não me assiste como dantes pelo que no Google comprovei que, o Velho, era, de facto, o pintor amigo do Lutero. Fiquei depois a deleitar-me com mais algumas obras do artista germânico - visitem o link que vos deixo abaixo, do arquivo digital - que ficou conhecido por muitas razões, uma delas porque foi um dos melhores do seu tempo, grande retratista, autor de pintura religiosa e secular, etc,etc. Além do retrato do Lutero eu sempre o associei às divertidas pinturas dos homens velhos que se perdem de amores, ou luxúria, pelas mulheres mais jovens. Era um tema recorrente na pintura da época. Nas paredes dos lares da Renascença penduravam-se estas lições de moralidade, a da jovem mulher que seduz um homem mais velho e tonto por dinheiro. O pintor retrata por vezes o acto de forma descarada, a jovem com a delicada mão na bolsa das moedas mesmo nas barbas do homem seduzido. Estas mulheres da Renascença eram o demónio de saias. E os homens, coitados, viam-sforçados a ter estes lembretes pendurados na parede porque ainda não havia post-it para colar no frigorífico. A "idade das trevas" ficava para trás rapidamente e a Europa abria os afoitos olhos à "idade da luz". É do conhecimento geral que, nos assuntos da paixão, a lucidez nem sempre consegue prevalecer: quantas vezes o coração com as suas razões que a razão desconhece não se assemelha, mesmo hoje, a um obscuro território prisioneiro de uma Idade Média intemporal.

No exemplo que escolhi, dos muitos existentes, observem como a jovem da pintura irradia vida e beleza: de carnes roliças, ainda pode dar à luz um filho, mais não, que a esperança média de vida naquela época era cousa pouca. Mas o homem já está mais com os pés para a cova que para durar! No entanto, coberto de peles, é, evidente que se trata de um rico homem. Fiquei entretanto a magicar em que fase da fórmula que descrevi acima se encontraria a mulher, se I, II ou III. Examinemos. Sem dúvida que a mulher gosta dele: vejam como se agarra com firmeza ao seu pescoço e se mostra tão apegada à mão do pobre homem! E como lhe devolve o sorriso desdentado! Aquele casaco de peles é um atributo a considerar: quem é que não se apaixonava por um casaco daqueles. E sem quaisquer remorsos pois no séc. XVI ainda não havia a PETA: Pessoas para o Tratamento Ético dos Animais. E o que dizer da casinha tão romântica com vista para o mar? Que mulher não seria facilmente conquistada com promessas de um magnífico pôr de sol a dois avistado dali? E o pequeno detalhe do homem  já não ter dentes? Um amor assim é como embalar de novo um bebé nos braços. Salta à vista mais desarmada que a senhora gosta, está apaixonada e ama do coração cada fio prateado daquela moribunda barba: só de pensar no que vai herdar!  Cranach era mesmo terrível a engendrar estas narrativas do engodo amoroso! Com uma destas pinturas pendurada em casa, nenhum homem poderia invocar alguma vez não ter sido bem avisado.

Lucas Cranach, o Velho, de acordo com biografia no arquivo digital, "incorpora os ideais do homem da Renascença, activo não só como pintor e gravador, mas também como empresário e político. Pouco se pode afirmar com certeza sobre sua juventude, excepto que ele nasceu na cidade de Kronach, no norte da Francônia, como uma das quatro crianças do pintor Hans Maler e que o nome de solteira de sua mãe era Hübner. Sua data de nascimento exacta é desconhecida, mas foi provavelmente no ano de 1472."

Sugestão de leitura

Cranach Digital Archive : (em Inglês e Alemão)


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