As pessoas sem maneiras


Fonte

The hardest job kids face today is learning good manners  without seeing any.”

Fred Astaire

  1. Existem pessoas desagradáveis que dizem que são assim brutas com evidente orgulho, porque são directas, e que isso é uma grande qualidade. Por isso perguntam sobre tudo e dizem de tudo, sem cuidar que daí possa resultar um enorme embaraço para as outras.
  2. Outras há que empunhando o smartphone conversam em qualquer lugar e a qualquer hora sobre temas sensíveis, sempre dando largas aos decibéis sem pejo de partilhar todos os detalhes com os ouvintes em redor, por mais delicado que seja o assunto, porque aos seus olhos são completamente invisíveis.
  3. Há as que têm uma família em casa, gato, cão e periquito,  mas que passam o tempo nas redes sociais a serem mais familiares com as pessoas virtuais do que com aquelas com quem vivem, correndo para o computador assim que acabam de almoçar, ao Domingo, para mostrar uma foto do cozido à portuguesa que engoliram a toque de caixa.
  4. Pessoas há, ainda, que empurram as desgraçadas das outras com a barriga, a malinha de cortiça, o carro das compras ou as três crianças na fila de pagamento do hipermercado como se estivessem cheias de vontade de ir à casinha de banho fazer uma mija antes da ecografia à bexiga.
  5. Outras pessoas estacionam os seus veículos nos lugares reservados a deficientes motores porque, evidentemente, ainda não existem lugares reservados a deficientes do intelecto, que era onde deviam logo ter ido colocar a viatura em primeiro lugar.
  6. Um vasto grupo de outras pessoas deixa as criancinhas pintar a manta em qualquer lugar público, mas em especial em espaços fechados, sempre pequenos para as suas corridas desenfreadas, gritos e explosões de contentamento, porque têm um receio bíblico de que uma repreenda vá impedir a sua transformação num génio mundial, quando crescerem.
  7. Pessoas há que são melhores a pedir favores do que a agradecer o que lhes foi concedido, sobretudo porque hoje a comunicação nunca foi tão difícil, tornando  o exercício da gratidão uma tarefa assaz penosa.
  8. Temos também as pessoas que caminham em grupo pelo passeio como se estivessem a fazer uma barreira para proteger o guarda-redes na hora da cobrança de uma falta.
  9. Muitas pessoas do género masculino há que se sentam nos transportes públicos como se estivessem no sofá da sua sala de estar, profilaticamente convencidas de que se não deixarem a sua fruta respirar mais à vontade durante uma viagem ela perde o viço.
  10. Também já topei com pessoas que fingem estar a dormir nos comboios e autocarros para não dar o seu lugar aos idosos, grávidas e mulheres com crianças de colo. Dos outros que estão de olhos abertos nem vale a pena falar.
  11. O que dizer daquelas pessoas que, de pé, junto às prateleiras de jornais e revistas dos hipermercados,  aproveitam para ler as gordas, as magras e as anoréticas.
  12. Ou daquelas pessoas que poupam nas palavras “por favor”, “com licença”, “peço desculpa” , "posso", e “obrigada” como se fossem palavras de sete-e-quinhentos de algum programa de aplicação de poupança a prazo.
  13. Temo referir uma enorme maioria silenciosa de pessoas que conspurcam os espaços públicos com  grande à vontade, acreditando porcamente na ideia de que o chão da cidade ou o parque urbano verde são meros caixotes de lixo gigantes que algum escravo há-de despejar. Papéis, embalagens de fast-food, maços de tabaco, beatas, pastilhas elásticas, lenços de assoar...
  14. No grupo de pessoas que espalham lixos há a salientar o binómio pessoa-canídeo. A pessoa-canídeo vai à rua ou ao parque fazer o passeio higiénico e por deixa lá o presente do seu canídeo de estimação para algum incauto pisar. Noutra versão, a pessoa-canídeo vai à praia e, idem, até tapa o presente com areia, para que ele resulte em surpresa para quem o encontrar. É de ficar agradecido com tanto esmero.
  15. Um grupo que quase entrou em extinção é o das pessoas que não respeitam as filas porque as pessoas do negócio das máquinas de senhas lhes estragaram o jogo com muita pinta.
  16. Lembro ainda, no caso do binómio pessoa-canídeo, aquelas que não levam os cães pela trela em espaços públicos porque o cão não faz mal nem a uma mosca, porque não gostam de ver o bicho preso ou porque meter a trela dá uma trabalheira do caraças.
  17. Não sei se já me referi ao grupo de pessoas que falam sempre muito alto mesmo sem ser ao telemóvel por pensarem que andamos todos a experimentar o aparelho auditivo da Minisom.
  18. Existe também a fita das pessoas que não colocam o telemóvel em silêncio no cinema, teatro, ou conferências em virtude da vontade constante de não perder pitada, via mensagens ou redes sociais. Isto até tão grave que até tem um acrónimo: sofrem de extremo FOMO - Fear of Missing Out.
  19. E que pensar daquelas pessoas que mudam o canal da televisão na sala de espera do consultório médico sem pedir licença a ninguém? Que seriam mudas? 
  20. E já viram aquelas pessoas que apalpam as peças de fruta da loja toda e que depois não compram nem um caroço?
  21. Também temos as pessoas que caminham pelo apartamento e que sobem a escada do prédio, a qualquer hora do dia ou da noite, como se fossem o pelotão de Reconhecimento do Batalhão de Infantaria da Brigada de Intervenção.
  22. Já me esquecia do clássico hábito que muitas pessoas têm de enfiar o dedo no nariz enquanto estão paradas dentro dos seus carros nas filas e semáforos para de lá  retirar plasticina. Sempre é uma forma de manter a mão longe do smartphone e escapar à multa. Outras, mais famintas, até a comem. 
  23. E as pessoas que pagam 150 euros por uma "experiência gastronómica" (sem bebidas) num restaurante de nomeada e depois sacam dos smartphones para fotografar os pratos? 
  24. E como ignorar as pessoas que desenham histórias com os talheres no ar enquanto falam...
  25. E as pessoas que agem como o dr. Jekyll na vida real mas que são ferozes mr. Hyde na vida digital?
  26. E as pessoas que vão de visita a casa de pessoa amiga e olham para o smartphone de dois em dois minutos como se disso dependesse a sua vida?
  27.  E já quase me esquecia daquelas pessoas que nasceram para ser noivas e que chegam atrasadas a todo o lado.
  28. E aquelas pessoas, muitas, que usam as fotografias das outras pessoas nas redes sociais sem pedir autorização e nem sequer dar créditos?
  29. E o que dizer  das pessoas condutoras que aceleram nas passadeiras e das pessoas que se passeiam nas passadeiras que tomam por passeadeiras? 
  30. ...

Comentários

Belinha, já lhe disseram algum dia que você é uma "old soul"?... Então digo-o eu agora. A mim também já me puseram esse rótulo e isso foi uma revelação tão grande quanto o elogio que recebi com tal catalogação.

Beijim!… ;-)
José, aka Giuseppe