"Vou-lhe falar sobre os ventos".
Killer Vacation photo set posted by York in a Box, via Facebook.
Parece uma mentira do primeiro de Abril, mas dizem que nos próximos dias de ainda Inverno vão estar 26 graus. A notícia sobre a temperatura elevada para a época transportou-me para um qualquer dia de um fim-de-semana de Agosto.
Uma pessoa acorda a sonhar com uma bela tarde de praia num luminoso Domingo. Faz uma consulta rápida na internet e descobre que vão estar 26 graus, céu limpo, água moderadamente fresca, ondulação aprazível e depois apanha uma lufada valente quando lê: vento a 40 Km/h. Não. Não a frase não estava escrita a itálico, mas até devia, pois é sabido que o vento é dado a fazer inclinar as coisas por onde passa. Convencida de que mais do que ninguém merece uma tarde de esplendor na areia uma pessoa faz uma busca por argumentos que façam dissipar a pequena nuvem que se rapidamente se formou acima da cabeça. Imagina então que se dentro das localidades a velocidade máxima permitida para circular são uns tranquilos 50 Km/h, não vai ser um ventito de 40 Km/h que vai estragar a tarde balnear. E logo se faz ao caminho munida de elementar pára-vento amarelo, mochila com tudo o que compete levar para uma tarde em beleza à beira-mar, o coração a cantar e a mente a levitar, antevendo o paraíso.
Uma pessoa acorda a sonhar com uma bela tarde de praia num luminoso Domingo. Faz uma consulta rápida na internet e descobre que vão estar 26 graus, céu limpo, água moderadamente fresca, ondulação aprazível e depois apanha uma lufada valente quando lê: vento a 40 Km/h. Não. Não a frase não estava escrita a itálico, mas até devia, pois é sabido que o vento é dado a fazer inclinar as coisas por onde passa. Convencida de que mais do que ninguém merece uma tarde de esplendor na areia uma pessoa faz uma busca por argumentos que façam dissipar a pequena nuvem que se rapidamente se formou acima da cabeça. Imagina então que se dentro das localidades a velocidade máxima permitida para circular são uns tranquilos 50 Km/h, não vai ser um ventito de 40 Km/h que vai estragar a tarde balnear. E logo se faz ao caminho munida de elementar pára-vento amarelo, mochila com tudo o que compete levar para uma tarde em beleza à beira-mar, o coração a cantar e a mente a levitar, antevendo o paraíso.
Alguns caminhados minutos mais tarde, e depois de se terem ignorado as copas das árvores em delírio e outras, juvenis, em vénias contínuas, uma pessoa avista o mar e tudo parece perfeito. Há gente a percorrer as passadeiras de madeira e ao largo silhuetas de banhistas, chapéus e pára-ventos. O circo está montado. Aos banhistas juntam-se os veranenantes de Domingo, gente sem margem de manobra para se esperguiçar o corpo ao sol por mais que meia dúzia de horas antes do regresso ao trabalho. Mas eis que já mais perto da orla marítima se lhe atravessa à frente um chapéu de praia descrevendo uma sequência de rondadas e flic-flacs para a frente. Não é um bom sinal. Mas the show must go on. O optimismo prevalece mesmo quando uma pessoa observa que a areia está lisa como uma folha de papel. A meio do areal começa já o vento soprar em rabanadas vigorosas e a pequena nuvem regressa ao topo da nossa cabeça. Tem-se esperança de que a vigorosa aragem a leve para longe mas não, ela terá vindo para ficar. Rapidamente se constata que o terreno não é propício ao relaxamento sonhado. Mas já que se está ali, porque não tirar partido? Que seja uma experiência de praia radical!
Uma pessoa tem, em primeiro lugar, que espetar as estacas de madeira do pára-vento. Uma traefa simples. Mas mais vale manter a mochila às costas não vá o vento levá-la para longe. São apenas quatro estacas. Aguarde-se um intervalo menos ventoso e umas a seguir às outras já estão devidamente ancoradas. Agora, pés à obra. Vai de empurrar areia para a base. Nem custou assim tanto e a barreira de salvação pareceu ficar bem firme na areia. Ainda assim a cabeça é sobrevoada por um pensamento de um pára-vento arrancado ao cais. Depois, uma pessoa passa para o lado interior, voltado a sul. Retira a toalha da mochila e faz de mastro de uma bandeira desfraldada por instantes. Estende-a na areia. Ajeita-a. Senta-se. Enquanto se despe, guarda tudo na mochila com medo que os dedos do vento lhe levem das mãos o que é seu. Coloca protector solar mas a dado ponto é como se estivesse a fazer esfoliação à base de grainhas de uva, (que não quer ter nada a ver com as micro-esferas poluentes que vão parar à barriga dos peixes que hão-vir parar à barriga do mundo.) Quando acaba e guarda a embalagem, verifica que a toalha já se encheu de areia. Levanta-se aborrecida e sacode-a. Deita-se nela a correr, de mergulho, a cabeça junto da sarja amarela. A reverberação do vento no pára-vento é forte e ruidosa quando aquele se intensifica. Faz lembrar o bater de asas de muitas aves. Sente a areia a percorrer as pernas como uma lixa. Não demora a ficar coberta de pó de areia que se colou à pele ajudado pelo filme untuoso do protector solar. E a toalha está novamente polvilhada de areia finíssima. Retira a t-shirt que entretanto tinha guardado na mochila e improvisa um turbante. Parece uma berbere. Mas já é tarde. A areia já se guardou nos ouvidos e invadiu o couro cabeludo.
Então uma pessoa levanta-se irritada e observa em volta. Há gente deitada como se nada de menos bom se passasse naquela tarde. Mas ela está picada dos nervos com tanta areia em movimento. Tem na boca um travo a deserto ao cerrar os dentes, grãos de areia que não macio cuscous. A areia corre junto ao chão, mas também voa. Se ela apertar a mão no ar consegue apanhar os finos grãos a caminho de nenhures. Ao longe as pessoas não têm pernas, apenas troncos: uma miragem de um branco leitoso corre junto ao chão apagando a sua definição. O horizonte torna-se difuso e esbatido. Lembra-se do filme O paciente inglês. No filme O paciente inglês, Katherine (Kristin Scott Thomas) e Almasy (Ralph Fiennes) estão fechados num jipe numa imensa tempestade de areia no meio do deserto do Sahara. Almasy, para conquistar Katherine, começa a contar-lhe a história dos ventos.
Então uma pessoa levanta-se irritada e observa em volta. Há gente deitada como se nada de menos bom se passasse naquela tarde. Mas ela está picada dos nervos com tanta areia em movimento. Tem na boca um travo a deserto ao cerrar os dentes, grãos de areia que não macio cuscous. A areia corre junto ao chão, mas também voa. Se ela apertar a mão no ar consegue apanhar os finos grãos a caminho de nenhures. Ao longe as pessoas não têm pernas, apenas troncos: uma miragem de um branco leitoso corre junto ao chão apagando a sua definição. O horizonte torna-se difuso e esbatido. Lembra-se do filme O paciente inglês. No filme O paciente inglês, Katherine (Kristin Scott Thomas) e Almasy (Ralph Fiennes) estão fechados num jipe numa imensa tempestade de areia no meio do deserto do Sahara. Almasy, para conquistar Katherine, começa a contar-lhe a história dos ventos.
– Vou-lhe falar sobre os ventos. Há um ciclone do Sul do Marrocos, o Aajej, contra o qual os felás se defendem com facas. Há o Ghibli da Tunísia…
– O Ghibli?
– Ele gira gira gira e produz uma sensação estranha. E há o Harmatã, um vento vermelho que os fuzileiros chamam “mar de trevas”. A areia vermelha deste vento chegou à costa sul da Inglaterra. Produziram tempestades tão densas que parece sangue.
Só no cinema é que alguém pode ter esta ideia de filmar uma cena romântica com pessoas a serem enterradas vivas pelas areias do deserto enquanto os ventos corropiam ao seu redor. Não há nada de romântico em ser assediada por areias pelo corpo todo. Acreditem, a areia é como a água. Não há refego, recanto, dobra ou dobrinha que a areia não consiga penetrar e sufocar.
Há gente no mar e uma pessoa pensa que gostava de ir ao banho lavar-se de todo aquele pó. Uma mulher dança junto das ondas e abre os braços em T para receber o afago das areias que entretanto investem na sua direcção com mais e mais força. Ri-se e o homem que está com ela faz gestos de desincentivo à exótica dança. Mas ela parece divertida e continua. Um pacote de Doritos passa em vôo de corrida rente a ela executado cambalhotas e rodas. Um pessoa pensa em retornar à avenida e refugiar-se numa esplanada bem protegida. Mas se ficar é mau, voltar não é melhor. Coragem. Veste-se e calça-se sentada como se estivesse dentro de uma tenda de campismo, ajeita o cabelo o melhor que pode e coloca a mochila às costas. Agora tem de desenterrar o pára-vento, enrolá-lo e atravessar o deserto. Levanta-se. Fica de costas para a ventania uivante. Sente a areia a picar-lhe nos braços. O vento insiste em castigar aquele corpo onde ele se mostra. Parece que está a gostar de a atormentar, é diabólico. Uma pessoa espera minutos que parecem horas por um pouco de calma. Quando lhe parece ser aquele o momento, arranca as estacas rapidamente e nem cuida de enrolar o pára-vento. Ajeita-o contra si, faz dele um escudo. E aí vai, assim resguardada, a olhar o chão por onde a areia rebola em tropelias malucas. Quando se torna impossível dar o peito ao manifesto tenta caminhar avançando de costas contra o vento. As passadeiras de madeira aprecem estar mais longe do que estão. Tem areia na boca e tenta cuspi-la mas acerta em si. Merda, exclama, enquanto limpa o cuspo da cara.
Todos os anos uma pessoa tem um dia de praia horroroso assim. Todos os anos o vento na praia da Figueira enterra o seu fascínio pela vida no deserto mais uns centímetros. A última vez que procurou um oásis cinematográfico filmado em paragens agrestes ficou a conhecer A rainha do deserto, de Werner Herzog. Mas o filme de oásis nada tinha. Era tão fraco como qualquer Domingo de praia ventosa. Quando chega à passadeira corre por ela fora até onde lhe permitem os músculos entorpecidos. Passa por pessoas que avançam curvada e vagarosamente enrodilhadas em longas toalhas coloridas. É já na marginal calcetada que enrola devidamente o pára-vento enquanto sacode todo o seu descontentamento: oh, merda de praia. Um grupo de pessoas bem vestidas que ali conversam, de pé, olham para ela, tirando as medidas ao seu desapontamento. Julgo, pelo riso que se instalou a seguir no pequeno círculo, que o vento, incansável, ainda arranjou fôlego suficiente para a envergonhar.
Todos os anos uma pessoa tem um dia de praia horroroso assim. Todos os anos o vento na praia da Figueira enterra o seu fascínio pela vida no deserto mais uns centímetros. A última vez que procurou um oásis cinematográfico filmado em paragens agrestes ficou a conhecer A rainha do deserto, de Werner Herzog. Mas o filme de oásis nada tinha. Era tão fraco como qualquer Domingo de praia ventosa. Quando chega à passadeira corre por ela fora até onde lhe permitem os músculos entorpecidos. Passa por pessoas que avançam curvada e vagarosamente enrodilhadas em longas toalhas coloridas. É já na marginal calcetada que enrola devidamente o pára-vento enquanto sacode todo o seu descontentamento: oh, merda de praia. Um grupo de pessoas bem vestidas que ali conversam, de pé, olham para ela, tirando as medidas ao seu desapontamento. Julgo, pelo riso que se instalou a seguir no pequeno círculo, que o vento, incansável, ainda arranjou fôlego suficiente para a envergonhar.
(Como será o cenário no fim-de-semana que se avizinha?)
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